Confira a íntegra do roteiro do episódio Trabalheira #6

Trabalheira é um programa da Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil, cujo objetivo é discutir o futuro do trabalho
 16/09/2020

Roteiro referente ao programa E os sindicatos, têm futuro?.

Carlos Juliano Barros

Ana, hoje a gente vai abrir o programa mandando um autojabá pesado!

Bom dia, Jirau! Gostaria que os senhores prestassem bastante atenção. Não é uma paralisação da greve. Nós não vamos parar a greve. É simplesmente uma suspensão da greve. É uma suspensão. 

Vocês de Jirau no ano passado deram a linha das campanhas salariais da construção no Brasil. A luta de vocês repercutiu em todo o Brasil. E o operário da construção foi ouvido. Não adianta fazer greve e sair perdendo.

Ana Aranha

Esse autojabá que você mandou foi pesado mesmo, hein, Caju? Mas é perfeito pro episódio de hoje… Esse áudio é de um documentário que eu e o Caju fizemos com nosso parceiro Caio Cavechini, pela Repórter Brasil. É o “Jaci – Sete Pecados de uma Obra Amazônica”, um mergulho nos bastidores da mega construção da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Aliás, pra quem quiser assistir, o filme tá disponível no Globoplay! E, falando nele… pelo que me lembro, foi você mesmo né Caju quem filmou essa assembleia com os trabalhadores em greve? Lá no meio da obra mesmo…

Carlos Juliano Barros

Pois é, Ana. Fui eu mesmo que filmei, do alto de um caminhão de som. Aliás, uma experiência inesquecível. Essa greve aconteceu em 2012 – mas era o segundo ano consecutivo em que rolava uma mobilização forte em Jirau. Só dando um passo atrás: as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, ambas em Rondônia, foram duas das principais obras do PAC – o Programa de Aceleração do Crescimento dos governos do PT. No auge, essas duas obras chegaram a contar com 20 mil trabalhadores. Mas o que interessa nesse trechinho do filme que a gente colocou na abertura do programa é a relação dos operários com o sindicato. Acho que ficou bem claro como o sindicato atuou deliberadamente pra esvaziar aquela greve, e como isso deixou boa parte dos trabalhadores indignados – principalmente os que recebiam salários mais baixos. Tinha um certo “distanciamento”, pra usar um eufemismo, entre o sindicato e os operários. 

Ana Aranha

Bota eufemismo nisso! A greve de Jirau foi um marco porque a obra não só era faraônica, mas também estratégica pro país. E por isso o movimento em Jirau acabou incentivando greves em todo o Brasil. Pra fazer esse filme, a gente também ouviu o Gilberto Carvalho, que era secretário-geral da Presidência da Dilma Rousseff. Ele era um articulador político super importante do governo e tinha, entre outras missões, a tarefa de dialogar com sindicatos e movimentos sociais. 

Gilberto Carvalho

Não há dúvida nenhuma que Jirau pôs em crise de fato um padrão de representação sindical distanciado da base, burocratizado, que não dialoga, que não se faz representar dentro da empresa.

Ana Aranha

Jirau foi um marco mesmo. Há quem diga que a greve que o Caju filmou em 2012 foi o embrião das históricas manifestações de junho de 2013. Quer dizer, Jirau puxou uma série de greves de trabalhadores em todo o Brasil, que por sua vez serviu como um dos gatilhos pro clima geral de insatisfação que explodiu em 2013. E vamo lembrar que naquela época o país todo estava em obras. Tinha PAC, Copa do Mundo, Olimpíadas…

Carlos Juliano Barros

Essa análise é bem interessante, Ana. E os números de alguma forma apontam pra isso. Segundo o Dieese, centro de pesquisa mantido pelo movimento sindical e que organiza dados sobre o mercado de trabalho, o número de greves que aconteceram no Brasil, entre 2013 e 2016, ficou bem acima da curva nas últimas duas décadas. Nesse período, foram umas 2 mil greves por ano. Pra fazer uma comparação, até 2011, a média ficava em torno de 500 greves no ano. Ou seja, as manifestações quadruplicaram em um espaço de tempo muito curto. E hoje já voltaram a cair de novo. Tá tendo um claro refluxo desse tipo de mobilização dos trabalhadores.

Ana Aranha

Essa montanha russa das greves é um fenômeno bem importante, que pouca gente olha… E tem absolutamente tudo a ver com o tema do nosso episódio de hoje: o futuro do sindicalismo. Nesse balaio que mistura crise econômica, transformações tecnológicas e mudanças nas leis, a nossa pergunta de hoje é: que papel vão ter os sindicatos daqui para frente? Seja bem-vinda, seja bem-vindo a mais um episódio do Trabalheira, um programa da Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil. Eu sou a Ana Aranha.

Carlos Juliano Barros

E eu sou o Carlos Juliano Barros, o Caju. Aqui no Trabalheira o que a gente discute é o futuro do trabalho. Ah… E fica aqui um convite: visite o nosso site! É o reporterbrasil.org.br/radiobatente. Dá pra conferir os textos dos roteiros e acessar facinho as referências de livros, vídeos e filmes que a gente cita nos episódios!  

Marcelo Badaró

Tem hoje uma parcela enorme da classe trabalhadora que não se vê representada pelos sindicatos tradicionais porque os sindicatos formais operam na sua maioria por uma lógica que é do emprego padrão, do trabalho formal. E essa parcela da classe trabalhadora é cada vez menor no conjunto da classe. Os sindicatos precisam reaprender a representar esses trabalhadores precários, informais, organizar esses trabalhadores a partir da base, promover lutas coletivas para esses trabalhadores. (…) Porque a classe trabalhadora já viveu outros momentos de luta coletiva em que a precarização era a regra, e não a exceção. Esse é o desafio que está colocado pro sindicalismo no futuro.

Carlos Juliano Barros

Esse é o Marcelo Badaró Mattos, pesquisador e professor de História da Universidade Federal Fluminense.

Geralmente, Ana, logo depois da vinheta do Trabalheira a gente introduz o assunto do episódio com alguma viagem no tempo, quase sempre em direção ao passado. Mas hoje a gente vai inverter essa lógica, porque o Marcelo Badaró foi logo falando sobre o futuro. 

E ele fez isso porque existe praticamente um consenso de que o movimento sindical não tá vivendo os seus melhores dias no momento presente, né?

Ana Aranha

Hum. Passado, futuro, presente… sinto que vai rolar uma graça com a cronologia, hoje hein, Caju?

Carlos Juliano Barros

Você captou a mensagem…

Ana Aranha

Mas eu concordo que faz sentido começar o programa de hoje falando do futuro dos sindicatos, até pra já entrar na provocação que tá no título desse episódio: EXISTE futuro pros sindicatos? É claro que eu tô esticando a corda aqui, avançando um pouco o sinal – mas é que, de fato, o momento presente dos sindicatos tá longe de ser “auspicioso”. E essa fala do Marcelo Badaró resume bem. 

No Brasil, a informalidade é um traço estrutural do mercado de trabalho. E nos últimos anos ela cresceu. Hoje, 40% das pessoas trabalhando estão no mercado informal. A gente já abordou no segundo episódio o caso dos trabalhadores uberizados, por exemplo. Mas tem também o crescimento dos terceirizados, dos PJs… Sem falar nas diversas mudanças recentes na lei brasileira – em especial a Reforma Trabalhista, né, de 2017. A Reforma contribuiu e muito pra abalar as estruturas do sindicalismo, que já tinham sido redefinidas pela Constituição de 88. 

Tudo isso dinamitou aquela imagem de sindicalismo que a gente se acostumou a ver: grandes massas operárias conduzidas por uma liderança centralizada. No Brasil, essa imagem ficou muito marcada pela figura do Lula, né? Aliás, é bem simbólico que toda essa desconstrução ocorra logo depois do governo dele…

Carlos Juliano Barros

Sim, mas essa é outra história… Só um comentário sobre a Constituição de 1988, Ana: ela trouxe mudanças importantes pro movimento sindical. Talvez a mais relevante esteja no artigo oitavo, que diz que os sindicatos não precisam de aprovação do Estado pra existir. Mas, na prática, foram mantidas regulações que tinham sido definidas ainda na presidência do Getúlio Vargas. Ao longo desse episódio, a gente vai falar sobre algumas delas – por exemplo: unicidade sindical e imposto sindical. 

Ana Aranha

Pelo visto, agora a gente voltou pro script tradicional e vamo voltar no túnel do tempo… é isso?

Carlos Juliano Barros

Exatamente (Risos). Quer fazer esse histórico, Ana?

Ana Aranha

Bora. Vou tentar ser breve. De forma geral, dá pra dividir a história do sindicalismo brasileiro em quatro momentos principais. O primeiro deles foi no início do século XX. Um pouco antes disso, na verdade, já tinha algumas associações de ajuda mútua entre trabalhadores – não eram propriamente sindicatos, mas resolviam as buchas do dia-a-dia. Por exemplo, faziam funeral de parentes mortos. Mas a coisa foi ficar mais organizada mesmo no começo do século XX, quando rolou mais forte por aqui a influência dos imigrantes europeus – uma coisa assim, meio “Anarquistas, Graças a Deus”.

Carlos Juliano Barros

Que bela referência, Ana! Esse livro da Zelia Gattai marcou a minha adolescência. Ele narra de um jeito inocente – até porque é um livro de memórias de infância – essa atmosfera do movimento operário nos primeiros anos do século XX. Aliás, você sabia que o pai da Zelia, o Ernesto Gattai, fez parte da mítica Colônia Cecília, a única experiência anarquista roots da história do Brasil, no interior do Paraná?

Ana Aranha

É… as coisas mudam… a República de Curitiba hoje é tudo menos anarquista! Mas vou voltar aqui pro nosso histórico. Então, nessa época o movimento sindical tinha muita influência das ideias revolucionárias. Até porque conquistar o poder por vias democráticas seria de fato impossível pros sindicatos. Vamo lembrar que no começo do século XX não mais que 5% da população participavam das eleições. Mulheres, menores de 21 anos e analfabetos não podiam votar. E a maior parte do país era de analfabetos.

Carlos Juliano Barros

É… digamos que os sindicalistas estavam longe de ser um Tiririca da vida, um cabo eleitoral eficaz.

Ana Aranha

Sim! E aí vem o segundo momento – o governo Getúlio Vargas – que deixa heranças até hoje. Um dos alicerces do governo Vargas era a ideia de “Estado Corporativista”. Esse conceito parece coisa de acadêmico, mas não é – como explica o professor Marcelo Badaró. 

Marcelo Badaró 

Os formuladores da proposta varguista da relação do Estado com os sindicatos falavam em corporativismo. Era uma expressão para fazer referência à ideia de que, através do Estado, ia se constituir uma mediação arbitral entre os interesses do capital e do trabalho. Se chegava a dizer inclusive que no Brasil não havia democracia política, porque durante a ditadura do Estado Novo, era um governo sem Congresso Nacional funcionando, sem partidos políticos, sem eleições. Então, “não havia democracia política, mas havia democracia social e que a democracia política era inimiga da democracia social”. E que a democracia social era garantida através do mecanismo corporativista de relação direta do Estado, com as classes sociais, e mediada pela estrutura sindical.  

Carlos Juliano Barros

Ana, antes de você seguir na nossa viagem no tempo, eu só quero dizer que fiquei espantado com essa dicotomia recuperada pelo Marcelo Badaró: democracia política versus democracia social. Esse discurso muito usado pelos apoiadores do Vargas cabe perfeitamente na boca dos partidários do nosso atual presidente, né?

Ana Aranha

Tem um paralelo bem forte mesmo, Caju. E já que a gente fez essa digressão, eu também queria dar uma viajada aqui. Enquanto o Marcelo Badaró falava em “mediação arbitral entre os interesses do capital e do trabalho”, não tinha como não lembrar da cena final do “Metrópolis”, aquele clássico do cinema alemão de 1927.

Carlos Juliano Barros

Foi longe, hein, Ana… Como assim?

Ana Aranha

O “Metrópolis” é uma ficção científica e uma distopia, né? O filme se passa no ano de 2026. E o mundo tá dividido entre os trabalhadores braçais que vivem no subterrâneo e a elite que tá no bem bom, em parques e prédios modernos na superfície. E aí rola um caso de amor, desses de novela, entre um jovem rico e uma jovem pobre – aquela coisa de sempre. Mas o meu ponto é que o “Metrópolis” tem como pano de fundo político justamente a tal mediação arbitral entre capital e trabalho. 

Carlos Juliano Barros

Mas qual é a relação entre o Metrópolis e essa tal mediação arbitral entre capital e trabalho? 

Ana Aranha

Bom, agora eu vou ter que contar o final, a galera vai querer me matar – mas tudo bem, vamo combinar que é um spoiler que tá no ar desde 1927… A cena final é aquele aperto de mãos simbólico entre um representante dos trabalhadores e um representante das elites. E aí aparece uma frase de efeito: “o mediador entre o cérebro e as mãos é o coração”. 

As mãos, claro, são os operários. E o “cérebro” é uma referência às elites… Um discurso típico da época em que o filme foi lançado: a busca por uma pretensa harmonia entre as classes sociais, pelo bem da nação. 

Carlos Juliano Barros

E trazendo o paralelo de volta aqui pro Brasil, a gente podia dizer que o coração seria o Getúlio, né? Cheguei até a imaginar o Getúlio fazendo coraçãozinho com as mãos…. Hoje a gente tá muito cult!

Ana Aranha

Gostou, né?! Então, no governo do Getúlio Vargas foram criadas algumas regras pra organizar o sindicalismo que sobreviveram a duas aberturas democráticas: a da ditadura do próprio Vargas e a do regime militar. Tô falando, por exemplo, da unicidade sindical – a ideia de que só pode ter um sindicato por categoria profissional por município. Outra regra importante era a do imposto sindical obrigatório, que depois passou a se chamar “contribuição sindical”. 

Carlos Juliano Barros

Ah, a contribuição sindical obrigatória, que foi extinta pela Reforma Trabalhista de 2017, no governo Temer…

Ana Aranha

Sim, e a gente já vai chegar lá. Seguindo aqui com o nosso histórico, na época da ditadura militar, a gente teve um terceiro momento – quando os sindicatos foram ainda mais reprimidos e controlados pelo Estado. Nem precisa dizer muita coisa, né? É só lembrar que um decreto de junho de 64 na prática proibiu as greves, o principal instrumento de pressão dos sindicatos. 

E depois veio a quarta fase: o chamado “Novo Sindicalismo”, que teve um papel decisivo no processo de redemocratização, no começo dos anos 80. E aí tamo falando das famosas greves do ABC paulista, do surgimento do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores, etc e tal. 

Como a gente já disse, a redemocratização foi sacramentada pela Constituição de 1988. Na questão sindical, a Constituição garantiu maior liberdade de organização – isso é um fato! Mas ela não mexeu na contribuição sindical, no conceito de unicidade, sem falar em prerrogativas bem importantes que continuam nas mãos do Estado. 

Carlos Juliano Barros

Como assim? Me dá um exemplo.

Ana Aranha

Por exemplo: hoje o Estado não pode proibir a criação de um sindicato, mas ele exige que se faça um registro no órgão competente. Cabe ao Estado também definir quais são as categorias que podem se organizar em sindicatos – isso é papel do Ministério do Trabalho (que hoje nem existe mais, né? É uma secretaria do Ministério da Economia). Mas enfim, os críticos da lei atual dizem que não há liberdade sindical plena no Brasil. É o caso, por exemplo, do advogado João Batista Pereira Neto, sócio do escritório Machado Meyer, em São Paulo. 

João Batista Pereira Neto 

O sistema brasileiro sindical é quase que único. Esse modelo que a gente tem, hoje, esse modelo de unicidade é um modelo que não se vê por aí. E ele é conflitante com todas as convenções internacionais da OIT. Os conceitos da OIT são de liberdade sindical. E na minha visão o melhor modelo é a liberdade sindical. Não faz sentido, como ainda é hoje, o governo posto, o Ministério do Trabalho, a Secretaria do Trabalho, ter que outorgar uma carta para reconhecer se um grupo de trabalhadores pode se unir em sindicatos. O que precisa ter é representatividade.

Carlos Juliano Barros

Mas, Ana, tem também quem entenda que a legislação não é necessariamente um empecilho. O Fausto Augusto Junior, coordenador técnico do Dieese, diz que ao longo do tempo os sindicatos foram se adaptando e, vamo dizer, driblando as restrições impostas pelo Estado. 

Fausto Augusto Junior 

Eu não vejo a legislação, com muita sinceridade, como uma barreira tão grande assim como a gente imagina. Ao contrário, às vezes a legislação sindical é até uma muleta para o movimento sindical. Essa mudança do sindicalismo nos anos 80 acontece por cima da legislação. A legislação acabou se adaptando a ela e o sindicato se adaptou à legislação. Então, você tem hoje federações e confederações de centrais sindicais diferentes. Hoje na prática a gente tem uma unicidade na base, e é uma unicidade um tanto complexa, porque estamos falando de mais de 10 mil sindicatos espalhados pelo Brasil. Mas em cima, nas federações e nas confederações, já tem uma pluralidade sindical. Na prática, se você olhar, o movimento sindical fez transformações importantes na direção da liberdade e da autonomia sindical. 

Carlos Juliano Barros

Esse ponto que o Fausto traz é interessante. A partir dos anos 80, as Centrais Sindicais começaram a construir uma certa identidade política e ideológica pros sindicatos, como acontece por exemplo na Europa. Lá, os sindicatos são expressões de tradições políticas. Hoje aqui no Brasil existem várias centrais sindicais: CUT, Força Sindical, UGT, NCST, Conlutas… O curioso é que, apesar de elas atuarem há bastante tempo (a CUT, a maior das centrais, é de 1983), elas só passaram de fato a fazer parte do sistema sindical oficial com uma lei de 2008, do governo Lula. Essa lei, inclusive, foi a que destinou parte da contribuição sindical obrigatória pras centrais.  

Ana Aranha

Sim, mas o ponto do advogado João Batista tem a ver com a questão da representação compulsória, obrigatória, na base. Se só existe um sindicato por município (ou por um conjunto de municípios definido pelo Estado), não tem alternativa de representação. E o João Batista acha que o fato de as centrais sindicais estarem ligadas a partidos políticos também é um problema. 

João Batista Pereira Neto

Hoje, como todo trabalhador e toda empresa obrigatoriamente é representado por um sindicato, e em especial do ponto de vista do trabalhador, ele de alguma maneira, ainda que não queiram ou indiretamente, está ligado a uma central sindical. E hoje no Brasil grande parte das centrais sindicais são ligadas a partidos políticos. A gente sempre cita a CUT porque ela é a maior, mas a CUT historicamente sempre foi ligada ao PT. E se eu não convirjo com as opiniões do PT e da CUT? Ou se eu sou uma pessoa que não quero saber de política, não quero me envolver com política. Por que eu tenho que obrigatoriamente ter uma ligação com essa central sindical, com esse partido, ainda que de uma maneira indireta? Acho que hoje, ainda mais com essa polarização, com essa questão ideológica muito forte, está mais ainda fora de moda essa questão da representação obrigatória. Deveria ser uma opção das pessoas. É uma opção das pessoas estarem ligadas a um sindicato ou não, ou tentarem fazer seu próprio sindicato. Em linha inclusive com regras que já estão na nossa CF, de liberdade individual. Por isso que eu entendo que o melhor modelo é o de liberdade.

Carlos Juliano Barros

Isso leva a gente pra questão da contribuição sindical obrigatória, aquela que foi extinta pela Reforma Trabalhista de 2017. O que a nova legislação diz, e que foi reafirmado em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, é que a contribuição sindical precisa ser expressamente autorizada pelo trabalhador, de forma individual. Essa é outra discussão complexa porque a CUT, por exemplo, sempre se posicionou de forma contrária à obrigatoriedade da contribuição sindical. Por outro lado, a CUT também defende que as decisões tomadas em assembleias se sobreponham à vontade individual dos trabalhadores – como a que decide pela contribuição sindical, por exemplo. O Marcelo Badaró também falou sobre esse assunto.

Marcelo Badaró 

Em relação ao imposto sindical, é fato que o novo sindicalismo, no final dos anos 70, início dos anos 80, era muito crítico ao imposto sindical. Mas mesmo a central sindical que surgiu das bases do novo sindicalismo, a CUT, no seu interior, ao longo do tempo, foi existindo uma certa adaptação a essa lógica do imposto sindical. Uma certa comodidade de que uma parcela das verbas que sustentavam os sindicatos não vinha da contribuição dos associados, vinha através do Estado, do imposto sindical. Essa situação gerou uma dependência e num momento como esse que a gente vive, de avanço profundo do Estado, pressionado pelo empresariado, contra os direitos da classe trabalhadora, não é de se estranhar que a reforma que a gente teve no campo sindical foi justamente a retirada do financiamento via imposto sindical, ou a dificuldade da cobrança de outras taxas através dos sindicatos.

Ana Aranha

Muita gente critica a Reforma Trabalhista porque ela acabou, do dia pra noite, com uma importante fonte de recurso dos sindicatos. E o grande mote dessa Reforma foi o princípio do “negociado sobre o legislado” – quer dizer, as negociações entre empregados e empregadores passaram a valer mais do que diz a lei. 

Então, como os sindicatos perderam recursos e ficaram mais fracos, isso poderia prejudicar ainda mais os trabalhadores na queda de braço com os patrões. 

Mas o João Batista não concorda com essa leitura. Ele argumenta que os sindicatos fortes vão sobreviver e que a Reforma tirou de cena apenas os sindicatos que dependiam única e exclusivamente do repasse de verbas do Estado.

João Batista Pereira Neto 

Esses sindicatos que viviam exclusivamente dessa contribuição que era obrigatória, esses com certeza tiveram um impacto profundo, do dia pra noite, porque não houve um período de adaptação dessa nova legislação. Um dia tinha contribuição obrigatória, no outro dia não tinha mais. De outro lado, os sindicatos organizados e representativos, não sentiram tanto o impacto em relação à contribuição. Tem vários e vários sindicatos no Brasil que já há muitos anos devolviam a contribuição obrigatória para os trabalhadores. Então, essa afirmação impactou a maior parte dos sindicatos, talvez, porque a maior parte dos sindicatos não são ativos e representativos. Mas com certeza não impactou toda a cadeia e o sistema sindical brasileiro.

Carlos Juliano Barros

É verdade que muitos sindicatos viviam às custas da contribuição obrigatória. E talvez eles sejam os grandes culpados pela visão não muito positiva com que boa parte da sociedade enxerga os sindicatos hoje. Agora, também é importante olhar pro contexto político e ideológico brasileiro. Não dá pra negar que as mudanças legislativas recentes têm, sim, o objetivo de afrouxar a proteção trabalhista e restringir a esfera de atuação dos sindicatos. Um discurso que se cristalizou nos últimos anos é o de que a nossa legislação é muito protetiva, que impede a geração de empregos, etc e tal…

Ana Aranha

E esse é o projeto político, pelo menos por ora, que tá no comando. De um jeito ou de outro, tem muitas críticas ao modo como essas transformações todas aconteceram, sem qualquer tipo de diálogo. Inclusive, já saíram notícias sobre uma proposta de Reforma Sindical, defendida pelo governo Bolsonaro. Ela segue a ideia de liberdade total, como disse o João Batista. Já o Marcelo Badaró não vê com bons olhos essa ideia. Ele questiona o princípio de que as negociações entre as empresas e os trabalhadores valem mais do que a própria lei. 

Marcelo Badaró

Já ficou claro em algumas propostas patronais de reforma sindical o sindicato por empresa, aquele sindicato que é mais fácil de controlar pelo próprio patronato. Aí eles vão abrir seus sindicatos de amigos pra assinar os acordos que eles quiserem. Então tem que ter garantias de contratação coletiva mais amplas, pra evitar que isso se feche no âmbito das empresas. Tem que retomar a lógica de que a legislação tem precedência sobre a negociação individual ou a negociação local, por empresa, com os sindicatos.  

Carlos Juliano Barros

O Fausto Augusto Junior, o coordenador técnico do Dieese, segue uma linha de raciocínio parecida.

Fausto Augusto Junior

O que o atual governo quer, e não só o atual, mas vem desde a reforma de 2017, é fazer uma transformação impositiva. Muito parecido com o que o Getúlio Vargas fez. Só que na direção de implodir organizações coletivas. Por isso esse incentivo ao tal acordo individual. Pode reparar que todas as MPs que saíram e que têm alguma coisa a ver com trabalho durante a crise apontam para a negociação individual. Não é nem só o sindicalismo por empresa. De fato, o que eles defendem é que não tenha nenhuma organização coletiva e que os trabalhadores negociem individualmente seu contrato de trabalho. Isso é o ápice de uma visão liberal em que o sujeito, trabalhador e empresa, são equivalentes num processo de representação. E a gente sabe que isso está longe de ser uma verdade.

Ana Aranha

E aí, a gente volta ao começo da nossa conversa. Que o sindicalismo está em crise, acho que todo mundo reconhece. E não é só no Brasil. O Lawrence Summers, economista que foi secretário do Tesouro dos Estados Unidos no governo Clinton, escreveu uns anos atrás um texto pro jornal Financial Times com um título bem provocativo: “Os Estados Unidos precisam de seus sindicatos mais do que nunca”. Isso tem a ver com a crescente disparidade salarial e o aumento da desigualdade social por lá. E esse fenômeno, segundo o Lawrence Summers, está relacionado à queda da taxa de sindicalização dos americanos. Em 2019, a porcentagem de trabalhadores que eram filiados a algum sindicato foi de 10%. Em 1983, quando esses dados começaram a ser organizados, a taxa era de 20% – simplesmente o dobro. E antes disso, certamente, essa porcentagem era ainda mais elevada.

Carlos Juliano Barros

Aqui no Brasil a taxa de sindicalização também não é das mais altas, principalmente em comparação com países europeus, em que o movimento sindical é muito mais forte do que nos Estados Unidos. O Marcelo Badaró trouxe alguns números. 

Marcelo Badaró 

Se a gente pegar o último ano que tem dados sistematizados pelo IBGE, que é 2018, existiam 92 milhões de trabalhadores e trabalhadoras ocupadas no Brasil. E apenas 11,5 milhões eram filiados a sindicatos. A taxa de filiação a sindicatos era de 12,5% em 2018. É uma taxa de filiação baixa. Se os sindicatos dependem da contribuição dos trabalhadores, essa contribuição é pequena. Especialmente no setor privado. No setor público está em torno de 25%. Mas no setor privado, entre os trabalhadores com carteira, os formais, era ela em 2018 de 16%. E claro que é muito menor nos trabalhadores por conta própria, sem carteira assinada, pouquíssimos vão estar em sindicatos.

Ana Aranha

E aí, pra terminar: o que vai ser do sindicalismo? Eu não tenho bola de cristal, mas eu me preocupo muito com aquele povo de sindicato ponta firme, que rala lá na base, Brasil afora… 

Carlos Juliano Barros

Verdade, Ana. Quanta matéria da Repórter Brasil já não saiu por causa de denúncia encaminhada por sindicato…

Ana Aranha

Sim! o desafio é enorme… Mas o caminho parece ser mesmo o de expandir horizontes, pra além da representação dos trabalhadores formais, o famoso “carteira assinada”, e digerir as mudanças que o mundo do trabalho vem atravessando. Traduzindo: os sindicatos vão ter que se tornar mais abrangentes. O Fausto, do Dieese, arriscou uma previsão. 

Fausto Augusto Junior 

Cada vez mais o movimento sindical, se quiser incorporar esse conjunto de trabalhadores, tanto da sua base, que vai se precarizando, quanto dos trabalhadores informais, ele vai precisar ser um sindicato pela luta por direitos sociais. Esses direitos sociais universais. Porque são os direitos sociais universais que fazem que aquela negociação e aquele direito que vc negociava ali com a sua categoria ele possa atingir, abranger cada vez mais esses informais. Uma parte do movimento sindical brasileiro quer fazer essa transição, mas ela não é uma transição simples. Historicamente, nós temos muita dificuldade de lidar com esse trabalhador informal. 

Carlos Juliano Barros

Acho que é por aí mesmo, Ana. O sindicalismo vai precisar se reinventar. E talvez essa crise seja o ponto de partida. Mas a gente, por hoje, já chegou ao final, né?

Ana Aranha

Sim! Hoje rendeu! Teve autojabá, digressão cultural…

Carlos Juliano Barros

E semana que vem tem mais! 

E aí, o que você achou deste episódio? Tá gostando dos podcasts da Rádio Batente? Então deixe a sua avaliação lá no seu aplicativo de podcasts preferido. A gente vai adorar saber a sua opinião! O Trabalheira é uma produção da Rádio Novelo pra Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil. A coordenação geral é da Paula Scarpin.

O roteiro original é de minha autoria, Carlos Juliano Barros, com a colaboração da Ana Aranha. O tratamento de roteiro é do Vitor Hugo Brandalise.

A edição e a montagem são da Juliana Santana, da Clara Rellstab e da Mari Romano. A música do programa é composta pela Mari Romano e pelo João Jabace, que também faz a finalização e a mixagem do programa. A coordenação digital é da Juliana Jaeger, e a distribuição é da Bia Ribeiro.

Obrigado pelo papo, Ana. Até a próxima!

Ana Aranha

Valeu, Caju! Esse programa é dedicado ao Marcelo Min, nosso parceiro que fez o Jaci com a gente. Até quarta que vem!

FIM


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