Aposta na COP30, biocombustíveis têm desafios de sustentabilidade na produção

Relatório destaca os desafios para garantir direitos dos trabalhadores e comunidades tradicionais com a expansão do setor; Repórter Brasil encontrou violações de direitos humanos e desmatamento na cadeia produtiva do etanol e do biodiesel
Por Repórter Brasil

A POUCOS DIAS DA COP30, o governo federal se prepara para reforçar o papel do Brasil como líder global em biocombustíveis. Na última semana, Brasil, Índia, Itália e Japão avançaram nas negociações do “Compromisso de Belém pelos Combustíveis Sustentáveis”, ou “Belém 4x”, que prevê quadruplicar a produção e o uso de combustíveis renováveis até 2035. Costurado na Pré-COP em Brasília, o acordo ainda busca apoio europeu e deve ser formalizado durante a cúpula do clima, em novembro.

O movimento se alinha com o interesse brasileiro de apresentar os biocombustíveis como estratégia central para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. No entanto, um novo relatório da Repórter Brasil levanta questões sobre a sustentabilidade e os impactos socioambientais de sua produção, sobretudo no cenário de expansão defendida pelo governo. O relatório  A conta dos biocombustíveis está disponível em português e inglês.

O governo aposta em políticas e financiamentos para consolidar o setor. O Fundo Clima e o BNDES  (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) têm investido em projetos de biocombustíveis. E a Lei do Combustível do Futuro e o RenovaBio fortalecem o arcabouço regulatório. Já reconhecido como grande produtor de etanol e biodiesel e, mais recentemente, com projetos para SAF (combustível sustentável para aviação), o país projeta ampliar de forma significativa sua produção nos próximos anos.

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Mas o aumento da produção de biocombustíveis e de seus insumos não ocorre sem custos socioambientais significativos. Em março de 2023, 32 trabalhadores foram resgatados em uma fazenda de cana-de-açúcar em Pirangi (SP), em condições precárias, sem acesso a banheiros ou água potável, segundo a fiscalização. A empresa autuada tinha histórico de fornecimento de  etanol à Raízen, uma das maiores produtoras mundiais de etanol. O resgate faz parte de uma nova onda de casos de trabalho escravo constatados na cana-de-açúcar. Especialistas atribuem o aumento à terceirização do plantio, que enfraqueceu o controle e a responsabilização sobre as condições de trabalho.

O avanço da fronteira agrícola pressiona áreas de vegetação nativa. A produção de sebo bovino, matéria-prima do biodiesel, não é rastreada até as fazendas mas é justamente nas propriedades rurais que ocorrem as principais irregularidades — desmatamento, trabalho escravo e conflitos agrários. 

O relatório cita o caso da DGD (Diamond Green Diesel), líder norte-americana na produção de diesel feito a partir de fontes renováveis. A empresa foi identificada importando sebo bovino de fornecedores brasileiros abastecidos por indústrias de abate que, por sua vez, compraram gado de fazendas amazônicas autuadas por desmatamento ilegal. A demanda pela gordura animal brasileira para a produção de biodiesel tem crescido nos Estados Unidos.  

O relatório também apresenta uma série de salvaguardas defendidas por especialistas para assegurar que a expansão do setor de biocombustíveis não agrave os impactos socioambientais. Entre as principais medidas, destaca-se a necessidade de rastreabilidade em toda a cadeia produtiva, com a implementação de um sistema que permita acompanhar a origem das matérias-primas e garantir que não haja desmatamento ou violação de direitos humanos. 

Integrar a rastreabilidade do sebo bovino à documentação do gado, como a  GTA (guia de trânsito animal), também é uma das sugestões para melhorar a transparência e minimizar os riscos de impactos negativos.

Felipe Barcellos, analista de projetos do Iema (Instituto Energia e Meio Ambiente), defende que a expansão do setor deve priorizar áreas já abertas e adotar métricas claras de não conversão, com os custos de adequação divididos entre produtores, indústrias, financiadores e compradores. O instituto acaba de publicar um estudo apontando que o Brasil pode mais do que dobrar a produção e o consumo de biocombustíveis até 2050 usando pastos degradados. 

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Investigação mostra violações de direitos humanos e desmatamento na cadeia produtiva do etanol e do biodiesel (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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