Uma das maiores exportadoras de manga do Brasil, a Finoagro foi multada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por submeter trabalhadores rurais a jornadas de trabalho mais longas do que o permitido pela lei, sem direito a folgas e pausas para descanso e ainda por não oferecer equipamentos de proteção e ferramentas necessárias ao trabalho.
O caso ocorreu na fazenda Ubarana, em Ipanguaçu, no Rio Grande do Norte, uma das maiores da empresa. Além de frutas com marca própria, a empresa embala seus produtos com as marcas Seleta, Mangola, Fino Fruits, Frutivita e Sun Valley, encontradas em supermercados. No exterior, é fornecedora das redes de varejo Walmart e Tesco, a maior cadeia de supermercados do Reino Unido. A Finoagro possui certificações de boas práticas emitidas por algumas das mais conhecidas consultorias internacionais.
Segundo constatado pela fiscalização, as jornadas de trabalho na Ubarana se estendiam por mais de 10 horas diárias, sem que fosse respeitada a pausa de uma hora para descanso e nem o intervalo de 11 horas entre um dia de trabalho e outro. Além disso, os empregados não tinham direito ao descanso semanal remunerado e precisavam, também, trabalhar aos domingos.
Mesmo com jornadas longas, não era possível levar lanches para o pomar. “Não querem que a gente leve bolsa para o campo para não trazer manga para casa”, explica um empregado da propriedade – seu nome foi suprimido para proteger sua identidade.
A colheita era feita sem os equipamentos de segurança e as ferramentas necessárias, conforme o auditor Clóvis Emídio, coordenador do Grupo de Fiscalização Rural do Ministério do Trabalho e Emprego, que participou da fiscalização. “Era o período da chuva e eles estavam trabalhando em uma área encharcada, sem todos os equipamentos de proteção individual, e as escadas para alcançar o topo das mangueiras estavam inservíveis”, ilustra.
Sem os petrechos que garantem a segurança do trabalho, os trabalhadores estavam sujeitos a riscos de quedas, acidentes e doenças. “Um colega meu teve que pular no canal para não morrer picado de abelhas. Tem muita abelha onde a gente tá roçando”, conta outro trabalhador da Ubarana.
A empresa não fornecia sequer chapéus e protetor solar. “Isso é muito grave porque estamos em uma região onde predomina a temperatura de 40 graus”, assinala Emídio.
A Finoagro é parte do conglomerado empresarial Vicunha, da família Steinbruch, uma das integrantes da seleta lista de bilionários do Brasil, publicada pela Forbes.
Em nota enviada à Repórter Brasil, a empresa diz ter “compromisso de gerir seus negócios com foco no mais elevado nível de respeito aos seus colaboradores, repudiando veementemente qualquer condição degradante de trabalho”. A respeito das atuações do MTE, se limitou a informar que “não comenta processos administrativos ou judiciais”. A íntegra da manifestação pode ser lida aqui.
Infrações da Finoagro
Banheiro no mato e perseguições
As fiscalizações na fazenda Ubarana tiveram início em março deste ano e foram finalizadas na primeira semana de julho.
Nas primeiras incursões na propriedade, o MTE também apontou irregularidades nas instalações sanitárias do local – não havia banheiros no campo e os poucos sanitários de alvenaria disponibilizados estavam em más condições. “A gente caminha pra dentro do mato e faz ali mesmo. Tem que prestar atenção no canto que escolhe, porque pode se abaixar e ter formiga, cobra”, contou uma trabalhadora à Repórter Brasil.
“Se está menstruada, tem que trocar o absorvente ali mesmo e colocar o usado numa sacolinha para jogar fora no banheiro do refeitório”, complementa outra empregada.
O auditor Clóvis Emídio, do Grupo de Fiscalização Rural do MTE, confirma os problemas, mas disse que ao longo dos meses a empresa melhorou as instalações e, por isso, não foi aplicada multa neste quesito.
Além disso, trabalhadores denunciam que sofrem ameaças e retaliações e que esse tipo de conduta da empresa se intensificou após as fiscalizações terem início. “Eu sofri suspensão e fiquei sem receber. Eles queriam saber quem denunciou [para o Ministério do Trabalho]. A minha esposa chorou com o que a gente tinha para comer. Meus colegas ajudaram com comida para a gente não passar necessidade”, revela um dos empregados do local.
Sindicalistas que atuam na região ainda identificaram outras irregularidades trabalhistas, como o atraso no acerto do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Por exemplo, uma das mulheres relatou à Repórter Brasil que a parcela do FGTS de fevereiro só foi depositada em sua conta no dia 22 de maio.
“Para quem está trabalhando, sem problemas. Mas quem sai da empresa acaba no prejuízo”, explica José Saldanha, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Assalariados e Assalariadas do Estado do Rio Grande do Norte (Fetraern).
Segundo o MTE, a fiscalização na Fazenda Ubarana se concentrou em avaliar questões de saúde e segurança no trabalho na propriedade, por isso os depósitos de FGTS não foram averiguados – mas esse é um tema que pode ser encaminhado para a Justiça do Trabalho, caso haja empregados que não receberam devidamente essa verba.
Esta não foi a primeira vez que a Finoagro foi autuada pelo Ministério do Trabalho e do Emprego. Em 2021 e 2022, a dona da fazenda Ubarana acumulou multas, incluindo problemas nos quais foi reincidente na fiscalização mais recente, como as jornadas sem o intervalo de 11 horas entre si e a não concessão do descanso remunerado aos empregados. Além disso, em 2021, foi alvo de vários apontamentos sobre armazenamento e descarte irregular de agrotóxicos. Os esclarecimentos da empresa sobre o caso podem ser lidos aqui.