Mercado do açaí cresce e acende alerta para risco de trabalho infantil

Estudo mostra que coleta, tradição amazônica passada entre gerações, pode aumentar exploração infantil diante da alta demanda
Por Repórter Brasil
 05/09/2025

O AÇAÍ, fruta símbolo da Amazônia e cada vez mais valorizado no Brasil e no exterior, carrega tradição da floresta, mas pode esconder um risco em sua cadeia produtiva: a exploração de trabalho infantil. Embora a coleta seja parte da cultura local e um saber tradicional transmitido entre gerações, o avanço acelerado do mercado transforma a prática em potencial violação de direitos de crianças e adolescentes.

É o que aponta o relatório Quedas, picadas e dores: o trabalho dos coletores de açaí, publicado nesta sexta-feira (5) pela Repórter Brasil, no Dia Nacional do Açaí e Dia Nacional da Amazônia.  O estudo aborda a rotina de quem trabalha na ponta desse mercado e alerta para a participação de crianças na atividade. Ainda que historicamente seja naturalizada como parte do aprendizado do modo de vida de comunidades rurais, a coleta do açaí traz riscos de acidentes com animais peçonhentos e insetos, agravados pela comum ausência de equipamentos de segurança.

O relatório traz o depoimento de jovens que sobem em até 30 árvores por dia para colher o fruto no auge da safra. Pedro*, de 17 anos, relata dores na coluna, mas considera o trabalho vantajoso: “é melhor o açaí, pelo ganho, e a gente precisa trabalhar”, diz ele, ao comparar com outras fontes de renda a partir do extrativismo.

Para cortar o cacho contendo os frutos do açaizeiro, os apanhadores geralmente usam apenas uma corda feita de fibra vegetal que auxilia na escalada das palmeiras. Eles sobem em árvores que podem atingir até 15 metros de altura. Por serem mais leves, crianças e adolescentes frequentemente desempenham a tarefa com mais facilidade e costumam ser envolvidos na atividade desde cedo.

Coletores ouvidos durante a pesquisa relataram que a maioria começou a trabalhar ainda na infância. Eles também destacaram a importância da renda gerada pelo açaí, ao mesmo tempo em que apontam para os riscos da atividade

Outro ponto destacado pelos coletores são as queimaduras com a descida rápida do tronco após o corte do cacho. Waldivan dos Santos Cardoso, de 36 anos, que coleta o fruto desde os 10, têm marcas de queimadura em seus braços e peito. “A árvore queima por cima da camisa, engrossa o ‘couro’”. 

Mais do que um produto que ganha espaço no mercado, o açaí é um elemento fundamental da segurança alimentar de comunidades tradicionais. Os coletores aprendem a técnica observando os mais velhos. “Isso faz com que a discussão sobre o açaí se torne muito mais complexa. Porque não é simplesmente olhar para uma produção para atender uma demanda internacional ou nacional. Estamos falando de uma cultura, de um modo de subsistência”, gerente de inovação em bioeconomia do Idesam, o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia.

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Mercado em crescimento

O crescimento do setor pressiona essas comunidades. Só em 2023, o Brasil produziu 1,7 milhão de toneladas de açaí, gerando mais de R$ 8 bilhões, segundo dados oficiais. O Pará responde por 93% dessa produção, seguido pelo Amazonas. A valorização internacional da fruta tem levado à expansão das áreas de cultivo e à intensificação do trabalho.

Especialistas ouvidos no estudo defendem políticas públicas que reconheçam o saber tradicional da Amazônia, mas que garantam a proteção dos direitos de crianças e adolescentes. Além do risco de trabalho infantil, o relatório também aborda os impactos socioeconômicos da cadeia produtiva e os perigos enfrentados por trabalhadores da floresta.

“A pressão de mercado vai fazer com que a extração passe a ser predatória. Isso faz com que as relações de trabalho se tornem cada vez mais vulneráveis”, ressalta Simonetti.

Acesse o relatório completo aqui.

*nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados

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Coletor sobe palmeira de açaí na região de Codajás para cortar cacho, que pode pesar até 30 kg (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
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