Carnaval: atraso de verbas precariza trabalho em barracões da ‘série b’ do Rio

Melhoria das condições de trabalho nos galpões das escolas de samba que tentam chegar à elite do carnaval carioca esbarra no cronograma do repasse de verbas do poder público e na falta de regularização dos terrenos ocupados por galpões
Por Matheus de Moura e Leonardo Coelho | Edição Carlos Juliano Barros
 28/02/2025

NÓS TEMOS UM RATO que é o encarregado da segurança aqui. O nome dele é Renato”, brinca Thiago Rodrigues, diretor da Em Cima da Hora, escola de samba da Série Ouro do carnaval carioca – o antigo “grupo de acesso”. O carnavalesco da agremiação, Rodrigo Almeida, confirma a presença do roedor no barracão localizado no centro do Rio de Janeiro e complementa a piada: “Se nós subirmos para o grupo especial, ele sobe junto!”

A conversa em tom jocoso sobre a precariedade das instalações do galpão, onde são produzidos fantasias e carros alegóricos, tenta amenizar a tensão provocada por uma tragédia recente que escancarou os riscos à saúde e à segurança de quem trabalha nos bastidores do principal evento cultural da capital fluminense. 

Em 12 de fevereiro, um incêndio destruiu a fábrica têxtil Maximus, no bairro de Ramos, na zona norte da cidade – a confecção produzia adereços para diversas escolas da Série Ouro. O fogo deixou uma pessoa morta, além de outras 20 feridas. Segundo o Corpo de Bombeiros, a empresa operava com documentação irregular.

Barracões das escolas da Série Ouro está localizada em áreas públicas na região central do Rio de Janeiro; desde 2018, ao menos cinco escolas já foram removidas (Foto: Rebeca Bartolote / Repórter Brasil)
Barracões das escolas da Série Ouro está localizada em áreas públicas na região central do Rio de Janeiro; desde 2018, ao menos cinco escolas já foram removidas (Foto: Rebeca Bartolote / Repórter Brasil)

Ambientes com pouca ventilação, alta concentração de produtos inflamáveis e estrutura elétrica improvisada são um prato cheio para acidentes, como o ocorrido em Ramos. A melhoria das condições de trabalho nos galpões das escolas que tentam chegar à elite do carnaval carioca esbarra, no entanto, em atrasos no repasse de verbas do poder público e na falta de regularização dos terrenos ocupados por barracões, avaliam fontes ouvidas pela Repórter Brasil

“A forma como as subvenções [da Prefeitura e do governo estadual] são distribuídas e o distanciamento do Estado na produção de condições decentes para o trabalhador do carnaval constroem um ambiente propício à insalubridade e à precarização”, afirma Bruno Souza Lima, pesquisador da UFF (Universidade Federal Fluminense).

Receio de despejo inibe investimentos em barracões

Boa parte dos galpões das escolas da Série Ouro está localizada em áreas públicas da antiga zona portuária do Rio de Janeiro, região central da cidade. Desde 2018, ao menos cinco escolas já foram removidas. 

“Não tem como a gente investir num lugar que a qualquer momento pode ter uma expulsão. Quando acaba o carnaval, a gente só volta a mexer aqui em setembro”, explica o diretor da Em Cima da Hora. 

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O cronograma de repasses e o valor das verbas oferecidas pelo poder público também dificultam a organização das escolas da segunda divisão do carnaval carioca, afirmam os dirigentes. Atualmente, a Prefeitura paga R$ 925 mil a cada uma delas – o dinheiro é intermediado pela Liga RJ, entidade que representa as agremiações da Série Ouro. No entanto, o valor não é suficiente para bancar os custos dos desfiles, na opinião de Rodrigues. 

Após o incêndio na confecção de Ramos, o governador do estado, Cláudio Castro (PL), anunciou em caráter de emergência um investimento total de R$ 13 milhões para a Série Ouro. Porém, a menos de uma semana do início dos desfiles, o recurso ainda não havia caído na conta das escolas associadas à Liga RJ.   

“Se o dinheiro viesse antes, a gente conseguiria diluir o trabalho ao longo dos meses”, diz Rodrigues. Segundo o diretor da Em Cima da Hora, o calendário apertado obriga profissionais a acumular serviços e a virar noites para dar conta da demanda.

Em nota, a assessoria de imprensa da Riotur – empresa ligada à prefeitura do Rio de Janeiro – afirmou que todos os repasses foram feitos. “O processo de liberação dos valores depende diretamente da documentação enviada por cada escola. Com isso, o fluxo de pagamento pode variar, já que esse repasse só ocorre após a análise e aprovação da documentação específica de cada agremiação”, diz o texto. Leia aqui a íntegra da resposta. 

Já o governo do estado não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem. O texto será atualizado se um posicionamento for enviado.

Com inauguração prevista para 2026, a 'Cidade do Samba 2' vai sediar os barracões das escolas da Série Ouro do carnaval carioca; obras são estimadas em R$ 156 milhões (Foto: Rebeca Bartolote / Repórter Brasil)
Com inauguração prevista para 2026, a ‘Cidade do Samba 2’ vai sediar os barracões das escolas da Série Ouro do carnaval carioca; obras são estimadas em R$ 156 milhões (Foto: Rebeca Bartolote / Repórter Brasil)

Fiscalização do governo federal foca escolas do grupo especial

Ampliar a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para as escolas que não fazem parte do grupo especial do carnaval carioca é outro desafio. 

Em geral, as inspeções têm se concentrado nos barracões das agremiações da primeira divisão, localizados na “Cidade do Samba 1”, no bairro da Gamboa, no centro da capital. Só em 2015, foram realizados seis monitoramentos.

“Tem mais de dez anos que realizamos essas visitas. Reduzimos muito os problemas que tínhamos. A quantidade de acidentes de trabalho, por exemplo, é quase nula atualmente”, explica a auditora fiscal Ana Luiza Horcades. Segundo a servidora, o objetivo é expandir a atuação em parceria com as ligas que representam as escolas de divisões inferiores do carnaval. 

Em setembro do ano passado, a prefeitura do Rio de Janeiro deu início à construção da Cidade do Samba 2. Localizadas na área da antiga Estação Leopoldina, no centro da cidade, as instalações vão abrigar 14 galpões das escolas da Série Ouro. A previsão é de que as obras sejam concluídas em 2026, a um custo estimado de R$ 156 milhões.

“Hoje temos barracões com falta de infraestrutura e mesmo assim a gente vem evoluindo. Então, com essas instalações, com barracões novos, com fácil acesso à Marquês de Sapucaí, com certeza a gente vai ter o engrandecimento do espetáculo”, comemorou Hugo Junior, presidente da Liga RJ, em entrevista à Band News durante o lançamento das obras. 

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Ambientes com pouca ventilação, alta concentração de produtos inflamáveis e estrutura elétrica improvisada são um prato cheio para acidentes, como o ocorrido em Ramos, em 12 de fevereiro (Foto: Rebeca Bartolote / Repórter Brasil)