O MPF (Ministério Público Federal) do Pará ajuizou uma ação civil pública contra a mineradora Vale, a União e o estado do Pará, pela contaminação por metais pesados dos indígenas Xikrin da Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté, no sudeste paraense. O MPF sustenta que o problema foi causado pela mina de níquel Onça Puma, administrada por uma subsidiária da Vale na região da Serra dos Carajás, e licenciada pelo governo estadual.
Um estudo citado na ação, realizado pela UFPA (Universidade Federal do Pará), analisou o organismo de 720 indígenas, cerca de 40% da população da TI. A pesquisa constatou que 98,5% dos indivíduos investigados estavam contaminados com metais perigosos acima dos limites seguros. O autor da pesquisa, professor Reginaldo Saboia, concluiu que a origem dos contaminantes é a operação de níquel da Vale.
A presença de metais está associada a diversas doenças crônicas e malformações congênitas e ao agravamento das condições sanitárias da comunidade indígena. “A presença de chumbo, por exemplo, pode denotar desregulação endócrina que promove doença tireoideana”, disse à Repórter Brasil o procurador da República Rafael Martins, autor da ação.
Nos últimos anos, a Repórter Brasil e a Finnwatch, organização da sociedade civil finlandesa, publicaram investigações conjuntas sobre os impactos socioambientais do empreendimento sobre os Xikrin. Após a divulgação, a siderúrgica Outokumpu, cujo maior acionista é o governo finlandês, deixou de comprar níquel da mina Onça Puma, da Vale.
Na ação, o MPF destaca os relatórios, que evidenciam “a necessidade de ações concretas e eficazes” da Vale para despoluir o rio Cateté.
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Lideranças Xikrin ouvidas pela Repórter Brasil culpam a Vale pela contaminação. “O rio [Cateté] está morto”, afirmou sob anonimato um indígena. “O rio era onde a gente bebia, pegava água e peixe para comer. Agora [por causa da poluição] não podemos fazer mais nada [no rio]”, lamentou.
A Vale negou a relação de suas operações com a contaminação do rio Cateté e declarou que o tema já foi “amplamente analisado” pela Vara Federal de Redenção (PA). “Estudos conduzidos por peritos judiciais independentes concluíram que as operações da Vale não são a fonte de contaminação do Cateté. Os documentos são públicos e estão disponíveis para consulta. Além disso, a Vale monitora regularmente as condições da água no entorno dos seus empreendimentos para resguardar as comunidades locais. Por fim, a companhia lembra que há inúmeras atividades de garimpo ilegal na região”, disse a mineradora.
Contaminantes têm ‘assinatura química’ da Vale, diz MPF
O estudo que baseia a ação do MPF aponta que o organismo dos indígenas tem presença dos elementos chumbo, alumínio, bário, titânio, arsênio e berílio acima dos limites estabelecidos por normas nacionais e internacionais.
Segundo a ação, os “níveis alarmantes” de metais pesados aumentaram a incidência de doenças crônicas. Houve ainda o comprometimento das fontes tradicionais de sustento, como a pesca e o uso da água para consumo. O resultado foi o aumento da insegurança alimentar devido à contaminação dos peixes, principal fonte de proteína da comunidade, além de ter agravado as precárias condições sanitárias no território.
A responsabilidade da empresa é comprovada pela presença de cobalto nos indígenas analisados, explica o pesquisador Reginaldo Saboia, da UFPA, já que esse metal está presente no processo de mineração de níquel. Essa “assinatura” química “reforça o vínculo entre os impactos ambientais e as práticas desenvolvidas no referido empreendimento [Onça Puma], evidenciando a responsabilidade direta da empresa [Vale] pelos danos registrados”, escreveu o MPF.
Em resposta, a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) diz reconhecer o uso de mercúrio e outros metais como grave problema de saúde pública e afirmou que planeja implementar um projeto para monitorar casos como esse, mas não detalhou quando e como isso aconteceria.
Após a publicação da reportagem, a Semas-PA (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará) declarou que um acordo foi firmado entre a mineradora Vale e as comunidades indígenas Xikrin, com mediação do MPF, para medidas de compensação. Disse ainda que, no ano passado, assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com a Vale para a redução de impactos socioambientais das atividades da mina.
Liga metálica abastece mercado global
Localizada no município de Ourilândia do Norte (PA), a mina Onça Puma produz níquel, usado para produção de aço inoxidável e baterias recarregáveis. A operação é controlada pela Vale Base Metals (VBM), subsidiária da mineradora brasileira focada na produção de níquel e cobre. Entre os compradores da mina em 2023 estiveram multinacionais de países como Itália, Suécia, Reino Unido, França e China.
A batalha jurídica que envolve os Xikrin e a Vale se arrasta desde ao menos 2011. No início, os indígenas apontavam a falta de participação no processo de licenciamento ambiental da mina. Acordos judiciais garantiram pagamento de indenizações aos habitantes originários e resultaram no arquivamento das ações civis públicas. Uma outra ação judicial sobre o papel da Vale na contaminação do rio Cateté, porém, segue aberta.
MPF pede monitoramento contínuo
O MPF pede que a Justiça obrigue a Vale a custear integralmente a prevenção e a remediação dos danos ambientais e de saúde, além de financiar o tratamento médico integral dos indígenas afetados.
Outro pedido é a implementação de um sistema de monitoramento contínuo de saúde, incluindo o monitoramento da concentração de metais pesados nos organismos dos indígenas.
A ação também solicita que a União, por meio da Sesai, atue de forma articulada, prestando suporte técnico e administrativo para a saúde dos Xikrin. Para o procurador, a secretaria de saúde indígena deve fornecer equipes multidisciplinares de saúde e garantir o atendimento emergencial às vítimas da contaminação.
O MPF também quer que o estado do Pará seja responsabilizado e implemente medidas de fiscalização rigorosa do cumprimento das condicionantes ambientais do empreendimento, além de apresentar relatórios técnicos atualizados sobre as atividades de fiscalização e os resultados das análises ambientais.
A Sesai respondeu à Repórter Brasil que está em elaboração um projeto de pesquisa em parceria com o Instituto Evandro Chagas para identificar possíveis casos e riscos de contaminação entre os indígenas da região, cujo atendimento é responsabilidade do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) Guamá-Tocantins.
“O Dsei Guamá-Tocantins conta com uma equipe de 840 profissionais entre técnicos, médicos, enfermeiros, barqueiros e outros que prestam apoio às populações atendidas. Além disso, o Ministério da Saúde tem investido na melhoria da infraestrutura das Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI) da região, ampliando recursos, insumos, medicamentos e equipamentos”, declarou a secretaria.
* O texto foi atualizado em 28 de fevereiro de 2025 para incluir o posicionamento do governo do Pará.
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