Klabin atrai investidores com papel e celulose ‘verdes’, mas dissimula atividade de mineração milionária

Empresa não declara, mas tem interesses minerários registrados em 194 áreas localizadas em 3 estados brasileiros e, na última década, extraiu o equivalente a quase R$ 83 milhões em minerais. Pesquisa está sendo feita em áreas de preservação sem o conhecimento de órgãos ambientais.
Maiara Marinho e Naira Hofmeister
 04/04/2023

Com o slogan “Invista na Klabin e construa um futuro sustentável” e uma extensa lista de premiações por seu compromisso com a preservação do meio ambiente, a produtora de papel e celulose brasileira Klabin S/A tem atraído atenções e recursos no mercado financeiro – no final de 2022, a empresa detinha pelo menos 680 milhões de dólares em ações e títulos vendidos a dez dos seus maiores financiadores globais e viu o número de pessoas físicas que compram seus papéis na bolsa brasileira saltar de 10 mil para 252 mil.

O que seus investidores provavelmente ignoram é que a Klabin é também uma empresa de mineração, que tem interesses minerários registrados em 194 áreas em três estados brasileiros e, na última década, extraiu do solo substâncias com valor de mercado equivalente a R$ 82,8 milhões – sem contar a correção da inflação. E que parte das jazidas exploradas ou requeridas pela papeleira coloca em risco áreas de preservação ambiental, mananciais hídricos e territórios de povos tradicionais brasileiros.

Klabin quer minerar dentro da maior extensão de Mata Atlântica preservada no Brasil, o Vale do Ribeira (Foto: Manoela Meyer/ISA)

Pelas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segmentos que aportem menos de 10% das receitas de uma empresa listada na bolsa de valores não precisam ser declarados publicamente. Por isso, nem os balanços financeiros, nem os relatórios de sustentabilidade ou os prospectos de títulos que a Klabin coloca no mercado mencionam a mineração entre suas atividades – esses são os principais canais de informação para investidores.

“A licença para essa atividade não está relacionada ao seu negócio e, portanto, não tem qualquer vínculo com a receita financeira da Klabin”, argumenta a empresa. Por isso, não haveria “indicação de divulgação” da atividade nos relatórios financeiros. Apesar disso, é a própria companhia que diz que usa cascalho, saibro e brita extraídos de jazidas minerais na pavimentação e manutenção de estradas para melhorar o tráfego de caminhões em suas áreas operacionais. A íntegra dos esclarecimentos pode ser lida aqui. A Klabin também observa que a mineração está listada no Estatuto Social da empresa como uma de suas atividades.

Ainda assim, observadores do mercado financeiro criticam o que consideram falta de transparência. “Quando o investidor vai comprar um título emitido pela Klabin, ele está comprando de quem? Da área de celulose ou da área de mineração? Como é que a pessoa vai avaliar se a empresa tem ou não políticas sustentáveis se uma parte das suas atividades não está explicitada?”, pondera Luiz Macahyba, especialista em regulação financeira e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Áreas requeridas pela papeleira podem colocar em risco ecossistemas e comunidades tradicionais no Brasil (Foto: Maurício de Carvalho Nogueira / ISA)

Segundo o Observatório da Mineração, o setor é um dos maiores emissores de CO2 do país. Mas o inventário de gases de efeito estufa da Klabin tampouco aponta qual o tamanho da contribuição de emissões feita por seu braço minerador. “As emissões da Klabin são calculadas dentro das categorias definidas pela metodologia GHG Protocol, não sendo trabalhada a separação por tipologia de processos”, explica a empresa, acrescentando que há auditoria de terceira parte, “o que garante a veracidade e credibilidade das informações”.

“Sob a perspectiva das mudanças climáticas, dos direitos dos povos tradicionais e da transparência, divulgar informações de todos os segmentos operacionais de uma empresa é muito melhor do que não informar”, pondera Moira Birss, Diretora de Clima e Finanças da Amazon Watch, uma organização internacional de proteção da floresta amazônica e de seus povos.

Pesquisa sem licenciamento

Os requerimentos ativos de mineração registrados pela Klabin estão concentrados no Paraná (136) e em Santa Catarina (57), segundo os dados públicos disponíveis na Agência Nacional de Mineração (ANM). 

No Paraná, pelo menos duas regiões de interesse minerário da Klabin estão sobrepostas a uma importante área de preservação, embora o órgão ambiental regional, chamado Instituto Água e Terra (IAT) não tenha conhecimento.

A APA Serra da Esperança, no município de Guarapuava, protege o entorno do Parque Estadual Salto São Francisco da Esperança, no centro-sul do estado. Foi criada para assegurar a integridade dos mananciais de abastecimento público de água e abriga espécies florestais raras ou em risco de extinção, como a araucária, árvore símbolo do Paraná.

APA onde Klabin prospecta minerais protege parque onde fica a queda mais alta do sul do Brasil, parte do sistema hídrico que abastece a região (Foto: Paraná Turismo/Divulgação)

É ali que a Klabin busca minérios de construção civil, conforme registrado em dois pedidos diferentes – para um deles, já obteve autorização de pesquisa e efetivamente iniciou as atividades, sem, entretanto, obter licenciamento do IAT: “É impossível que tenhamos feito liberação para a atividade, pois não há análise de nenhum estudo de impacto ambiental pelo estado”, informou o órgão, através da assessoria de imprensa. A íntegra dos esclarecimentos pode ser lida aqui.

Requerimentos minerários da Klabin sobrepostos à APA Serra da Esperança, que protege o Parque Estadual Salto São Francisco da Esperança, no Paraná (Mapa: Rodolfo Almeida/Repórter Brasil)

A pesquisa é uma etapa prévia à extração, mas inclui perfuração de poços e sondagem. Fundador do Observatório da Mineração – site especializado no monitoramento da atividade no Brasil – Maurício Angelo alerta que, embora usualmente a pesquisa não seja uma atividade com grandes consequências, quando feita em região ambiental sensível, o impacto pode ser “relevante justamente pela área de influência”.

Segundo a chefe das duas unidades de conservação, Alline Hlatki, o Plano de Manejo da APA não permite mineração dentro da área. “Qualquer atividade de mineração, por mínima que seja, irá sim impactar o meio ambiente”, justifica.

Mata Atlântica em risco

Em 2022, a empresa expandiu seus interesses minerários para o estado de São Paulo de forma inédita, e obteve autorização para pesquisa mineral dentro do Vale do Ribeira, região que se estende até o norte do Paraná e concentra a maior área de Mata Atlântica contínua preservada no Brasil.

A pesquisa foi autorizada em uma área de 1.586 hectares, que recaem, em sua maioria, sobre a parcela paulista do território verde, onde também há um importante manancial hídrico e inúmeras Áreas de Preservação Permanente (APP) que protegem rios e nascentes de cursos d’água, além de parcelas de terreno privadas registradas como Reserva Legal de propriedades rurais, que, pelo Código Florestal Brasileiro, não podem ser tocadas.

Vale do Ribeira abriga muitos cursos d’água, alguns deles dentro da área requerida para mineração pela Klabin (Foto: Claudio Tavares/ISA)

A Klabin não informa em que pontos do perímetro autorizado está realizando a pesquisa, mas diz que “não possui jazidas ocupando qualquer área de preservação permanente”. Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), só é necessária autorização específica para pesquisa mineral na região se houver “supressão de vegetação ou intervenção em áreas de preservação permanente”. Até o fechamento desta reportagem, a Klabin não havia registrado nenhum pedido nesse sentido. Leia a íntegra aqui.

Área onde Klabin busca minerais possui diversidade de recursos hídricos e ambientais onde atividade é vedada por lei (Mapa: Rodolfo Almeida/Repórter Brasil)

A empresa diz reconhecer o valor ambiental do Vale do Ribeira, mas salienta que a região “não é composta de Mata Atlântica em todo o seu território” e que possui “áreas de mineração garantidas pela força dos licenciamentos, de acordo com o que prevê a legislação”.

Uma contradição que não passa despercebida para ambientalistas. “É muito ruim uma empresa que se diz ecológica, mas está aí tentando viabilizar projetos de mineração em espaços protegidos”, condena o pesquisador do ISA (Instituto Socioambiental), Antonio Oviedo.

Vale quilombola

A maior parte da área onde a Klabin pesquisa minérios no Vale do Ribeira está na porção paulista do território que abriga a Mata Atlântica, mas é o fragmento do lado do Paraná que preocupa os moradores do Quilombo do Varzeão, vizinho do empreendimento e também de uma base florestal da Klabin, no município paranaense de Doutor Ulysses. A comunidade reúne 35 famílias de descendentes de escravizados que reivindicam a regularização do território desde 1999, segundo a Comissão Pró-Índio de São Paulo e o Mapa de Conflitos da Fiocruz. 

Quilombo do Varzeão está localizado em Doutor Ulysses, no Paraná, e é vizinho de empreendimentos da Klabin (Mapa: Rodolfo Almeida/Repórter Brasil)

Morador do quilombo, Claudinei Rodrigues testemunhou a transformação da área, em anos recentes, provocada pela circulação de caminhões da papeleira. “Para passar os ‘bitrem’ [tipo de caminhão que tem dois eixos de carga acoplados à carroceria] eles precisam abrir, reformar, fazer ponte, reestruturar a estrada. Daí uma estrada que tinha 6 metros de largura, eles transformam em 20 metros”, revela. A empresa confirma apenas a ampliação de 5 quilômetros de uma via de acesso local, feita em 2019, em parceria com a prefeitura, além da realização de obras de manutenção em estradas da região.

A comunidade também se sente lesada porque a Klabin utilizou em seus trabalhos o cascalho extraído de uma pedreira inserida dentro da área reivindicada pelo quilombo. “Essa cascalheira passa no caminho da minha casa, é nossa”, observa Rodrigues, que gostaria de ter usado o material para melhorar o acesso da própria comunidade “porque tá difícil de ir pra lá”.

Moradores da comunidade gostariam de ter aproveitado o cascalho da comunidade para pavimentar as ruas internas (Foto: Claudinei Rodrigues)

A Repórter Brasil consultou as bases de dados da ANM e não localizou nenhum título minerário para cascalho com autorização de extração na área reivindicada pelos quilombolas. Mas a Klabin diz que, na época (2019), o órgão responsável pela concessão da autorização de extração de cascalho para esta modalidade era o IAT, e que a cascalheira estava regularizada. Por outro lado, encontramos 12 requerimentos minerários de outras empresas sobrepostos ao território.

Investidores silenciam

Em seus esclarecimentos, a Klabin diz que a mineração “é uma atividade comum a outras indústrias do setor florestal para o revestimento de estradas não pavimentadas” (íntegra aqui), porém, enquanto a empresa possui 194 requerimentos ativos registrados na ANM, Suzano e Fibria (que se fundiram em 2019), tem, cada uma, apenas um pedido de mineração protocolado.

A Klabin também é uma das maiores arrecadadoras nacionais do imposto sobre mineração, chamado CFEM, (sigla para Compensação Financeira para Exploração Mineral) para cascalho – superando várias empresas que têm a mineração como atividade principal.

Em 2022, a empresa declarou ao governo ter extraído pouco mais de R$  9,9 milhões em minérios – acima da média de extração obtida entre 2012 e 2022, que foi de R$ 8,1 milhões. Nesses dez anos, o pico de extração ocorreu em 2019, quando a operação alcançou quase R$17 milhões em cascalho, diabásio, saibro e outras substâncias semelhantes. Conforme a ANM, esses valores servem de base para o cálculo da CFEM devida – e podem ter “como fato gerador a venda ou o consumo do bem mineral”, ou seja, não necessariamente é um valor obtido com a comercialização do material. Veja os esclarecimentos da ANM aqui.

De acordo com levantamento da plataforma Florestas & Finanças, os maiores investidores da Klabin S/A são o Bank of New York Mellon, que detinha investimentos da ordem de US$ 220 milhões na papeleira, em 2022, a gestora de investimentos BlackRock (US$ 170 milhões) e diversos fundos de pensão de funcionários públicos e trabalhadores de países como Noruega (Government Pension Fund Global), Holanda (Pensioenfonds Zorg en Welzijn e Algemeen Burgerlijk Pensioenfonds), Japão (Government Pension Investment Fund e Japan Mutual Aid Association Of Public School Teachers) e outros. 

A reportagem entrou em contato com as empresas que detêm investimentos na Klabin e perguntou se tinham conhecimento das atividades de mineração da companhia. A BlackRock diz que não comenta sobre empresas de maneira individual “devido ao seu papel fiduciário”. Esta é a maior gestora de ativos do planeta e detém 4,23% das ações da companhia no Brasil, sendo listada pela CVM como uma das suas principais acionistas.

O Government Pension Investment Fund do Japão diz que “90% dos investimentos em ações da GPIF adotam o método de investimento passivo”, ou seja, que eles delegam a gestoras de ativos a escolha das empresas onde vão colocar seu dinheiro. Mas acrescentou que cobra compromissos Ambientais, Sociais e de Governança (ASG) nessas operações.

A íntegra dos esclarecimentos está aqui. Os demais fundos não enviaram comentários, mas o espaço permanece aberto.

Atualização: Esta reportagem foi atualizada em 05/04/2023, às 09:50, a pedido da Klabin, para incluir o nome da metodologia de medição de suas emissões de GEE e para complementar sua explicação sobre as razões pelas quais não declara a atividade mineradora a seus investidores. As duas informações já constavam na íntegra do posicionamento da empresa, que pode ser consultado neste link.


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