Sobrevivente de emboscada se protege com colete à prova de balas: ‘estou sozinho aqui’

Depois de ser alvejado com tiros, Adilson Oliveira Delgado só sai na rua com proteção. Em maio, outro ataque baleou quatro moradores. Polícia prendeu suspeitos e encontrou armas em fazendas
Por Gil Alessi
 24/09/2023

Todos os domingos o camponês Adilson Oliveira Delgado, de 50 anos, veste sua melhor roupa para ir à igreja participar da missa. Uma camisa clara bem passada, sapatos limpos e uma calça para a ocasião. Por cima deste figurino, uma pesada peça escura completa o traje do dia santo: um colete à prova de balas. Desde que foi jurado de morte, teve amigos baleados e escapou com vida em uma emboscada, Adilson só sai de casa com ele. Mesmo para ir à missa.

Depois do atentado, em outubro de 2022, sua esposa e os filhos deixaram a casa da família, na comunidade rural do Cupim, para se instalar no núcleo urbano de Correntina, há 20 quilômetros dali. “Agora estou sozinho aqui”, diz Adilson, com lágrimas nos olhos.

O atentado, conta ele, aconteceu enquanto tocava seu pequeno rebanho para o pasto coletivo do Cupim – uma das marcas das comunidades de Fundo e Fecho de Pasto da Bahia. Sazonalmente, essas populações levam os animais a locais longe dos vilarejos onde vivem, para que os bichos se alimentem da vegetação nativa e matem a sede nas veredas de água que correm no meio dessa área de sertão.

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O camponês garante que o ataque partiu de um grupo de grileiros interessados em um pedaço de chão que os habitantes do Cupim reconhecem como seu território tradicional. “Eu já tinha andado umas doze horas quando me deparei com cinco homens armados. Eram armas de alto calibre, escopetas. Perguntaram o que eu estava fazendo ali e disseram que aquela terra não era nossa”, recorda.

Em outubro do ano passado, Adilson Oliveira Delgado foi atacado enquanto tocava seu rebanho na comunidade rural do Cupim, a 20 km do núcleo urbano de Correntina (BA)

Essa foi a deixa para o primeiro tiro, que mirou o chão. Mas logo as balas começaram a vir na direção de Adilson, que saiu em disparada e deixou o rebanho pelo caminho. “Perdi muito gado, mas escapei com vida”, conta.

Agora, ele conta que dorme ao lado da cama, sempre ao alcance da mão, uma espingarda carregada. Durante a noite qualquer barulho na estrada de terra que dá acesso à casa é motivo de preocupação. “Eu não consigo mais apagar essas coisas”, justifica.

Sete suspeitos são presos em julho

As ameaças não são novidade para os camponeses do Cupim – desde 2011, há um processo na Justiça para tentar impedir invasões de seu território tradicional, sem resultados concretos até agora – mas nos últimos meses a violência subiu de patamar.

A tensão atingiu grau máximo em 11 de abril deste ano. Neste dia, Gélson Neves Galvão, de 57 anos, e outras 34 pessoas foram atacadas quando retornavam da área de pasto coletivo, onde haviam ido reconstruir a sede da associação comunitária, danificadas por invasores.

O ataque ocorreu no fim de tarde, após o dia de trabalho, quando o grupo parou para beber água em um córrego. “Enquanto eu enchia minha garrafa, ouvi o barulho de rajada. Não deu pra ver os pistoleiros, estavam escondidos numa mata de frente pro rio”, explica o camponês.

Gélson Galvão foi atingido na barriga em atentando contra 35 camponeses que retornavam de atividades no pasto coletivo da comunidade Cupim, em abril deste ano

Ele foi atingido na barriga. “A bala perfurou meu intestino em cinco lugares, e ainda está alojada perto da coluna, não deu pra retirar”, completa o homem, apontando para a cicatriz da cirurgia que salvou sua vida. Outros três moradores foram baleados na emboscada, e se recuperam bem. A maioria conseguiu fugir sem ferimentos.

Em julho, a Polícia Civil prendeu sete suspeitos do ataque em duas fazendas da região. Também foram encontradas – e apreendidas – 13 armas de fogo, entre elas escopetas e pistolas, e um colete à prova de balas.

Mesmo com a ação policial, os habitantes do Cupim não se sentem mais seguros o suficiente e deixaram de usar os pastos comunitários. Por enquanto, estão mantendo o gado nos currais das casas, à base de capim comprado.

O recuo é estratégico para proteção, mas a comunidade mantém a resistência. “A gente está nessa luta porque esta é uma terra centenária, que meus avós já usavam. É uma área coletiva”, explica Adilson, enquanto prepara um café em sua casa na zona rural.


Expediente Faroeste Baiano
Reportagem: Gil Alessi
Fotografia: Fernando Martinho
Edição e checagem: Naira Hofmeister
Pesquisa: André Campos e Poliana Dallabrida
Coordenação: André Campos
Redes sociais: Tamyres Matos


Este especial foi produzido com o apoio da World Animal Protection (WAP)


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