No início de julho, a produtora de frutas Finoagro foi multada pelo Ministério do Trabalho e Emprego pelo terceiro ano consecutivo por desrespeitar as normas do trabalho vigentes no Brasil. Essa é uma das principais exportadoras de manga e uva do país, parte do conglomerado empresarial Vicunha, da família de bilionários Steinbruch.
A empresa impunha a seus trabalhadores jornadas superiores a 10 horas diárias, sem direito a repouso adequado nem descanso semanal remunerado. Também não oferecia os equipamentos de segurança adequados para a colheita das mangas, entre outras irregularidades. Em anos anteriores, foi autuada por armazenar e descartar agrotóxicos de forma irregular.
Em nota, a empresa informou que observa “todas as normas trabalhistas, remunerando as horas extraordinárias, quando necessárias” e que está “colaborando e prestando todas as informações exigidas pelo Ministério do Trabalho”. A íntegra pode ser lida aqui.
O histórico de multas da Finoagro coloca em questão o papel das certificadoras na garantia e respeito aos direitos humanos e trabalhistas. Em seu site, a empresa exibe sete certificações agrícolas, entre elas a da Rainforest Alliance, umas das mais importantes do mundo, e o selo Grasp, da GlobalG.A.P, voltado especialmente para saúde, segurança e bem estar dos trabalhadores.
A Finoagro usa as certificações como elementos abonadores de sua conduta. Na nota enviada à Repórter Brasil, por exemplo, diz que adquiriu ilibada reputação “ratificada, inclusive, pelos mais importantes selos e certificações nacionais e internacionais, seguindo rígidas normas de segurança, gestão, auditoria e compliance”.
Porém, entre os itens que são avaliados tanto pela Rainforest Alliance como pela GlobalG.A.P estão alguns dos que apresentaram problemas nas fiscalizações do MTE na Finoagro nos últimos anos, como fornecimento de EPIs, garantia de folga semanal, cumprimento dos limites de horas de trabalho e intervalo
Também são esses selos que garantem o acesso a mercados importantes para comercialização de seus produtos – caso do Walmart, cadeia de supermercados nascida nos Estados Unidos mas hoje presente em várias partes do mundo, cuja certificação aparece no site da Finoagro. O selo assegura que as instalações “cumpram os padrões de segurança Walmart para mercadorias produzidas e enviadas, independente do país de destino”.
A Tesco, a maior cadeia de supermercados do Reino Unido – também presente em outros países do continente europeu – é outra compradora dos produtos da Finoagro.
As certificadoras dizem que suas avaliações são rigorosas e que incluem a realização de entrevistas com os trabalhadores. Em nota enviada à Repórter Brasil, a Rainforest Alliance confirmou que vai abrir uma investigação sobre o caso, cujo resultado “poderá levar à anulação do certificado, dependendo da gravidade das evidências encontradas”. “As irregularidades trabalhistas identificadas são graves e contrárias aos princípios da certificação”, apontou a organização.
A GlobalG.A.P também informou que, em casos de denúncias graves, abre uma investigação que pode gerar o cancelamento do selo. “Este tipo de reclamação é uma ferramenta importante para verificar a conformidade com os critérios por parte de um produtor certificado”, acrescenta a certificadora. A íntegra das manifestações pode ser lida aqui.
Nenhuma das duas organizações, porém, comentou diretamente sobre as irregularidades trabalhistas apontadas pelo MTE nos anos de 2021 e 2022.
Walmart e Tesco se solidarizaram com os trabalhadores. “Todas as pessoas devem ser tratadas com dignidade”, expressou a rede norte-americana, que se comprometeu a investigar o caso.
“Levamos extremamente a sério questões relacionadas aos direitos dos trabalhadores e reconhecemos nossa responsabilidade para com todos em nossa cadeia de suprimentos”, garantiu a Tesco, observando que vai investigar “imediatamente” o caso. A rede disse que a fazenda não é seu fornecedor regular e que, este ano, não foram adquiridos produtos da Finoagro. A Repórter Brasil apurou ainda que a empresa não pretende voltar a comprar da fazenda onde o caso ocorreu. Leia a íntegra das manifestações aqui.
Frutas chegam aos EUA, Rússia e Europa
A Finoagro lista em seu site 15 nações como “os principais países” que recebem sua produção de uvas e mangas. Entre eles, além de Estados Unidos e Reino Unido, estão vários europeus como Alemanha, França e Holanda, o Canadá, a Rússia e alguns vizinhos da América Latina.
É justamente na área de preparo para exportação – o setor de packing da Ubarana, onde as mangas são lavadas, classificadas e embaladas para serem destinadas à exportação – que mulheres relatam problemas de saúde relacionados ao trabalho. As botas fornecidas pela empresa e itens obrigatórios na área são reutilizadas entre uma safra e outra. “Eles lavam as botas e ensacam para outra pessoa utilizar novamente na safra seguinte. Agora em fevereiro, eu peguei um fungo no meu pé. Quase tive que cortar toda a minha unha”, explica uma das funcionárias deste setor, ouvida sob condição de anonimato.
Os problemas com os equipamentos continuam no campo, relataram trabalhadores à Repórter Brasil. Nos pomares, o calçado usualmente é uma bota de couro. Porém, com as chuvas e o desgaste pelo tempo de uso, as botas se rasgam, causando frieira nos pés dos trabalhadores.
Denúncias de irregularidades trabalhistas no setor das frutas brasileiras não são novidades. Em 2019, a Oxfam Brasil publicou o estudo “Frutas Doces, Vidas Amargas”, que relatou uma série de violações, entre elas casos de assédio moral, impedimento ou controle de ida ao banheiro durante o trabalho no packing e exposição de trabalhadores no campo a agrotóxicos. Segundo a organização, os trabalhadores rurais da fruticultura no Rio Grande do Norte ganhavam, em média, 40% abaixo do que seria considerado um salário digno.
Para Gustavo Ferroni, coordenador da área de Justiça Rural e Desenvolvimento da Oxfam Brasil, é preciso ampliar o diálogo entre companhias, certificadoras e entidades sindicais e representações de trabalhadores. “A governança privada das cadeias de produtos agrícolas é excludente: grandes empresas conversam com seus fornecedores; certificações e auditorias falam com produtores e clientes e discutem temas como qualidade de vida, salário justo. Quem está faltando nessas discussões? Os trabalhadores e seus representantes”, avalia.