Pré-candidato ao governo do Pará diz que Ibama deveria ‘educar’ garimpeiros

Em reunião com órgãos públicos no Pará, ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB), ligado à agenda pró-garimpo, também defendeu que o ICMBio se afastasse do processo de licenciamento ambiental
Por Marina Rossi
 28/03/2022

O pré-candidato ao governo do Pará e consultor da Associação Nacional do Ouro (Anoro), Flexa Ribeiro (PSDB), afirmou na semana passada que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) deveria “educar” os garimpeiros em vez de “reprimir” aqueles que praticam a atividade de forma ilegal. 

“O Ibama, apesar de ter uma verba pomposa, não aplica nada na orientação e educação”, disse. “Só para fazer as ações repressoras. E o que estamos trazendo aqui é uma oportunidade para que os órgãos ambientais do nosso país também adotem uma política educativa. Ao invés de chegar lá só para reprimir, vamos educar os garimpeiros”.  

Ex-senador Flexa Ribeiro
Ex-senador Flexa Ribeiro participou da pressão para acelerar o PL 191, que regulamenta o garimpo tem terras indígenas (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

A proposta de Flexa Ribeiro, que é ex-senador, foi lançada durante reunião ocorrida na terça-feira (22), em Santarém (PA), com representantes do garimpo, do Ministério Público Federal e Estadual do Pará, Polícia Federal, Agência Nacional de Mineração (ANM), Ibama e ICMBio. Flexa Ribeiro é um dos principais articuladores do lobby para acelerar o PL 191/2020, que regulamenta o garimpo em terras indígenas, e cujo caráter de urgência foi aprovado na Câmara dos Deputados em 9 de março. 

Após a fala de Ribeiro, o promotor de Justiça do Ministério Público do Pará, Tulio Novaes, pediu a palavra para defender o instituto. “Há uma necessidade de, em primeiro lugar, valorizar as nossas instituições. Não fosse o Ibama, acho que a situação já estaria muito pior do que já está”, afirmou, enquanto Flexa falava ao telefone. “O Ibama não está aí só para punir, está para fiscalizar, e o faz muito bem”.

A Repórter Brasil teve acesso ao vídeo da reunião. Ali, o ex-senador também reclamou das leis de proteção ao meio ambiente. “A legislação ambiental no Brasil é uma legislação muito…. muito… como a gente costuma dizer, muito forte”, disse. 

Munido de uma apresentação de Power Point, Ribeiro levou aos presentes – cerca de 20 pessoas – o chamado “Garimpo 4.0”, um projeto lançado em 2021 pela Anoro para levar orientação sobre boas práticas na atividade garimpeira.

No entanto, investigações recentes da Repórter Brasil sobre a cadeia do ouro ilegal mostram que muitas das empresas investigadas pela PF são associadas à Anoro ou ligadas a Dirceu Frederico Sobrinho, como a FD’Gold e a BP Trading. Dirceu é o atual presidente da associação e foi candidato a 1º suplente de Flexa Ribeiro para o Senado em 2018 – Ribeiro, no entanto, não foi eleito.

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Durante o encontro, Ribeiro também propôs um “marco temporal” para a mineração, estabelecendo “o que é o garimpo daqui para a frente e o que é o garimpo daqui para trás”, mas sem explicar exatamente do que se trataria a proposta. Crítico aos órgãos de fiscalização ambiental, ele defendeu que o ICMBio se distancie do licenciamento ambiental. “O ICMBio tem que ser comunicado da licença [ambiental], não tem que ser ouvido se a licença está correta ou não”.

Atualmente, o ICMBio é parte importante dentro de um processo de licenciamento ambiental. O órgão é responsável por analisar e avaliar tecnicamente os impactos que as atividades ou empreendimentos em procedimento de licenciamento ambiental podem causar às unidades de conservação federais. 

O garimpo em territórios indígenas, que atualmente é proibido no Brasil, vêm destruindo as terras e a saúde dos povos originários, como acontece com os Yanomami (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

A Repórter Brasil procurou o Ibama, por meio de sua assessoria de imprensa, para saber se o órgão gostaria de comentar a fala feita pelo ex-senador, mas o órgão não se pronunciou. 

A Lei 7.735 de 1989, que criou o Ibama, determina que suas funções são várias, mas principalmente a de exercer o poder de polícia ambiental. 

A Repórter Brasil também procurou Flexa Ribeiro, por meio da assessoria de imprensa da Anoro, que confirmou o recebimento da demanda, mas afirmou que não recebeu resposta da associação até o fechamento desta reportagem. 

Menos áreas protegidas, mais garimpo

No currículo de Ribeiro, além da pressão pelo PL 191, há outras passagens envolvendo a pauta ambiental. Em 2017, quando ainda era senador, ele comandou a comissão mista do Senado que analisou a medida provisória propondo a redução da área protegida  da Flona Jamanxim, no Sudoeste do Pará. A área é vizinha de terras indígenas cobiçadas pelo garimpo. A discussão no Senado gerou reação da sociedade civil, com uma carta assinada por  dezenas de organizações contrárias à redução, além do apoio de celebridades, como Gisele Bündchen

Ribeiro também foi o relator da medida provisória que alterou o Código da Mineração, dando poder aos garimpeiros. Embora tenha participado da fundação do PSDB, a expectativa é que ele deixe a sigla e se filie ao Podemos, do ex-juiz Sérgio Moro, para concorrer ao governo do Pará neste ano. 

O evento em que as declarações se deram foi convocado pelo MPF e MPPA para debater soluções para a poluição do rio Tapajós pelas atividades garimpeiras que ocorrem, sobretudo em Jacareacanga e Itaituba, mas atingem toda a região de Santarém, no Pará. Um exemplo disso ocorreu no início do ano, quando as águas de Alter do Chão, na foz da bacia, ficaram visivelmente poluídas por sedimentos vindos dos garimpos, a maioria ilegais, nas áreas do alto e do médio curso do rio Tapajós.

NOTA DA REDAÇÃO: O texto foi alterado no dia 29/03 às 11h42 para inserir o cargo do promotor Tulio Novaes


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