DE BRUMADINHO (MG) — A mineração de ferro está de volta à região em que uma barragem da Vale, rompida em janeiro de 2019, deixou 272 mortos. Seis anos depois do maior acidente trabalhista e de um dos mais graves desastres ambientais da história do Brasil, uma comunidade teme agora que a retomada das atividades afete o abastecimento de água das casas.
A Itaminas arrendou da Vale o direito de explorar a Mina da Jangada, área contígua à do Córrego do Feijão, onde ocorreu o rompimento. A operação foi iniciada em agosto, nove meses após a assinatura do contrato. No entanto, os moradores de Jangada, que captam água de nascentes próximas à cava, têm medo de que a retomada da atividade reduza o lençol freático e contamine o abastecimento das residências.
“Depois do rompimento da barragem, nós esperávamos que houvesse um outro olhar sobre as mineradoras. Mas nada mudou. As 272 vidas foram em vão. Essa mina não poderia ter sido reaberta”, critica a professora Cátia Cruz Maia, moradora da comunidade.
A Mina da Jangada e a do Córrego do Feijão formam um mesmo conjunto de lavra, conhecido como Complexo do Paraopeba. Historicamente, seus licenciamentos tramitaram de forma conjunta. Em dezembro de 2018, 45 dias antes do rompimento, foi aprovada a licença ambiental que abrangia as duas frentes de operação.

Depois do desastre, moradores e entidades locais acionaram o MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) para questionar esses atos e pedir o fechamento definitivo das minas. O inquérito civil que apura a regularidade do licenciamento havia sido instaurado em 2016 e foi prorrogado em janeiro de 2025, diante da possibilidade de reativação com o arrendamento para a Itaminas.
Fundada em 1959, a empresa mantém operações e planta industrial em Sarzedo, cidade vizinha a Brumadinho. Em 1986, uma barragem de mineração em Itabirito operada pela Itaminas se rompeu e gerou sete mortes. No ano passado, a companhia mudou de dono. Foi vendida por Bernardo Paz, fundador do museu Inhotim, para três sócios: Rodrigo Gontijo (da AVG Mineração), Argeu Geo e Daniel Vorcaro, do Banco Master. Este último deixou a sociedade recentemente.
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Moradores temem rebaixamento do lençol freático com a volta da mineração
Para os moradores, a volta da mineração é a continuidade de um ciclo que nunca foi interrompido. “Depois de tudo que aconteceu, a gente ainda tem que lutar para ser ouvido, para que não repitam o mesmo erro. É impressionante que, em 2025, a gente esteja brigando pelas mesmas coisas”, disse Danilo Chammas, morador da comunidade e advogado voluntário da Associação Comunitária da Jangada.
“Nosso maior medo é o rebaixamento do lençol freático e que a água acabe”, afirma a professora Cátia Cruz Maia. A captação comunitária de água é feita em nascentes que ficam a cerca de dois quilômetros da cava que voltou a ser minerada pela Itaminas.
O atual sistema de captação nasceu, segundo Cátia, de um acordo com a MBR, mineradora comprada pela Vale nos anos 2000. “O meu pai conseguiu autorização da MBR para fazer essa captação dentro do terreno”, recorda. O ponto mais alto e mais distante da cava de mineração foi escolhido para reduzir o risco de contaminação do córrego. Com o tempo, a associação assumiu a gestão do sistema, encanou a água e montou a distribuição casa a casa.

Após pressão da comunidade, o MPMG determinou a contratação de uma auditoria técnica, paga pela Vale, para fiscalizar parte das medidas de reparação que a mineradora é obrigada a cumprir desde o rompimento de 2019. Diante do laudo, o Ministério Público solicitou que a auditoria indicasse os estudos necessários para garantir a segurança da Mina da Jangada.
A associação de moradores pede agora que o MPMG cobre estudos hidrogeológicos independentes e que as empresas publiquem dados de captação, qualidade da água e modelagens de rebaixamento.
O que dizem as empresas
O contrato entre a Itaminas e a Vale, com prazo de 15 anos, foi aprovado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e pela ANM (Agência Nacional de Mineração), e recebeu aval da Feam (Fundação Estadual do Meio Ambiente) em 31 de julho de 2025. O ato foi assinado por Fernando Baliani da Silva, então diretor de Gestão Regional da Feam.
Em setembro, a Polícia Federal deflagrou a Operação Rejeito, que apura corrupção em processos de licenciamento ambiental em Minas Gerais. Baliani foi alvo de mandados de busca e apreensão e, depois, acabou exonerado por determinação judicial.
Em nota, a Feam afirma que a transferência de titularidade das licenças da Mina da Jangada “observou os requisitos técnicos e jurídicos” e que não houve concessão de nova permissão, apenas a transferência das responsabilidades legais e ambientais já existentes. O órgão atesta que o processo de renovação ainda está em análise. Diz ainda que o monitoramento hídrico é uma obrigação permanente da empresa e que iniciou revisão administrativa de atos assinados por servidores investigados na Operação Rejeito.
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Também em nota, a Itaminas afirma que iniciou as operações na Jangada “em conformidade com as licenças ambientais vigentes” e que mantém “diálogo permanente” com as comunidades locais. 
O posicionamento da Vale informa que “o arrendamento da Mina de Jangada para a Itaminas foi aprovado pelos órgãos reguladores e deverá, necessariamente, observar todas as regras de licenciamento ambiental”. O texto diz ainda que a companhia permanece como responsável pelas barragens da mina arrendada. Na prática, a Vale cuida das barragens, enquanto a Itaminas assume a lavra e o beneficiamento do minério.
Leia a íntegra das respostas enviadas por Feam, Itaminas e Vale.
Moradores desconfiam da relação entre mineradoras e poder público
A Feam é a responsável por autorizar e fiscalizar barragens e atividades de mineração no estado. O novo presidente do órgão, Edson Resende, promotor aposentado do Ministério Público de Minas Gerais, foi conduzido ao cargo pelo governador Romeu Zema (Novo) em outubro.
Após a Repórter Brasil revelar que Resende prestou serviço para a Itaminas e acompanhou reunião da empresa na sede do MPMG, dias antes de sua nomeação, moradores da comunidade apontam possível conflito de interesse.
“Considero ele (Resende) suspeito para tomar decisões sobre esse projeto”, afirma o advogado Danilo Chammas.

Procurada, a Feam informou que a nomeação de Edson Resende se baseou em sua trajetória de mais de 30 anos no Ministério Público e que, após a aposentadoria, ele exerceu consultoria jurídica por período limitado, dentro da lei. O órgão afirmou ainda que Resende acompanhou a diretoria da Itaminas em uma visita institucional, sem representá-la formalmente, e que se desligou de seu escritório antes de assumir o cargo.
A Itaminas afirma que não tem mais contrato com o presidente da Feam.
Procurada para comentar participação de Resende em uma reunião no MPMG, a assessoria de imprensa do órgão afirmou que a atuação de seus membros em processos ou inquéritos é pautada pela “independência funcional, pela ética e pelo estrito cumprimento da lei, independentemente de a parte envolvida ser pessoa pública ou ex-integrante da instituição”.
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Em setembro, a Associação Comunitária da Jangada enviou ofício ao MPMG relatando ausência de resposta e falta de retorno efetivo sobre o inquérito civil que apura a legalidade da mineração.
A associação cobra informações sobre as diligências e pede urgência, já que a mina se encontra em operação desde o início de agosto. O documento destaca que os moradores solicitaram reunião presencial com os promotores e aguardavam retorno havia mais de 60 dias.
“De um lado estão Vale, Itaminas, o governo estadual e a prefeitura. Até o Ministério Público, que a gente não considerava do lado deles, parece que também está. Então, é muito injusta a nossa luta, não é?”, questiona Cátia.
A professora Cátia relata que os moradores tentam há três meses uma reunião com o prefeito de Brumadinho, Gabriel Parreiras (PRD), sem sucesso. A reportagem procurou a assessoria de comunicação da prefeitura e também o prefeito, por mensagem de WhatsApp, mas não recebeu resposta.

Impactos do desastre na comunidade da Jangada
“Um inferno. O barulho era infernal o dia inteirinho”, descreve Meiry Aparecida Cruz Pires, presidente da Associação Comunitária da Jangada, ao recordar os meses seguintes ao rompimento da barragem de mineração de ferro da Vale em 2019, quando helicópteros, ambulâncias, carros do IML e veículos ligados à mineração cruzavam a via (à época, sem asfalto) em frente às casas.
Ela se lembra da poeira constante, da dificuldade de acesso e da falta de atendimento médico suficiente. “O dia inteirinho o helicóptero passava aqui em cima”, destaca.
Moradores relatam que, desde então, o trânsito na região não voltou ao padrão anterior. “A Jangada foi linha de frente. Vimos as pessoas que morreram passar por nós tanto de helicóptero quanto de ambulância”, lembra Camila Moreira, liderança local.
Ela relata que, embora bairros como Tejuco e Parque da Cachoeira tenham sido reconhecidos como “zona quente”, mais suscetíveis a impactos causados por eventuais rompimentos de barragem, a Jangada não recebeu a mesma classificação.
Para Camilia, o receio de perder a água se soma à preocupação com a qualidade Ela cita, um estudo conduzido por Fiocruz e UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), de 2021, que apontou exposição elevada a metais em adultos, adolescentes e crianças. Entre os achados, houve proporções elevadas de arsênio (em urina) e manganês (em sangue) acima dos valores de referência, além de registros de chumbo elevado em parte das amostras.
“A única medida de reparação que a gente quer é que as mineradoras deixem definitivamente o Complexo Paraopeba. Parem toda exploração desse lugar”, afirma Carolina de Moura, ex-presidente da associação de moradores e atual coordenadora do Instituto Cordilheira, uma entidade de defesa do meio ambiente.
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