Uma funcionária indígena de um frigorífico de aves da JBS em Sidrolândia (MS) foi demitida após reclamar do transporte contratado pela empresa, aponta denúncia encaminhada pelo sindicato local ao Ministério Público do Trabalho (MPT). A empresa nega e sustenta que o desligamento se deu “exclusivamente por questões profissionais”.
Edna Marques da Silva foi dispensada na segunda-feira (4). Ela fazia parte de um grupo de 40 pessoas da terra indígena Nioaque empregadas no abatedouro da Seara Alimentos, braço da multinacional JBS.
A comunidade afirma que um dos ônibus fornecidos pelo frigorífico tem graves problemas mecânicos e coloca em risco a integridade física dos trabalhadores. O caso ganhou repercussão após a divulgação em redes sociais de vídeos com imagens de avarias no veículo.
Em 29 de novembro, Silva registrou uma reclamação formal no setor de recursos humanos da empresa. O desligamento aconteceu dias depois. “Me disseram que iam demitir todo o pessoal da aldeia se continuasse com esse tipo de pensamento ‘sindicalista’, que quando tem pressão a corda arrebenta pro lado mais fraco”, relata.
“É uma violação à dignidade do ser humano ser transportado nessas condições”, afirma Sérgio Bonzon, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados (Sindaves), responsável pelo encaminhamento da denúncia ao MPT.
Segundo o dirigente, a demissão de Silva é uma forma de “calar” os funcionários: “fazem isso para que não reclamem das péssimas condições de transporte e de trabalho. Enquanto o frango tem mil cuidados, o trabalhador é massacrado”.
Em geral, os 40 empregados do povo Terena saem das aldeias às 10h30 e retornam por volta da meia noite – “isso quando o ônibus não estraga”, conta Silva. “Um dos ônibus faz um barulho estranho quando o motorista acelera, parece que está torcendo algum metal. Não tem ar condicionado e, quando chove, molha tudo”, complementa.
Para chegar à fábrica da Seara, os ônibus percorrem um trajeto de mais de 100 km e passam pela Serra do Maracaju, na BR-060. O local é conhecido como “Serra da Morte”, por causa do alto índice de acidentes de trânsito. Em um dos vídeos publicados nas redes sociais, o cacique Joel Marques afirma que Silva foi demitida por tentar “livrar de uma possível tragédia as pessoas da comunidade”.
Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a JBS nega que tenha demitido a funcionária por causa das reclamações sobre o transporte. “O desligamento da ex-funcionária se deu exclusivamente por questões profissionais”, afirma o texto.
Em relação às condições de transporte, a JBS diz ter notificado a empresa prestadora de serviços em novembro “para a aplicação das devidas correções de infraestrutura de parte da frota de veículos, após vistorias técnicas periódicas para verificação de regularidade”. Leia a íntegra aqui.
Ônibus quebrado
No dia seguinte à demissão de Silva, um dos veículos quebrou e ficou estacionado na aldeia Cabeceiras, a poucos metros da casa da ex-funcionária. “Estou aqui presenciando o ônibus da empresa parado na comunidade porque estragou”, conta o cacique Joel Marques em vídeo. Em um trecho, o cacique diz ainda que já havia conversado com os motoristas sobre as más condições dos ônibus, mas que nenhuma providência foi tomada.
A Seara Alimentos é a marca de carnes de frango e suínos da JBS. Só a planta de Sidrolândia abate cerca de 200 mil aves por dia e emprega aproximadamente 700 funcionários, dos quais cerca de 40% são indígenas, estima o sindicalista.
Não é a primeira vez que a unidade de Sidrolândia é acusada de violar direitos de povos indígenas. Em julho, o Sindaves já havia denunciado a Seara por submeter 15 trabalhadores a condições análogas à de escravidão – eles haviam sido contratados por empresas terceirizadas para a apanha de frango. O processo corre na Vara do Trabalho Itinerante do município.
Em nota enviada à reportagem, a JBS afirmou que quando soube do caso “imediatamente exigiu do fornecedor terceirizado o cumprimento de todas as regras trabalhistas, incluindo alojamentos”. Leia na íntegra.
Transporte é um direito
Desde 2017, com a Reforma Trabalhista, a lei determina que o deslocamento até o local de trabalho deve ser negociado diretamente entre empregados e empregadores. Antes da reforma, era obrigação das empresas fornecerem transporte em locais onde não houvesse serviço público disponível.
No caso da Seara de Sidrolândia, um acordo coletivo assegura o transporte até a empresa, afirma o vice-presidente do sindicato, mediante o pagamento de uma taxa de 6% sobre o salário base de cada empregado – cerca de R$ 52 por mês.
O sindicato apresentou uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT) um dia após a demissão de Silva, em 5 de dezembro. Segundo o gerente do Projeto Nacional de Frigoríficos do MPT, Lincoln Cordeiro, assegurar os direitos dos trabalhadores indígenas é tema de atuação prioritária do órgão. “Sendo fornecido transporte pela empresa aos trabalhadores, este adentra ao aspecto do meio ambiente trabalho, devendo a empresa garantir a segurança e integridade física do empregado no trajeto”, afirma.