Violência no campo

Acusado pelo assassinato de Welbert se entrega à polícia

Divo Ferreira é acusado de ter realizado o disparo que tirou a vida do trabalhador rural na área de fazenda da Agropecuária Santa Bárbara, ligada a Daniel Dantas
Por Guilherme Zocchio
 03/09/2013

Divo Ferreira, principal acusado de ter realizado o disparo que matou o trabalhador rural Welbert Cabral Costa, foi preso na noite dessa segunda-feira, dia 2, após se entregar à delegacia da Polícia Civil em São Félix do Xingu, no sul do Pará (PA). Acompanhado de um advogado, o suspeito se apresentou às autoridades com um revólver calibre .38, mesma arma que teria sido usada para assassinar a vítima na portaria da Fazenda Vale do Triunfo, situada na zona rural da região. A área é de propriedade da Agropecuária Santa Bárbara, empresa ligada ao Grupo Opportunity, que tem entre os acionistas o banqueiro Daniel Dantas.

Suspeita segura a arma que teria sido usada no crime (Foto: Polícia Civil do Pará / Divulgação)
Suspeito segura a arma que teria sido usada no crime (Foto: Polícia Civil do Pará / Divulgação)

Para o delegado Lenildo Mendes dos Santos, responsável por investigar o caso, Divo Ferreira se entregou após as buscas e as investigações terem se intensificado. “Após perceber o cerco da Polícia Civil se fechando, o foragido não aguentou a pressão e se apresentou com o advogado”, afirma. O cúmplice do acusado de ter feito o disparo, Maciel Nascimento, porém, continua foragido. A expectativa dos policiais é de que ele seja detido nos próximos dias. Assim como Welbert, ambos os suspeitos eram funcionários da Agropecuária Santa Bárbara. Os dois tinham mandado de prisão expedido pela Justiça. Os policiais suspeitam ainda da possibilidade de envolvimento no assassinato do trabalhador rural de funcionários de alto escalão da Agropecuária Santa Bárbara. No início das investigações, o delegado Lenildo referendou a hipótese. “Imaginamos que os mandantes podem ser pessoas de alto escalão”, disse.

Welbert Cabral Costa estava desaparecido desde o dia 24 de julho, quando teria sido assassinado depois de reclamar direitos trabalhistas em frente à Fazenda Vale do Triunfo, onde trabalhara. Ele havia se afastado do serviço devido a um acidente, e, segundo o depoimento de familiares da vítima à polícia, não teria recebido um valor de R$ 18 mil referente a indenizações trabalhistas. O trabalhador rural, naquele dia, teria ido à propriedade da Agropecuária Santa Bárbara para cobrar esse dinheiro. Com a entrada barrada na porteira da área, após uma longa discussão, Divo Ferreira teria aparecido na companhia de Maciel Nascimento, executado o trabalhador com um tiro na nuca e, depois, tentado esconder o cadáver em meio ao matagal da região. Segundo a empresa, Welbert estaria com contrato suspenso e recebendo a remuneração pelo INSS, bem como já teria tido integralmente quitada qualquer pendência financeira.

A própria família da vítima iniciou as primeiras investigações sobre o assassinato, ao notar a falta do trabalhador, que deveria estar de volta em casa no dia seguinte, 25 de julho, e abriu um boletim de ocorrência. Após a denúncia do crime por parte de organizações e movimentos sociais da região, as autoridades policiais intensificaram a apuração do caso. Há cerca de duas semanas, em 22 de agosto, a Equipe Caveira, da Polícia Civil, encontrou os restos mortais da vítima, enquanto seguia atrás dos responsáveis. O corpo de Welbert foi reconhecido pelo irmão. Por estar amarrado, levantou-se a suspeita de que o cadáver teria sido deslocado após o caso ter ganho repercussão.

Portaria de entrada, mesmo local onde o trabalhador teria sido assassinado (Foto: Divulgação)
Portaria de entrada, mesmo local onde o trabalhador teria sido assassinado (Foto: Divulgação)

Santa Bárbara
Em nota, a Agropecuária Santa Bárbara alega que “não tem qualquer ligação com o caso e tem interesse de que os fatos sejam esclarecidos na maior brevidade possível”. A empresa também diz que “não coaduna, não avaliza, não acoberta e não aprova qualquer atitude ilícita” e que “colaborou, está colaborando e continua à disposição das autoridades policiais”. Fundada em 2005, a companhia é uma das maiores do ramo da pecuária de corte no Brasil. Com relevante participação acionária do Grupo Opportunity, ligado ao banqueiro Daniel Dantas, possui, de acordo com suas próprias informações, mais de meio milhão de cabeças de gado, distribuídas entre seus 500 mil hectares de terra, uma área equivalente a três vezes o município de São Paulo.

Em 2009, o Ministério Público Federal processou a empresa pelo desmatamento ilegal de 51 mil hectares, cobrando R$ 863,4 milhões (valor corrigido pelo IPCA) em indenizações. Três anos depois, uma operação libertou cinco trabalhadores mantidos em condições análogas às de escravos em uma fazenda do grupo. No mesmo ano, famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que estavam acampadas em frente a uma fazenda do grupo em Eldorado dos Carajás (PA) protestando contra a grilagem de terras, o trabalho escravo e o uso excessivo de agrotóxicos tiveram de deixar o local depois que seguranças da área atiraram contra os manifestantes.

O Grupo Opportunity e Daniel Dantas, por sua vez, aparecem, entre outros episódios, na Operação Satiagraha, deflagrada no começo de 2004 para investigar um grande esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verbas públicas. Além disso, a região, no sul do Pará, é conhecida por casos de pistolagem, frequentes ameaças a trabalhadores e lideranças políticas e notórios assassinatos de camponeses.

Diligência polícia ocorrida por área da Fazenda Vale do Triunfo (Foto: Divulgação)
Diligência polícia ocorrida por área da Fazenda Vale do Triunfo (Foto: Divulgação)

Sul do Pará
A região onde ocorreu o crime, na porção sul do Pará, é reconhecida como uma das mais violentas do país. Por lá, foi assassinada a Irmã Dorothy Stang e, em 2011, o casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, importantes lideranças políticas ligadas à defesa do meio ambiente. Nos limites da Amazônia legal, a área também se destaca pela produção de gado associada ao desmatamento ilegal, bem como apresenta considerável concentração fundiária que, frequentemente, repercute em reivindicações pela reforma agrária. Em 17 de abril de 1996, durante uma ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) um grupo de 19 agricultores foi assassinado na região. Conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, o episódio deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a ocupação de uma rodovia realizada pelo MST.

Do total de casos de violência rural no Brasil durante o ano passado, conforme informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no último relatório da organização sobre conflitos no campo, o Pará também foi o segundo estado do país com mais homicídios relacionados à disputa pela terra. Foram, ao todo, seis casos aferidos em 2012.

De acordo com outro relatório da CPT, entre 1996 e 2010 799 trabalhadores rurais foram presos, 809 foram ameaçados de morte e 231 assassinados no Estado. Nesse mesmo período, 31.519 famílias foram despejadas ou expulsas de 459 áreas que eram reivindicadas para assentamentos da reforma agrária. Segundo a instituição, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no ano passado eram 130 fazendas ocupadas por 25 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra na região, uma disputa de mais de um milhão de hectares. Para a organização, as causas estruturais das ameaças envolvem o “desmonte da reforma agrária”, a “impunidade” e a “ineficiência na defesa do meio ambiente”.

*com a colaboração de Stefano Wrobleski e informações do Blog do Sakamoto

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