Europa despeja no Brasil mais de 6.000 toneladas de agrotóxicos que matam abelhas em apenas um ano

Brasil é o principal destino de agrotóxicos produzidos na Europa, mas banidos no continente, por serem letais para abelhas. Ibama reavalia a autorização para uso de algumas dessas substâncias desde 2014
Por Hélen Freitas
 30/06/2023

Cerca de 6.300 toneladas de agrotóxicos que comprovadamente matam abelhas foram enviados pela Europa ao Brasil somente em 2021. Os dados foram obtidos pela organização suíça Public Eye e pela agência de jornalismo Unearthed.

Apesar de serem produzidos na Europa, produtos à base de neonicotinóides têm seu uso proibido na União Europeia desde 2018, justamente pelos impactos às abelhas, essenciais à reprodução de diversas espécies de plantas.

A partir de informações da Agência Europeia dos Produtos Químicos (Echa), a investigação mapeou os destinos de agrotóxicos compostos por tiametoxam, clotianidina e imidacloprido, letais para os insetos.

Em 2021, as fabricantes europeias exportaram 13,2 mil toneladas dessas substâncias para 78 países. O Brasil foi o principal destino, com 6.272 toneladas (ou 47% do total).

Quase todas as compras brasileiras se referem a compostos de tiametoxam, fabricado pela multinacional de origem suíça Syngenta, com 6.269 toneladas. O restante dos agrotóxicos eram da marca alemã Bayer.

Como os agrotóxicos matam as abelhas

Alguns agrotóxicos atingem o sistema nervoso central das abelhas, fazendo com que fiquem desorientadas. Trazem ainda sequelas ao seu sistema de aprendizagem, digestão e imunológico, em muitos casos levando à morte.

“Os neonicotinoides [como o tiametoxam] e o fipronil são os inseticidas mais utilizados na agricultura do Brasil e são muito prejudiciais às abelhas. Não importa a dose”, explica Genna Sousa, pesquisadora e especialista em abelhas sem ferrão.

Segundo ela, aquelas que não morrem pelo caminho acabam infectando outras na colônia, o que pode levar à morte de todo o enxame.

Mais de 6.000 toneladas de agrotóxicos que matam abelhas desembarcaram no Brasil em 2021 (Foto: Pixabay)

Estudo recente da Unesp de Rio Claro, da UFSCar e da Unicamp revela que três tipos de abelhas nativas do Brasil, entre elas a jataí, são ainda mais sensíveis ao tiametoxam do que a espécie com ferrão, muito comum na Europa e adotada como modelo para os testes internacionais.

O Ibama está reavaliando a autorização do uso do tiametoxam e da clotianidina no país desde 2014. Em agosto do ano passado, a 9ª Vara Federal de Porto Alegre estabeleceu um prazo de seis meses para a conclusão do processo. Porém, o Ibama não respeitou o prazo e ainda não há previsão para o encerramento do processo.

Já o terceiro agrotóxico proibido na Europa e vendido para o Brasil, o imidacloprido, teve sua reavaliação concluída em março de 2021 e não foi proibido pelo Ibama. Na ocasião, o órgão federal ambiental emitiu um comunicado com medidas para diminuir os riscos aos insetos polinizadores.

Osmar Malaspina, professor do Instituto de Biociência da Unesp de Rio Claro, discorda da decisão do Ibama. “Com as bases científicas que existem, seria um agrotóxico que deveria ser retirado do mercado”, explica Malaspina. “Contudo, por ser um produto eficiente para o controle de ‘n’ pragas e não ter uma correlação com a saúde humana, mesmo sendo tóxico, é mais difícil tirá-lo”, complementa o professor.

Galinha dos ovos de ouro

O primeiro neonicotinóide introduzido no mercado mundial foi o imidacloprido. Lançado em 1996 pela Bayer, ele foi seguido rapidamente pelo tiametoxam, da Syngenta.

Embora fabricantes de genéricos também produzam neonicotinóides, as multinacionais suíça e alemã seguem há anos como líderes de mercado.

“Se ele tem uma venda boa, a empresa não tem interesse em tirar o produto do mercado. Ela pode até ter um substituto que seja um pouco menos tóxico, mas se a venda é muito alta, ela não vai matar um produto que é a galinha dos ovos de ouro”, afirma Osmar Malaspina.

Usar agrotóxicos que matam abelhas é um dos fenômenos do termo que foi cunhado por pesquisadores como agro-suicídio (Foto: Pixabay)

De acordo com os dados coletados pela Public Eye e pela Unearthed, das 17 empresas europeias que mais exportaram, a Syngenta foi a que mais carregou navios com destino ao Brasil.

Cerca de 10,4 mil toneladas (79% do total) de agrotóxicos da companhia deixaram portos da Bélgica, Espanha, França, Alemanha, Áustria, Grécia e Hungria. A investigação aponta que a fatia de mercado da empresa pode ser ainda maior, já que o segundo maior exportador em 2021 foi um operador de depósito de mercadorias perigosas em um porto holandês, que armazenava cargas da Syngenta.

O produto mais vendido pela Syngenta no país, o Engeo Pleno S, costuma ser utilizado nas lavouras de soja e é feito à base da mistura do neonicotinóide tiametoxam e do inseticida lambda-cialotrina, ambos altamente tóxicos para as abelhas.

De acordo com a Agência Europeia dos Produtos Químicos, o tiametoxam também é suspeito de causar problemas para o sistema reprodutivo e para o desenvolvimento de fetos humanos.

O declínio das populações de abelhas representa uma ameaça global à segurança alimentar e nutricional (Foto: Pixabay)

Em fevereiro deste ano, o parlamento europeu aprovou uma lei que, a partir de março de 2026, irá praticamente banir a importação de alimentos e rações animais com tiametoxam e clotianidina – o que pode afetar diretamente os produtores brasileiros.

“A preservação da população de polinizadores apenas dentro da União Europeia seria insuficiente para reverter o declínio mundial das populações de polinizadores e os seus efeitos na biodiversidade, na produção agrícola e na segurança alimentar também dentro da União”, considerou a comissão no texto aprovado.

Procurada, a Syngenta disse que seus produtos “estão entre os mais regulamentados do mundo”, “são seguros quando utilizados de acordo com as especificações descritas em bulas e receituários agronômicos” e “desempenham um papel essencial na produção de alimentos de qualidade, seguros e sustentáveis”.

Já a Bayer afirmou que seus produtos são seguros e que não comentaria sobre a clotianidina, por estar “fora de seu portfólio no Brasil” (confira a íntegra das respostas).

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