Pelo terceiro ano seguido, a gigante do setor de carnes JBS é apontada como um dos piores frigoríficos do Pará com relação à procedência dos animais adquiridos. Dados divulgados nesta quinta-feira, 26 de outubro, pelo Ministério Público Federal mostram que a companhia teve 6,1% de inconformidade em suas compras – ou seja, que os animais que abateu neste estado vieram de áreas irregulares como fazendas desmatadas ilegalmente, com embargos, situadas dentro de terras indígenas ou que utilizaram mão de obra escrava.
No Pará, o MPF considera como insatisfatórios valores iguais ou acima de 5%. A média de irregularidades entre todos os 13 frigoríficos auditados no estado foi de 4,8%.
Em outros três estados da Amazônia – nos quais pela primeira vez houve auditoria padronizada – a JBS também apresentou problemas: 12% dos animais abatidos em Rondônia tinham origem irregular, assim como 10% da amostra auditada no Acre e 2% em Mato Grosso. Os dados foram sistematizados em 2023, mas as transações analisadas são anteriores, ocorreram entre julho de 2020 a dezembro de 2021.
Em nota à imprensa, a JBS celebrou “seu melhor resultado até o momento”, destacando ter obtido 94% de conformidade em suas compras no Pará. “Estamos satisfeitos, mas nossa meta é atingir 100% de conformidade”, assegurou, na nota, a diretora de Sustentabilidade da JBS Brasil, Liège Correia. A empresa não comentou os resultados nos demais estados, mas saudou “o empenho do Ministério Público Federal em harmonizar o processo de auditoria para mais estados do bioma Amazônia” e defendeu a criação de um sistema público e nacional de rastreabilidade de gado bovino: “o mesmo sistema, com as mesmas regras, para todos”, sintetizou a companhia, cuja íntegra do posicionamento pode ser lida aqui
Melhor índice na série histórica
As auditorias estão previstas no TAC da Carne (sigla para Termo de Ajustamento de Conduta), um acordo entre os setores produtivos e os órgãos de fiscalização que foi elaborado em 2009. Pela primeira vez, elas foram realizadas de forma unificada, seguindo os mesmos padrões, para todos os Estados da Amazônia Legal, e não apenas para o Pará, onde esse processo de auditagem já ocorre desde 2018.
Apesar do resultado ruim na auditoria deste ano, na série histórica no Pará a JBS apresentou melhora: no primeiro ciclo de fiscalização o percentual de inconformidade da empresa foi de 19,1%, depois caiu para 8,3% no segundo ciclo, saltou para 32% no terceiro, baixou para 16,7% no quarto e agora está em 6,1%.
Outros frigoríficos que atuam no Estado, como Masterboi, Minerva e Mercúrio, alcançaram 100% de conformidade.
A amostra auditada no estado do Pará em 2023 também foi a menor da série: até hoje, nenhum dos ciclos de auditoria haviam tomado amostras inferior a 94% do total de abates, mas neste ano, apenas 12% dos animais abatidos tiveram sua origem verificada.
Indiretos serão auditados em 2024
O que não mudou é o foco das auditorias exclusivamente nas compras diretas dos frigoríficos, elo da cadeia produtiva onde o volume de irregularidades tende a ser menor. As empresas têm seus próprios sistemas de monitoramento, que verificam a conformidade socioambiental das fazendas fornecedoras e bloqueiam compras de áreas irregulares. Mas esses sistemas não alcançam os fornecedores dos fornecedores, por enquanto. “Uma limitação que temos é a falta de fiscalização de vendas indiretas, uma vez que o nosso processo abrange apenas as vendas diretas”, admitiu o procurador Daniel Azeredo.
O MPF promete incluir esses fornecedores nas auditorias a partir de julho de 2024. “Mas nesse primeiro momento não haverá penalidade, será apenas como forma de análise e diagnóstico”, disse o procurador Ricardo Negrini. Em 2022, o procurador disse, em entrevista à repórter Brasil, que os frigoríficos tinham todas as ferramentas necessárias para avançar no monitoramento dos indiretos.
“Outro desafio é a lavagem de gado”, completou Azeredo, ilustrando a situação com o caso da Terra Indígena Apyterewa. Em matéria publicada em 2022, a Repórter Brasil apontou que bois criados ilegalmente dentro da TI abasteceram grandes frigoríficos – inclusive a JBS – utilizando essa manobra, que consiste em enviar animais criados em fazendas irregulares para propriedades regularizadas. Atualmente a TI passa por um processo de desintrusão, com a retirada de invasores de seus limites.
Fraudes no CAR são obstáculo
Azeredo alertou ainda que possíveis fraudes no Cadastro Ambiental Rural poderiam estar encobrindo irregularidades. “O CAR não é auditado, e se o produtor tem o seu CAR bloqueado por um frigorífico por desmatamento, o produtor cancela aquele e faz outro”, apontou. O CAR é um documento autodeclaratório e obrigatório, que deve ser preenchido pelo próprio produtor rural, com dados ambientais sobre a propriedade e sua localização.
“Nosso objetivo final é termos certeza próxima de 100% de que o gado que entra em um frigorífico não está sendo criado em área desmatada, terra indigena, de que não há boi de origem ilegal entrando na cadeia de produção dos figoríficos”, afirmou Azeredo.
“Estamos perto de alcançar isso? Infelizmente não. Mas temos o que comemorar”, completou, comparando os 4,8% de irregularidades no Pará, em 2023, com os 10,4% de 2018.
Para o próximo ciclo de auditorias unificadas, o MPF deve pressionar os frigoríficos que ficaram de fora do processo para que participem. “Entraremos com ações contra empresas que se negaram a ser parte deste processo de auditorias e transparência”, afirmou Negrini. Além disso, o setor varejista e instituições financeiras também devem ser informadas sobre quais são essas empresas, para que avaliem sua cadeia produtiva e de negócios.
*Correção: Este texto foi corrigido no dia 30/10/2023, às 16h35. Uma versão inicial dizia que a JBS era o pior frigorífico do Pará de acordo com a auditoria.