UM JUIZ DO Tribunal Regional Federal da 3ª Região em Santos liberou a exportação de uma carga com 15 toneladas de carvão ativado que ficou por 17 meses retida após fiscais da Receita Federal identificarem o equivalente a cinco quilos de ouro em pó não declarados misturados ao produto.
Apesar de responder por apenas 0,03% do volume total do carregamento, a quantidade de ouro poderia render, na cotação atual, R$ 2,7 milhões. Esse montante é mais que o triplo do valor do carvão declarado na nota fiscal do produto, que era de R$ 777,2 mil. A carga, barrada em setembro de 2023 no Porto de Santos, pertencia a empresa Omex Comércio e Exportação de Metais Preciosos S/A.
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À época, a companhia foi autuada pela Receita Federal e impedida de realizar a exportação. Alegando que o ouro identificado é parte constituinte da carga de carvão ativado, a Omex buscou então a liberação do carregamento em diferentes processos judiciais.
Na primeira ação, movida em novembro de 2023, a Justiça acatou os argumentos da Receita Federal e determinou que a carga continuasse apreendida. Não cabia recurso dessa decisão. A Omex, entretanto, desistiu da ação antes que a sentença fosse proferida e ingressou com outro pedido judicial em julho de 2024.
No segundo processo, a União afirmou que a quantidade de ouro identificada pela perícia no carvão e o valor de venda do produto eram indícios de que a Omex “pretendia ilegalmente exportar quase R$ 2 milhões em ouro sem qualquer controle do Estado”. Também pontuou que “encampar a tese autoral de irrelevância do ouro encontrado em meio ao carvão apreendido seria uma ingenuidade sem precedentes” e sustentou que “o caso revela um possível esquema de contrabando de ouro”.
Desta vez, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região em Santos acatou os argumentos da Omex e determinou que os autos de infração fossem cancelados, permitindo a imediata exportação da carga.
Em sentença proferida em novembro de 2024, o juíz federal Alexandre Berzosa Saliba escreveu que “seria exercício de imaginação, no qual o ouro deveria ser ocultado e exportado com o carvão ativado, para somente após o destinatário (real ou não) pudesse por processo químico/físico, separar eventuais partículas de ouro do carvão em questão”.
A União recorreu da decisão em segunda instância, mas perdeu, e a carga foi exportada.
“A perícia criminal acaba sendo afetada e perdendo efetividade”, comentou à Repórter Brasil um integrante da Polícia Federal que atuou no processo. “A polícia judiciária tem seus procedimentos emperrados e a RFB [Receita Federal do Brasil] acaba não cumprindo sua missão”.
Após a publicação desta reportagem, a Omex enviou uma nota afirmando que tem uma “rígida política de Compliance” e “sempre se pautou na agilidade e cumprimento das normas legais e nos compromissos dos contratos celebrados com os clientes no exterior”. A empresa informa ainda que as questões são acompanhadas pelos seus advogados na Justiça.
Destino inicial era Itália…
O carregamento da Omex seria enviado inicialmente para a companhia italiana Safimet, especializada no refino de ouro e outros metais preciosos e fornecedora das principais empresas de tecnologia do mundo, como Amazon, Microsoft, Google e Tesla, conforme publicou a Repórter Brasil em maio de 2024.
Em resposta à intimação dos auditores da Receita cinco dias após a retenção da carga, a Omex admitiu que a Safimet tinha a expectativa de extrair do carvão ativado “o resíduo de metais preciosos porventura existentes”.
Após a autuação e a divulgação do caso na imprensa, a Safimet desistiu de receber o carregamento. À época, a empresa confirmou à Repórter Brasil ter entrado em contato com a Omex em 2023 “para uma única ‘importação temporária’ (e não uma compra direta) de um lote de carbono contendo ouro”.
Mas carga foi parar na Bélgica
Com a desistência da Safimet, a Omex foi autorizada pela Justiça a exportar o carvão para outro comprador.
De acordo com documentos alfandegários acessados pela Repórter Brasil, a carga foi descarregada na cidade de Antuérpia, na Bélgica, em fevereiro de 2025. A informação de quem comprou essa carga no país europeu não está disponível nos sistemas públicos de consulta.
A Omex possui um histórico conhecido de relações comerciais com empresários belgas do setor de mineração. Em 2023, a Repórter Brasil mostrou as ligações da empresa brasileira com Alain Goetz e seu irmão, Sylvain Goetz, ambos condenados pela Justiça da Bélgica por comércio ilegal de ouro. A Omex, Sylvain e uma empresa controlada pelo filho de Alain eram sócios da North Star, megarrefinaria instalada em Belém (PA).
A família Goetz operava na Antuérpia a refinaria Tony Goetz que, conforme mostram documentos obtidos pelo portal Intercept, passou a se chamar Industrial Refining Company.
A Repórter Brasil procurou o empresário Alain Goetz na época da publicação da reportagem, mas ele não respondeu aos e-mails e mensagens de celular enviadas. Já os advogados de Sylvain Goetz responderam, em nota, que seu cliente não tem mais negócios com o irmão Alain e que “está vendendo as suas ações na North Star devido à sua aposentadoria”.
Relações com garimpo
Um dos administradores da Omex é Roselito Soares, ex-prefeito de Itaituba (PA), maior polo de garimpo do país. Em 2018, o empresário participou ativamente das primeiras negociações com o governo paraense para a instalação da North Star.
Além da Omex, os integrantes da família Soares são os fundadores da Ourominas, uma das principais negociadoras de ouro do país. Em 2021, a Ourominas foi acusada pelo Ministério Público Federal (MPF) do Pará de “esquentar” ouro com origem ilegal. Segundo a ação, a empresa foi responsável pela compra de mais de uma tonelada de ouro de garimpos ilegais no sudoeste do Pará.
À época, a Ourominas afirmou que a Justiça Federal do Pará não havia acatado o pedido de liminar do MPF para aplicar multa e suspender as atividades da empresa. Em setembro do ano passado, o caso foi julgado e a empresa não foi considerada culpada. O MPF apelou da decisão ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O caso segue em tramitação.
NOTA DA REDAÇÃO: Este texto foi alterado dia 20/03 às 14h15 para incluir o posicionamento enviado pela empresa Omex.
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