Confira a íntegra do roteiro do episódio Trabalheira #12

Trabalheira é um programa da Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil, cujo objetivo é discutir o futuro do trabalho
 07/07/2021

Roteiro referente ao programa Trabalheira #12: Estagiário tem mesmo que passar perrengue?

Caju

Oh… Ana. A gente sempre traz umas confidências, umas histórias pessoais aqui no Trabalheira. E hoje eu vou abrir o programa contando um causo que envolve a minha filha e a minha esposa. E com certeza você vai se identificar com o meu relato porque, afinal de contas, você também tem um filho pequeno e já deve ter passado por uma situação parecida. 

Ana

Pelo visto, a história vai falar dos perrengues da maternidade e da paternidade, né? Perrengues, aliás, que não sou poucos…

Caju

Meu Deus! São muitos!

E a minha história tem a ver com isso mesmo. Uma vez, eu, a minha esposa e a nossa filha fizemos uma consulta com a pediatra, quando a nossa filha ainda era pequenininha. E aí, conversa vai, conversa vem, a gente comentou com a médica sobre a dificuldade que eu tava enfrentando pra fazer a minha filha voltar a dormir, quando ela acordava no meio da madrugada. A minha filha se esgoelava e só voltava a dormir com a mãe. E, claro, a gente falou de como isso estava desgastando demais a minha esposa…

Ana

Nossa! Eu sei exatamente do que você tá falando. Aliás, acho que aqui cabe evocar o tal  “lugar de fala”, né? Só a mulherada que perde madrugadas infinitas de sono tem moral pra falar sobre isso! 

Caju

Verdade! É bem puxado mesmo. Não tem nem o que falar… mas, só pra terminar a história, a pediatra fez um comentário que me deixou meio abalado até, quando a gente relatou esse problema pra ela. Ela contou que tinha visto um meme na internet, em três momentos, mais ou menos assim: primeiro, aparecia uma foto do bebê chorando. Aí, tinha uma imagem do pai entrando desesperado no quarto, pra tentar resolver a situação. E aí, por fim, tinha o bebê pensando: “quem chamou o estagiário?”

Ana

Sensacional, Caju!

Caju

Pois é… Imagina a minha cara! Mas, mudando de pato pra ganso, eu contei essa historinha engraçadinha pra introduzir o tema da nossa conversa de hoje: estágio. Você já fez estágio, Ana? 

Ana

Nossa, e como. Durante a faculdade eu fiz três anos de estágio, em 3 lugares diferentes. No último, na revista Época, eu já me sentia a estagiária sênior… Muito trabalho, mas muito aprendizado. Eu tive a sorte de trabalhar com jornalistas super qualificados e que me ajudavam mesmo, me davam ali o caminho das pedras. Então o estágio foi fundamental pra mim…

Caju

Eu também! Eu fiz um estágio em um projeto de educação e comunicação com uma galera lá da São Remo, um bairro vizinho à USP, onde nós dois estudamos, né,? A gente fazia um jornal comunitário com a molecada. Foi uma experiência bem bacana mesmo!

Ana

Sim, nós fomos privilegiados até no estágio, né, Caju? Infelizmente, nem todo mundo tem experiências legais pra contar. O que rola por aí de caso de assédio e de exploração mesmo, pra falar o português claro… 

Caju

Verdade. E acho que isso rola também porque ainda falta uma clareza e uma consciência do que é – ou, pelo menos, do que deveria ser – o estágio. E, se parece óbvio até que o estágio deveria ser voltado para a formação do estudante, quer dizer, ter um caráter educativo mesmo, na prática o que acontece é que muitas vezes o estagiário é tratado como mão de obra barata. É o famoso “faz-tudo” que precisa topar aquilo que ninguém topa.   

Ana

ixi, eu já vi e ouvi vários casos assim. Inclusive, isso bate totalmente de frente com a lei que regulamenta o estágio e que deixa bem claro o que pode e o que não pode na contratação. Mas eu já tô avançando o sinal aqui, Caju… A gente precisa chamar a vinheta e eu ainda nem dei as boas vindas pra galera! Então seja bem-vinda, seja bem-vindo a mais um episódio do Trabalheira! 

Caju

O Trabalheira é um programa da Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil. Aqui a ideia é falar de trabalho de um jeito criativo e instigante. A gente está nas principais plataformas de áudio. Ah… e não deixe de visitar o nosso site: reporterbrasil.org.br/radiobatente. Lá também dá pra ouvir os programas. E ainda rola de conferir a íntegra do roteiro e as referências que a gente cita ao longo da nossa conversa! 


Vinheta

Rafael Mantarro

Eu fazia publicidade e foi meu primeiro estágio fora da faculdade. Foi a primeira agência que eu trabalhei.

Caju

Esse é o Rafael Mantarro. Ele é designer e mora em São Paulo. 

Rafael Mantarro

Era uma agência muito pequena, tinha cinco, seis funcionários. Era um lance meio familiar. Era o dono, o irmão do dono, o amigo de infância do dono, e aí eles estavam com um estagiário de design pela primeira vez. E era logo eu. Pra minha sorte ou pro meu azar. 

Era uma coisa meio opressora. O cara era muito mal educado, gritava com as pessoas. Vira e mexe, ele era abusivo. Lembro que uma vez ele me perguntou uma coisa sobre o design e eu fiquei insistindo numa opinião e aí ele pegou e falou assim: “Moleque, você sabe que quem paga seu cheque sou eu, né? Quem assina seu cheque sou eu?” Eu fiquei quieto… e falei: “tá bom, você quer vermelho, vai vermelho aí”. 

Eu fiquei nesse estágio quase um ano. E aí um dia ele chega na agência de manhã e fala que estava dispensando a faxineira. Falou: “pessoal… estou dispensando a faxineira, a gente vai fazer um rodízio pra limpar a agência”. E ficou todo mundo com aquela cara… como assim, rodízio pra limpar a agência? E ele falou: “é… acho que vai ser bom pra aumentar nossa responsabilidade com o espaço”. Aquela conversa… E ele falou: “a gente vai fazer uma escala porque vai ter que limpar o banheiro também”. Aí foi um pouco demais pra todos os presentes. Inclusive, o sócio dele foi pego de surpresa e falou: “Ó, Fulano… acho que não. As pessoas estão aqui para fazer outra coisa, e não para limpar o banheiro”. E ele falou: pra dar o exemplo, eu vou começar limpando o banheiro, então. Amanhã, eu vou limpar o banheiro e na próxima semana é outra pessoa.

Aí o cara me aparece no dia seguinte com uma mochilinha nas costas, abre a mochila, bota uma havaianazinha azul, lembro exatamente da havaiana azul dele, e começa a limpar o banheiro. E todo mundo olhando…  “não tô acreditando nisso”. E ele achou que, dando o exemplo, todo mundo ia seguir, né? “Ah… ok, o dono limpou, então, todos vamos limpar”. 

Caju

A gente acabou de ouvir um episódio – no mínimo, curioso – sobre o primeiro estágio do Rafael .

Ana

Cara… que história maluca… O dono da agência, do nada, resolveu impor que os funcionários teriam que limpar o escritório? Aposto que o Rafael, por ser estagiário, seria o primeiro a encarar a faxina.

Caju

Cê foi certeira no palpite, viu? O Rafael foi mesmo o primeiro a ser escolhido pra limpar o banheiro, justamente por ser o estagiário.  

Ana

Mas ele limpou?

Caju

Aí eu vou deixar o próprio Rafael vai responder!

Rafael Mantarro

E aí rolou uma rebelião e ninguém mais limpou o banheiro. Mas ele queria que todo mundo limpasse. Eu estava suando frio, cara, eu era muito novo, não tinha coragem pra me posicionar e nem noção de como me posicionar da maneira correta. Então, foi bom que foi um levante coletivo. E me poupou disso.

E o problema não era grana. Porque a agência, apesar de ser pequena, tinha contratos muito grandes. E ele andava em carros muito caros. Levava uma vida bem vistosa. Não era isso que ia fazer diferença na grana da agência. Era uma situação de poder mesmo, de ele poder mandar as pessoas limparem o banheiro e ele de alguma forma queria ver aquilo acontecendo.

Ana

Caju, sabe que eu fiquei pensando que, se o dono da agência tivesse adotado uma postura diferente, ele até poderia ter apresentado essa proposta de uma forma que fizesse sentido.

Caju

Como assim, Ana?

Ana

É que me parece interessante mobilizar as pessoas pra, de alguma forma, cuidar do espaço onde elas trabalham. Talvez não começar logo com a limpeza do banheiro… mas, enfim, criar algum comprometimento coletivo. Mas, claro, isso só faria sentido se elas fossem ouvidas e, principalmente, se concordassem com a ideia, né?

Caju

Exato. Eu pensei nisso também. Mas, claramente, não era esse o caso. Até porque, como disse o Rafael, o chefe tava longe de ser uma pessoa agradável, inspiradora, capaz de fazer as pessoas entenderem e abraçarem o propósito nobre de uma ideia como essa. Como bem definiu o Rafael, parecia ser uma demonstração de poder que beirava o autoritarismo mesmo.

Ana

E que teria como primeira vítima… o estagiário!

Caju

Sempre! Então, o Rafael acabou ficando só um ano nessa agência. Depois disso, ele disse que teve ótimas experiências de estágio em outros lugares, onde ele aprendeu bastante e foi bem tratado. Mas ele também contou um outro episódio que eu achei bem marcante.

Rafael Mantarro

Era muito comum ficar dez horas na agência. Inclusive, quando eu ainda era estagiário, numa outra agência, no dia da minha colação de grau, que era às 8 da noite na Cidade Universitária, eu não pude ir. Porque estava na agência. Fiquei nesse dia até dez da noite trabalhando. Pra mim foi bem triste perder a colação de grau por causa de um folheto desimportante de uma fábrica de café.

Ana

Então, Caju, esse tipo de situação é um claro exemplo do que desrespeita o espírito da Lei do Estágio. Essa lei que tá em vigor atualmente e que foi publicada em 2008. Ela substituiu uma lei da década de 70. Ou seja, foram quase trinta anos pra se pensar num novo conjunto de regras pra tentar colocar ordem no que pode e no que não pode ser feito num programa de estágio.

Caju

Uma lei importante demais. Até porque ela contempla um número bem expressivo de pessoas, né?

Ana

Sim! Totalmente! Hoje tem cerca de um milhão de estagiários no país todo. Desse total, um quarto (ou seja, 250 mil pessoas) estão no ensino médio e técnico. Já os outros 750 mil estão no ensino superior, quer dizer, na faculdade. Esses dados são da Associação Brasileira de Estágio, a Abres. Mas o número de potenciais estagiários, de pessoas em idade e em condições de fazer estágio, é bem maior: bate na casa dos 17 milhões.

Caju

Caramba… É muita gente mesmo!

Ana

Sim! E, pra entender quais foram as inovações trazidas por essa lei, a gente ouviu a Isabela Fadul, professora do curso de Direito da Universidade Federal da Bahia, que pesquisa sobre esse assunto.

Isabela Fadul

A Lei de Estágio, que é uma lei de 2008, ela entende, ela conceitua juridicamente a relação de estágio como um ato educativo. 

É uma ideia muito clara na legislação de conceber o estágio, veja só, não só como relação de emprego, mas como ato educativo.

As mudanças, as inovações foram inúmeras.

Se você visitar a legislação anterior, a gente não tinha essa limitação com relação a jornada, o tempo de estágio por dia, por semana. E a nova lei de estágio de 2008 vai limitar essa jornada do estágio e vai limitar a duração do vínculo do contrato. Em termos de duração do vínculo, no máximo dois anos, tem exceção no caso de aos estudantes com deficiência, mas em regra a limitação é de no máximo dois anos.

Há uma limitação nessa jornada também em regra a 6 horas diárias e 30 horas semanais. Eu to falando, por exemplo, do estágio do estudante que está vinculado a um curso no ensino superior.

Caju

Só por essa fala da professora Isabela, a gente percebe que a situação do Rafael, que perdeu a colação de grau pra concluir um trabalho até altas horas da noite, chega a ser surreal – além, claro, de ilegal. 

Ana

Pode crer, Caju. Não tem nem o que falar. Agora, uma outra coisa importante sobre a atual legislação é que ela estabelece dois tipos de estágios: o obrigatório e o não obrigatório.

Caju

Ah é? E quem define isso, Ana?

Ana

É o projeto pedagógico do curso. E outro detalhe relevante: por lei, o pagamento só é garantido aos estágios não obrigatórios. Em outras palavras, isso quer dizer que, se o curso que a pessoa faz prevê que ela tenha que fazer um estágio, como parte da sua formação, o estudante ou a estudante não precisa receber uma compensação em dinheiro por isso.

Caju

Nas áreas da saúde ou da educação, por exemplo, isso é muito comum, né?

Ana

Sim. E aí, no caso dos estágios não obrigatórios, que são remunerados, a lei abre algumas brechas, em termos de controle de jornada, ou seja, de registro de horas trabalhadas. 

Isabela Fadul

Então, há uma limitação com relação a jornada de trabalho, mas não há absolutamente nenhuma menção com relação a possíveis horas-extras, se devem ou não ser pagas. Pensando que essa é uma relação que não se confunde com a relação de emprego, o estagiário estaria inserido nessa relação com uma jornada que não deveria ultrapassar essa jornada estabelecida na legislação, mas que por uma necessidade que ele cumpra hora extra, tem uma discussão importante que é se esse estagiário faria jus, teria direito à remuneração dessas horas ampliadas como hora-extra. Se você me perguntar o que acontece na realidade, eu vou te dizer que eu já me deparei com situações em que estagiários cumprem banco de horas, que é um instituto jurídico, inclusive, previsto tão exclusivamente para uma relação de emprego. E muitas vezes você tem dentro de uma empresa um banco de horas em que o estagiário participa.

Caju

Estagiário que também participa de banco de horas é a prova cabal dessa mistura indevida entre relação de emprego e ato educativo, né, Ana? Eu digo isso porque o banco de horas foi criado para compensar horas-extras e permitir que uma pessoa estique a jornada num dia e tire folga em outro. E, se o estágio tem essa função educativa, com um regime de trabalho delimitado, não faz sentido nenhum obrigar o estagiário a trabalhar mais horas, descontando sabe-se lá quando…  

Ana

Principalmente pensando que essas horas extras vão invadir o tempo do estudo dele. Quanto estagiário perde aula pra fazer cerão? E a gente também sabe que muitas vezes o estagiário tá com sangue nos olhos pra mostrar serviço e ser efetivado, né? Aí, se não tiver controle, vai ter empresa que vai se aproveitar mesmo desse trabalho extra – e o que é pior: sem garantir remuneração adequada. 

Isabela Fadul

Há uma limitação, mas não há uma proteção com relação às horas suplementares a uma prorrogação de uma jornada de estágio, por necessidade, digamos, da empresa. E por outro lado há toda uma expectativa do estudante de mostrar serviço, de se destacar, de corresponder à solicitação de um gerente, de um supervisor. Isso está colocado nessa relação. Além disso, há a sub-remuneração, que fica muito claro.

A gente sabe que é o estagiário, muitas vezes, que vai fazer aquele serviço que ninguém quer fazer. É o estagiário que naquele afã de mostrar serviço vai se expor mais a um acidente de trabalho, é o estagiário que vai tentar muitas vezes bater metas – vejam só… muitas vezes o estagiário está lutando, como um outro colega empregado da empresa, para bater meta no final do mês porque tem uma bolsa condicionada às metas que ele vier a bater no exercício das suas funções.

Ana

Essa última fala da Isabela tocou num dos pontos mais delicados desse tema: o uso do estagiário como mão de obra barata. Aliás, verdade seja dita, nas grandes empresas – aquelas que têm departamentos de RH consolidados e uma cultura menos violenta entre superiores e subordinados – a ideia do estágio como ato educativo tende a ser levada mais a sério. Agora, essa exploração do estagiário como burro de carga, por assim dizer, não acontece só no setor privado, não. 

Caju

Bem lembrado. Tem um monte de órgão público que contrata estagiário a rodo.

Ana

Sim! Um exemplo importante vem da Justiça. A gente conversou com o José Rodrigo Rodriguez, professor do curso de direito da Unisinos, no Rio Grande do Sul. Anos atrás, ele escreveu um artigo bem interessante para o Jota – aquele portal especializado em discussões sobre direito. O título do artigo, na verdade, era uma pergunta – na verdade, era uma provocação: “Estágio ou precarização?” Nesse artigo, o José Rodrigo cita um número bastante impressionante: em média, os estagiários e estagiárias já representam algo como um terço da mão de obra dos Tribunais. O professor contou pra gente sobre o que o levou a escrever aquele artigo. 

José Rodrigo

Naquele momento, em São Leopoldo, e no (…) Rio Grande do Sul, teve uma insurreição dos estagiários. Isso aconteceu em 2014. Porque os estagiários do Tribunal de Justiça queriam que fosse pago o período de recesso. No período de recesso, o fórum não abre e era uma praxe que isso fosse pago. E naquele ano o tribunal resolveu não pagar e aí houve uma insurreição dos estagiários e das estagiárias. 

E o que ficou claro pra mim naquele momento é que justamente o TJ, e acho que isso pode ser uma pauta interessante pra outras pessoas, pra quantificar isso, como os estagiários e as estagiárias são utilizados pra substituir, digamos assim, trabalhadores que deveriam ser contratados por tempo indeterminado, de uma maneira mais formal, especialmente em momentos de crise. Comecei a observar, não cheguei a quantificar, que mesmo em momento de crise aparece reportagem que estagiários estão sendo procurados, que há vagas para estagiários. Há vagas de estágio abertas e isso é apresentado muitas vezes pela imprensa como se fosse uma boa notícia. Estão abrindo oportunidades para pessoas mais jovens nesse momento de crise. 

Mas o fato é que muito provavelmente essas vagas são vagas que deveriam estar sendo ocupadas por pessoas contratadas formalmente, e os empregadores porque estão num momento de instabilidade, estão com dificuldade de obter recursos, preferem contratar estagiários e estagiárias que são mais baratos e podem ser demitidos sem as formalidades do contrato de trabalho. E também vão trabalhar por um tempo limitado. Vira uma ilusão. 

Caju

Nossa… eu nunca tinha parado pra pensar nisso, mas faz todo sentido mesmo! Contratar estagiário não é só contratar um trabalhador mais barato, né? Além do lance da grana, tem também a “facilidade jurídica”, por assim dizer – isso porque a duração do contrato é limitada e o estagiário não é um empregado formal, que tem direitos a férias, décimo terceiro, FGTS e tal. O que eu tô querendo dizer é o seguinte: pro empregador que quer economizar e não quer ter “dor de cabeça”, entre aspas, essa muleta do estágio pode cair como uma luva. Mas é evidente que isso é um vetor de precarização do trabalho! 

Ana

E o mais curioso, Caju, é que a lei de 2008 estipula um limite para a contratação de estagiários – justamente para não virar a festa do caqui, né? Pra uma empresa que tem até cinco empregados contratados (contratados direitinho, segundo as regras da CLT), só é permitido um estagiário. Aliás, geralmente, essa é a proporção: um estagiário para cada cinco empregados formais. E para quem tem mais de 25 pessoas na equipe, o limite para contratar estagiários é de 20% do quadro total de funcionários.

Caju

O que torna ainda mais absurda essa história de órgãos públicos com um número tão grande de estagiários, né? E na iniciativa privada também…

Ana

Aí é aquela velha máxima atribuída ao Nélson Rodrigues: no Brasil, o absurdo perdeu a modéstia.

Caju

Faz tempo! Mas e como faz pra coibir esse tipo de situação? Quem é responsável por fiscalizar?

Ana

Eu vou deixar a professora Isabela Fadul responder.

Isabela Fadul

Obviamente que as instituições de fiscalização do Estado das relações de trabalho, também vão incidir nesse tipo de relação no seu poder de fiscalização. Sobretudo, observando se há ou não (falha) um desvirtuamento dessas relações, muitas vezes na verdade o que você tem ali é uma relação típica de emprego. E, diante dessa situação, nós sabemos que há um princípio que a gente preza muito no direito do trabalho, que é o princípio da primazia da realidade, ou seja, se diante de uma relação você consegue perceber aqueles elementos que configuram a relação de emprego, há possibilidade do reconhecimento desse vínculo. Ou seja, que a relação de estágio seja reconhecida juridicamente como um vínculo empregatício.

A própria lei inclusive vai dizer que, no caso do não cumprimento do conteúdo da lei de estágio, há uma punição no sentido que as empresas fiquem impedidas de receber estagiários por dois anos.

Ana

Bom… resumindo aqui a fala da professora Isabela: é possível sim reconhecer o vínculo empregatício se o estudante não estiver desempenhando a função de estagiário. Quer dizer, se ele estiver trabalhando com um empregado de fato, sem receber aquilo a que ele teria direito.

Caju

Exato! Claro que isso, em última instância, depende de uma decisão da Justiça. Mas o ponto é que não dá pra achar que chamar estagiário é festa do caqui, como você disse, Ana. Ou seja, quem contrata estagiário pra fazer trabalho de empregado formal está sujeito a punição, sim. E, como disse a professora Isabela, pode ficar impedido de receber estagiários por dois anos. 

Ana

Estamos terminando em clima de “prestação de serviço”, né? Uma coisa meio “tudo o que você sempre quis saber sobre estágios, mas nunca teve coragem de perguntar”.

Caju

Eu acho esses títulos bem bregas, viu, Ana? Mas tá valendo! 

Ana

E tá longe de ser tudo, porque esse assunto rende…. 

Caju

Mas é o que temos tempo por hoje. Então, bora pros créditos!

Ana

O Trabalheira é uma produção da Rádio Novelo pra Rádio Batente, a central de podcasts da Repórter Brasil. A coordenação geral é da Paula Scarpin.

O roteiro original é do Carlos Juliano Barros, o Caju. O tratamento de roteiro é do Renan Sukevicius.E a edição e a montagem são da Julia Matos. 

A nossa música tema é composta pela Mari Romano e também pelo João Jabace. O Jabace é da Pipoca Sound e também faz a finalização e a mixagem do programa.

A coordenação digital é da Juliana Jaeger.

Caju

Até a próxima semana, Ana!

Ana

Valeu, Caju! Até!



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