Justiça no RS obriga JBS Aves a tomar medidas contra trabalho escravo em granjas

Decisão liminar da Vara do Trabalho de Soledade (RS) obriga JBS a adotar 17 medidas para monitorar granjas fornecedoras; caso gerou crise no Ministério do Trabalho e pedidos de dispensa feitos por auditores fiscais contra ato do titular da pasta, Luiz Marinho
Por Carlos Juliano Barros

UMA LIMINAR (decisão provisória) da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul, publicada na terça-feira (30), determina que a JBS Aves adote uma série de ações para coibir casos de trabalho escravo na apanha de frangos em granjas fornecedoras. A empresa faz parte do grupo JBS, maior processador de proteína animal do mundo.

A medida de primeira instância, e da qual a companhia pode recorrer, atende a um pedido do MPT (Ministério Público do Trabalho). O órgão move uma ação civil pública contra a JBS Aves e pede uma indenização de R$ 20 milhões por danos morais coletivos — em dezembro do ano passado, uma fiscalização do governo federal autuou uma granja fornecedora por trabalho escravo em Arvorezinha, a 200 quilômetros da capital gaúcha. Em abril deste ano, a JBS também foi responsabilizada.

Além da disputa judicial, o caso vem gerando uma crise no MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), pasta comandada por Luiz Marinho, um dos mais próximos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Em 18 de setembro, Marinho “avocou” (chamou) para si próprio a decisão sobre a inclusão da JBS na chamada Lista Suja do trabalho escravo — cadastro oficial do governo federal que torna públicos os dados de empregadores responsabilizados por essa prática.

Em protesto contra o ato de Marinho, 19 auditores fiscais do MTE deixaram cargos de coordenação regional de combate ao trabalho escravo em todo o país, na última quinta-feira (25). A falta de um coordenador regional não inviabiliza, mas prejudica e atrasa o planejamento de operações de resgate de trabalhadores e a articulação com outros órgãos públicos envolvidos nessas ações, como PF (Polícia Federal) e MPT.

Em nota, a assessoria de imprensa da JBS afirmou que os autos de infração aplicados pelos auditores fiscais do MTE ainda estão em discussão na esfera administrativa, “sem conclusão definitiva”, e que a empresa tem “tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”.

O posicionamento informa ainda que a granja não trabalhava com exclusividade para a Seara, marca da JBS Aves. “A Companhia imediatamente encerrou o contrato e bloqueou o prestador assim que tomou conhecimento das denúncias. Adicionalmente, a Seara contratou uma auditoria externa para checagem da documentação dos trabalhadores de empresas terceiras, bem como intensificou a auditoria interna, com análise e verificação diária de todas as condições da prestação de serviços de apanha realizada por terceiros”, continua a nota.

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Por que a JBS Aves foi responsabilizada por trabalho análogo ao de escravo no RS

Em dezembro de 2024, uma inspeção realizada por auditores fiscais do MTE resgatou dez trabalhadores, entre 21 e 33 anos, de uma granja no interior do Rio Grande do Sul. 

Segundo os responsáveis pelo flagrante, o grupo se dedicava à apanha de aves e estaria submetido a jornadas exaustivas, de até 16 horas diárias. Os trabalhadores teriam se alimentado de frangos descartados por estarem supostamente fora do padrão da JBS. 

Ainda segundo a fiscalização, um dos alojamentos teria ficado sem água por ao menos duas semanas, obrigando trabalhadores a recorrer a um poço para cozinhar e realizar a higiene pessoal. De acordo com os auditores do MTE, alguns trabalhadores chegaram a ser encaminhados a um hospital, com sintomas de esgotamento físico. 

Trabalhador da MRJ em granja: caso em empresa terceirizada levou JBS Aves a ser autuada por trabalho escravo (Foto: MTE)
Caso em granja fornecedora levou JBS Aves a ser autuada por trabalho escravo (Foto: Divulgação/MTE)

Além disso, o MTE identificou a submissão dos resgatados a condições degradantes e a trabalhos forçados mediante a imposição de dívidas ilegais decorrentes de despesas com transporte e alimentação

Originalmente, os trabalhadores foram contratados por uma terceirizada. No entanto, o MTE considerou a unidade da JBS Aves de Passo Fundo (RS) a “principal responsável” pelas infrações que caracterizariam a exploração de mão de obra em condições análogas às de escravo, já que a companhia exerceria controle total sobre a operação da apanha de frango.

De acordo com auditores fiscais do MTE, trabalhadores estariam submetido a jornadas exaustivas, de até 16 horas diárias (Foto: Divulgação/MTE)
De acordo com auditores fiscais do MTE, trabalhadores estariam submetido a jornadas exaustivas, de até 16 horas diárias (Foto: Divulgação/MTE)

O que diz a liminar concedida pela Justiça do Trabalho contra a JBS

A liminar concedida pelo juiz José Renato Stangler, da Vara do Trabalho de Soledade (RS), estabelece 17 obrigações imediatas à JBS Aves.

Segundo a decisão, a empresa fica responsável por garantir que trabalhadores diretos ou terceirizados da cadeia de produção tenham garantidos direitos previstos em lei. Além de fornecer água potável e alojamentos adequados, a companhia fica obrigada a monitorar o cumprimento de normas de saúde e segurança, como o fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual).

A liminar determina ainda que a JBS Aves também dimensione adequadamente o tamanho das equipes para assegurar o número mínimo de trabalhadores para respeitar limites de jornada e evitar sobrecarga física nas granjas. 

Segundo a decisão da Vara de Soledade, o descumprimento das obrigações pode ser punida com multas de R$ 10 mil a R$ 300 mil por ocorrência.

Segundo a fiscalização, um dos alojamentos teria ficado sem água por ao menos duas semanas, obrigando trabalhadores a recorrer a um poço para cozinhar e realizar a higiene pessoal (Foto: Divulgação/MTE)
Segundo a fiscalização, um dos alojamentos teria ficado sem água por ao menos duas semanas, obrigando trabalhadores a recorrer a um poço para cozinhar e realizar a higiene pessoal (Foto: Divulgação/MTE)

Medida de Marinho foi alvo de críticas por risco de ‘politização’ de decisão técnica

A decisão de Luiz Marinho de barrar a entrada da JBS Aves na Lista Suja do trabalho escravo, até que o próprio ministro do Trabalho emita um parecer final, foi alvo de críticas de autoridades e entidades dedicadas ao combate ao trabalho escravo.

Pelas regras atuais, pessoas físicas e jurídicas autuadas pelos auditores fiscais do MTE podem se defender em duas instâncias administrativas, antes de terem seus nomes incluídos na Lista Suja. Desde novembro de 2003, quando o cadastro foi criado, uma “avocação” por um ministro do Trabalho nunca havia acontecido. 

“Estamos diante de um precedente extremamente perigoso: empresas com grande porte econômico podem ter seus casos de trabalho escravo retirados da esfera técnica e transferidos para negociação política. Isso institucionaliza a impunidade seletiva e corrói toda a credibilidade do sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil”, afirmou Luciano Aragão, procurador do MPT (Ministério Público do Trabalho), em entrevista à Repórter Brasil

O artigo 648 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) permite que o titular do Ministério do Trabalho tenha a palavra final sobre o assunto, mas isso bate de frente com tratados internacionais que o Brasil já ratificou, segundo Luciano Aragão.

Brasília (DF), 28/03/2025 - O Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, apresenta os dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged) referentes ao mês de fevereiro de 2025. Foto: José Cruz/Agência Brasil
O Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, ‘avocou’ para si mesmo a decisão sobre a entrada da JBS na Lista Suja do trabalho escravo do governo federal (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

“A avocação pelo ministro do Trabalho do processo administrativo contra a JBS por trabalho escravo representa grave violação à Convenção 81 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que garante a independência técnica da fiscalização trabalhista”, disse o procurador do MPT.

Em nota enviada à reportagem, o MTE afirmou que “a avocação é um instrumento previsto em lei, não possui caráter inédito ou exclusivo e tampouco se fundamenta no porte da empresa”. Segundo o posicionamento, “trata-se da análise, pela autoridade competente, de atos administrativos sob sua responsabilidade, com a prerrogativa legal de revê-los”.

Nota da redação: o texto foi alterado às 18h para informar que a fiscalização de dezembro de 2024 autuou a granja fornecedora da JBS Aves. A responsabilização da JBS Aves pelo MTE aconteceu em abril de 2025

Leia também




APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM

Assine nossa newsletter!

Receba o conteúdo da Repórter Brasil direto na sua caixa de email.
Assine nossa newsletter.