CLIENTES E ACIONISTAS da mineradora Sigma Lithium, que atua no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, ignoram as suspeitas envolvendo os créditos de carbono adquiridos pela empresa, em 2023, para zerar as emissões de poluentes do seu processo de produção.
A mineradora de origem canadense embarcou naquele ano o primeiro carregamento de 15 mil toneladas de lítio extraído e processado no Brasil. O produto foi promovido como “quíntuplo zero”, pois eliminaria cinco impactos ambientais, dentre eles a emissão de gases de efeito estufa, que teria sido compensada por meio da compra de 59 mil créditos de carbono.
Porém, uma investigação da Polícia Federal sobre o mercado de carbono identificou uma organização criminosa que estaria cometendo diversos crimes em Lábrea, no sul do Amazonas, para geração dos títulos ambientais. Os créditos comprados pela Sigma vieram justamente desse esquema investigado na região Norte.
Créditos de carbono são certificados que representam a remoção de gases de efeito estufa da atmosfera. Eles podem ser gerados por projetos de preservação da vegetação nativa, como os realizados por populações tradicionais, e comprados por empresas para compensar as emissões de empreendimentos com potencial poluidor, como o da Sigma.
Entre os crimes investigados no Amazonas estão a grilagem de terras públicas, o desmatamento ilegal, a corrupção de servidores públicos, entre outros. A PF indiciou 31 pessoas, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, e o Ministério Público Federal vai analisar as provas e decidir se apresenta a denúncia à Justiça.

A Sigma não é alvo das investigações, somente o projeto gerador dos créditos, chamado Unitor REDD+, assim como um de seus responsáveis, Ricardo Stoppe Júnior, indiciado neste ano pela Polícia Federal (leia mais sobre a denúncia nesta reportagem).
A mineradora, contudo, não se pronunciou publicamente sobre o assunto, mais de um ano após as suspeitas virem à tona. A empresa também não informou se adquiriu novos créditos para substituir os títulos suspeitos.
Os detalhes desta história foram revelados nesta quinta-feira (30) em reportagem conjunta entre a Repórter Brasil e o CLIP (Centro Latinoamericano de Investigación Periodística), no âmbito do projeto “Lítio em Conflito”, que reuniu dez veículos da América Latina para entender as controvérsias que cercam o negócio do lítio na região. A investigação tem apoio do Rainforest Investigation Network, do Pulitzer Center.
O que dizem os clientes da Sigma sobre as suspeitas
A reportagem questionou a Sigma se comunicou seus acionistas e clientes a respeito das suspeitas envolvendo os títulos de carbono adquiridos em 2023, que à época totalizaram 59 mil toneladas de crédito. A empresa, no entanto, não respondeu a essa pergunta.
Em nota, a mineradora afirmou que não utiliza créditos de carbono desde 2024, quando decidiu reduzir as suas próprias emissões de poluentes, “substituindo os mecanismos de compensação por ações concretas de descarbonização e eficiência ambiental” (leia a manifestação na íntegra).
Não há regras claras sobre quais procedimentos devem ser adotados quando se descobrem suspeitas sobre créditos de carbono. Porém, especialistas ouvidos pela reportagem dizem que o tema deve ser tratado com transparência com clientes, investidores e consumidores.
O comprador do primeiro carregamento de lítio “zero carbono” da Sigma foi a empresa de Hong Kong Ya Hua International Investment and Development Co. Limited, uma filial do grupo Sichuan Yahua Industrial Group Co., mais conhecido como Grupo Yahua.

O grupo começou a atuar no setor de indústria química em 1952. Hoje os negócios se dividem entre explosivos civis e a cadeia produtiva do lítio — incluindo a exploração mineral, o processamento e a venda de produtos.
Assim como seu fornecedor Sigma, a Yahua atribui grande importância à redução de emissões e tem “firmado uma série de compromissos para reduzir a pegada de carbono de seus produtos”, que descreve em seu último relatório de sustentabilidade como “verdes e com baixas emissões de carbono”.
No ano passado, o grupo lançou um documento com diretrizes para reduzir sua pegada de carbono e ainda celebrou a sua certificação pelo Responsible Minerals Assurance Process, selo da Responsible Minerals Initiative baseado nas diretrizes da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) sobre a devida diligência para cadeias de abastecimento responsáveis de minerais.
Entre seus clientes estão empresas de veículos elétricos e baterias, como Tesla, BYD e CATL, maior fabricante mundial de baterias. A Yahua destaca ainda que seus produtos alcançam outras empresas do setor, como BMW e Volkswagen.
A reportagem perguntou à Yahua se a Sigma Lithium a informou que a carga de 2023 havia sido compensada com créditos de carbono de um projeto investigado pela Polícia Federal. A Yahua não respondeu até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto a manifestações.
A fabricante de baterias CATL confirmou que o Yahua Group faz parte de sua cadeia de suprimentos, mas declarou que “os materiais fornecidos à CATL pela Yahua não provêm da Sigma Lithium”. A empresa acrescentou que realiza “rigorosos protocolos de devida diligência” com fornecedores, incluindo auditorias de terceiros, inspeções no local e monitoramento contínuo dos impactos ambientais e sociais. “Até o momento, não foram detectados riscos à saúde pública ou ambientais nessas entidades, incluindo o Grupo Yahua”, acrescentou.
A BYD não respondeu quais medidas adotou para verificar a origem do lítio comprado do Grupo Yahua e garantir que não apresenta irregularidades sociais ou ambientais.
A Tesla foi procurada, mas não respondeu.

Acionistas da Sigma valorizam redução da pegada de carbono, mas não comentam suspeitas
Entre a centena de acionistas da Sigma, encontram-se principalmente gestoras globais de investimentos (asset managers) e bancos de todo o mundo. A maior investidora, com 43% das ações, é a empresa brasileira A10 Investimentos Ltda, uma gestora de investimentos representada legalmente pela presidente da Sigma, Ana Cabral, e controlada — de acordo com o relatório financeiro anual mais recente da mineradora — por Marcelo Freire da Paiva, copresidente com Cabral do conselho de administração da Sigma.
Na sequência de acionistas aparecem diversas gestoras de capital, que investem em empresas de capital aberto, como a Sigma, para incluí-las nos fundos de investimento que administram. De acordo com o desempenho na bolsa de valores, as ações geram rentabilidade para milhares de investidores privados ou institucionais, cuja identidade não é pública.
Pelo menos um desses acionistas da Sigma tem interesse declarado que seus investimentos sejam cada vez mais baixos em emissões de gases de efeito estufa: o Norges Bank Investment Management, que administra o Fundo de Pensões do governo da Noruega e, por meio dele, o maior fundo soberano de investimento do mundo.
Em seu site, a gestora da Noruega defende que todas as empresas de seu portfólio “se comprometam a alcançar a neutralidade de carbono até 2050 ou antes e alinhem suas atividades com os objetivos do Acordo de Paris”, além de que “estabeleçam metas intermediárias de redução de emissões baseadas em dados científicos”. Entre os critérios ambientais para investimentos do fundo, que possuía 2,2% das ações da Sigma em março de 2025 e era seu quarto maior acionista individual, está o de “as empresas divulgarem informações climáticas de qualidade e relevantes”.
Consultado sobre se estava ciente dos possíveis problemas de integridade ambiental dos créditos de carbono usados pela Sigma para certificar sua neutralidade de carbono em 2023, o Norges Bank Investment Management disse que “não tem nenhum comentário”.
A gestora de capitais Fitpart, que até junho aparecia como segunda maior acionista Sigma Lithium, informou que não tem mais participação no grupo.
Outros acionistas procurados pela reportagem foram o Citadel Group e a Julius Baer, que responderam o e-mail da reportagem, mas preferiram não comentar as suspeitas sobre os créditos de carbono adquiridos por Sigma. A Appian Way, a BlackRock e a Nucleo Capital não retornaram os e-mails enviados.
Esta investigação teve apoio da Rainforest Investigations Network (RIN), do Pulitzer Center

Litio em Conflito é um projeto liderado pelo Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP) em parceria com Consenso (Paraguai), La Región (Bolívia), Quinto Elemento Lab (México), Repórter Brasil (Brasil), Ruido (Argentina), Climate Tracker Latam, Dialogue Earth, Mongabay Latam e Columbia Journalism Investigations (CJI), sobre o funcionamento da indústria do lítio na América Latina. Com o apoio da equipe jurídica El Veinte.
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