NA SEMANA PASSADA, convidamos você a ler (ou reler) algumas das nossas principais investigações de 2025.
Hoje a gente fecha esse ciclo com um outro tipo de retrospectiva: o que mudou depois que essas reportagens ganharam o mundo. Às vezes, é um pano retirado de um altar de igreja. Noutras, é um conteúdo que sai do ar. Em alguns casos, uma instituição se posiciona, um órgão público abre uma investigação, um debate começa a acontecer. Independentemente do tamanho do impacto, para a gente isso é a certeza de que estamos fazendo o nosso trabalho.

No começo do ano, por exemplo, o repórter Daniel Camargos mostrou como a homenagem a Dorothy Stang e a outros trabalhadores mortos em conflitos pela terra em Anapu (PA), na Igreja Santa Luzia, havia sido coberta por uma cortina bege. Depois da reportagem, o pano foi retirado. A missionária católica norte-americana foi assassinada com seis tiros em 12 de fevereiro de 2005 — um crime que chocou o mundo.
Anapu segue entre as cidades mais violentas da região e é palco de centenas de conflitos fundiários. O município ocupa o 13º lugar no ranking de mortes violentas intencionais nas cidades da Amazônia Legal, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Desde o assassinato de Dorothy, outras 21 pessoas foram mortas por questões ligadas à terra, de acordo com a CPT (Comissão Pastoral da Terra).
Falando em terra, uma de nossas reportagens levou o Incra a revisar os cadastros dos assentados no Tapurah/Itanhangá, um dos maiores assentamentos do país, no norte do Mato Grosso. Encontramos de influencer de luxo a fazendeiro já processado pelo próprio Incra ocupando o lugar de pessoas, de fato, sem terra.
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Em fevereiro, olhamos para a disputa em outro espaço — as plataformas. A repórter Isabel Harari mostrou como existe um mercado paralelo de instruções para colocar crianças e adolescentes para trabalhar como entregadores de aplicativos. Depois dos nossos questionamentos e da publicação, o TikTok derrubou vídeos e até um perfil que ensinavam a driblar cadastros para atuar em apps de entrega.
Começamos a investigar as relações entre trabalho infantil e a indústria de tecnologia ainda em 2024. Um ano depois, a série foi contemplada com o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos de 2025, na categoria “produção jornalística em texto”, uma das mais prestigiadas do jornalismo brasileiro. A série questiona as barreiras entre as big techs e o trabalho infantil — e, prêmio à parte, nos alegra saber que esses textos têm ajudado a ampliar o debate.
Também em fevereiro, atravessamos o oceano e uma investigação nossa levou ambientalistas a pressionarem o time de rugby inglês Saracens sobre suas relações com seu patrocinador, a StoneX. A Repórter Brasil, em parceria com o TBIJ (The Bureau of Investigative Journalism), mostrou que a empresa tem em sua rede de fornecedores de ouro cooperativas de garimpeiros autuadas por desmatamento ilegal e uso irregular de mercúrio, além de áreas de garimpo às margens de unidades de conservação na Amazônia. A companhia está entre as 15 maiores do setor financeiro nos Estados Unidos.
Em março, analisamos as críticas de especialistas e autoridades à parceria do governo com a Coca-Cola em cozinhas solidárias. A repórter Hélen de Freitas mostrou como esse tipo de iniciativa pode virar “socialwashing”, quando uma marca se apropria de uma política pública para reforçar reputação. Dias depois, veio a reação institucional: o Consea-MG (Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável) publicou uma nota de repúdio, dando contorno oficial a um desconforto que, até então, circulava mais como alerta de bastidor.

Em abril, depois que revelamos inconsistências na “revolução verde” da JBS, a organização Mighty Earth citou nosso trabalho em uma notificação formal à Bolsa de Nova Iorque (NYSE), argumentando contra a listagem de papéis da empresa no país.
Na parceria entre a Repórter Brasil, o jornal britânico The Guardian e a Unearthed (braço investigativo do Greenpeace), ouvimos mais de 35 fazendeiros e profissionais do setor em três viagens pelas principais regiões onde a JBS compra bois na Amazônia. Entre eles, pecuaristas e líderes de associações que representam milhares de fazendas no Pará e em Rondônia. Eles relataram que a promessa da companhia de eliminar o desmatamento em sua cadeia produtiva até o fim de 2025 estaria distante do que acontece de fato no campo.
Há anos, a maior produtora de proteínas do mundo tentava ver suas ações listadas na bolsa norte-americana. Escândalos de corrupção envolvendo os irmãos Wesley e Joesley Batista — acionistas da J&F Investimentos, controladora da companhia — adiaram os planos da multinacional. Em junho, a JBS conseguiu, enfim, entrar na bolsa nos Estados Unidos.
Também em abril, outro tema que parecia distante do cotidiano entrou na agenda com força: o avanço dos data centers — e seus custos invisíveis. Nossa investigação revelou que, em plena operação, o “Scala AI City”, mega complexo em projeto no interior do Rio Grande do Sul, deve ter um consumo de energia na casa dos 4,75 GW. É mais do que a capacidade de geração da quarta maior hidrelétrica do Brasil, a usina de Jirau (3,7 GW), no rio Madeira (RO), que fornece energia elétrica para 40 milhões de pessoas.
Depois da reportagem “Cidade de data centers’ no RS pode gastar mais energia que 40 milhões de pessoas”, escrita por Naira Hofmeister e Isabel Harari, o governo federal publicou uma portaria reconhecendo a viabilidade energética do empreendimento, e o ramo “data centers” foi incluído nas regras do licenciamento ambiental do Rio Grande do Sul.
Outros veículos repercutiram a apuração e o Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS abriu debate público durante a Semana do Meio Ambiente, sinalizando que o projeto não trata apenas de infraestrutura e tecnologia, mas de escolhas políticas sobre território, recursos e impactos.
A reportagem também recebeu menção honrosa no prêmio Mosca, do Livre.Jor, que destacou como o texto evidencia impactos reais — inclusive o modo como danos ambientais dessa nova fase da tecnologia tendem a ficar na periferia global, enquanto o lucro do processamento se concentra nas sedes das multinacionais.
Já em Minas Gerais, outro megaempreendimento precisou ser revisto após reportagem de Daniel Camargos. Um decreto do governador Romeu Zema autorizava a desapropriação de 261 hectares para o depósito de rejeitos de minério de ferro pela CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), em Congonhas (MG). Oficiais de Justiça já haviam iniciado a contagem do prazo para moradores da comunidade Santa Quitéria, localizada a 100 metros do futuro depósito, deixarem suas casas.

Após a reportagem sobre a ameaça de desapropriação, a comunidade se mobilizou e foi reconhecida como remanescente de quilombo — e, depois, oficialmente, como quilombola. O registro abre caminho para proteção jurídica e acesso a políticas públicas que podem barrar ou, ao menos, exigir maior participação e avaliação dos impactos de grandes projetos, como o da CSN. Na prática, isso significa que qualquer medida de remoção passa a exigir consulta prévia à comunidade, além de garantir direitos específicos de proteção ao modo de vida tradicional local.
Mudando de minérios para o nosso sagrado cafezinho: a editora Poliana Dallabrida foi à Colômbia para conferir as condições de vida e trabalho de quem colhe um dos grãos mais valorizados do mundo. No papel, as fazendas exibiam selos como Fairtrade, Rainforest Alliance, 4C e C.A.F.E. Practices. Nas lavouras, a história era outra: jornadas longas, alojamentos improvisados e superlotados. A informalidade é quase regra e pode superar 80% no setor, segundo uma pesquisa da OIT de 2022.
Essas são algumas das descobertas do relatório “Colômbia: o trabalho precário na colheita do melhor café do mundo”. Em junho, após a publicação, a certificadora Fairtrade fez uma declaração pública valorizando a investigação e se posicionando sobre as condições dos trabalhadores: “Prestamos homenagem ao trabalho do Repórter Brasil, cuja pesquisa jornalística torna visíveis importantes queixas”.
Já a certificadora Rainforest Alliance afirmou que faria uma nova auditoria em fazendas certificadas na Colômbia. No Brasil, a empresa também retirou o selo de uma produtora após a reportagem questionar a inclusão das Fazendas Klem na Lista Suja do trabalho escravo. Criada em 2003, a Lista Suja torna públicos os dados de empregadores responsabilizados por trabalho análogo ao de escravo.
Falando em trabalho escravo, em junho dois trabalhadores foram resgatados de situação análoga à escravidão em uma fazenda que fornecia leite para a Laticínios Tirol. Depois de ser indagada pelo repórter Murilo Pajolla, a companhia cortou o produtor da lista de fornecedores.
Em julho, uma reportagem sobre ciência e conflito de interesses teve consequência dentro da própria universidade. Documentos obtidos com exclusividade pela jornalista Hélen Freitas detalham como a Aprosoja-MT financiou e participou diretamente de etapas cruciais de pesquisas realizadas na Unicamp sobre a exposição de trabalhadores rurais a dois agrotóxicos populares: glifosato e paraquate.
A associação teria selecionado trabalhadores para o estudo, indicado laboratórios responsáveis pela coleta de amostras de urina em campo e cuidado da logística de envio do material à universidade. Depois da publicação, o conselho universitário da Unicamp manteve a punição ao professor citado, com suspensão e restituição de valores.
Já em agosto, o BNDES suspendeu um financiamento de R$ 500 milhões à Três Tentos Agroindustrial após o resgate de 563 trabalhadores em condições análogas às de escravo no canteiro de obras de uma usina de etanol de milho da companhia, em Porto Alegre do Norte (MT) — o maior resgate do ano. A obra contou com investimento do banco e com recursos do Fundo Clima, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, como mostrou a repórter Daniela Penha.

Meses depois, o banco também notificou a FS Indústria de Biocombustíveis, após ser informado pela Repórter Brasil que um sócio e fornecedor da empresa foi autuado pelo Ibama por plantio irregular em 5,3 mil hectares na Terra Indígena Batelão, em Tabaporã (MT).
No segundo semestre, o impacto também apareceu em decisões políticas que, sem pressão, teriam passado despercebidas. Em setembro e outubro, mostramos o descontentamento de lideranças Kayapó com a nomeação de um familiar do senador bolsonarista Zequinha Marinho no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Kayapó do Pará. Após a publicação e a pressão de vozes como o cacique Raoni, o governo Lula exonerou Casemiro Marinho do cargo.
Em novembro, passamos pelo furacão COP30, que reuniu lideranças do mundo todo para tentar evitar o colapso climático. Enquanto os olhos de boa parte da imprensa estavam voltados para a Zona Azul, nossa reportagem olhou para quem ajudava a colocar o evento de pé.
Mostramos trabalhadores terceirizados sem refeitório, comendo sentados no chão perto de banheiros e sob calor excessivo. Depois da denúncia, o Ministério Público do Trabalho do Pará instaurou notícia de fato e exigiu adequações — lembrando que megaeventos não podem funcionar à base de precarização.
No mesmo mês, publicamos uma reportagem mostrando como áreas de exploração de petróleo e gás afetam mais de 320 mil km² de terras indígenas na bacia amazônica. Ao todo, 567 blocos impactam direta ou indiretamente uma área indígena equivalente ao estado do Maranhão. O levantamento foi usado em um estudo da Coiab, reforçando como dados organizados e jornalismo de base podem virar ferramenta para ações diretas de organizações indígenas.
Porém, nem todos os impactos deste ano nasceram em 2025. Desde 2021, a Repórter Brasil investiga o uso crescente de escavadeiras em garimpos ilegais na Amazônia. Em outubro daquele ano, por exemplo, mostramos como máquinas de marcas como Caterpillar, Volvo e Hyundai foram apreendidas em operações da Polícia Federal e do Ibama.
Em junho do ano passado, levantamos que 90 escavadeiras foram apreendidas entre abril de 2023 e abril de 2024 em terras indígenas e unidades de conservação. No mês seguinte, mostramos que revendedores em Itaituba (PA) continuavam a comercializar escavadeiras, mesmo após denúncias de uso ilegal.
Agora, a Advocacia-Geral da União propôs ao Conselho Nacional do Meio Ambiente a criação de um cadastro nacional com informações sobre posse e propriedade de escavadeiras hidráulicas para conter o avanço do garimpo ilegal, especialmente em terras indígenas. Caso a recomendação seja aceita, a regra exigirá dados detalhados dos proprietários e incluirá informações sobre empresas vendedoras e apreensões realizadas por órgãos ambientais, para facilitar a fiscalização do comércio dessas máquinas.

Para encerrar o ano, em dezembro o Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural publicou a Resolução nº 108/2025, que define condições socioambientais para apólices contratadas pelo Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural. A norma entra em vigor em 1º de abril de 2026 e valerá apenas para apólices emitidas a partir dessa data.
O mercado de seguros rurais na América Latina está em expansão e, em 2023, foi o que mais cresceu no mundo. A Repórter Brasil foi pioneira em investigações que mostraram como a venda de seguro rural subsidiado carecia de regras claras de monitoramento socioambiental.
Nossas apurações mostraram que multinacionais assinaram contratos para proteger fazendas onde autoridades detectaram desmatamento ilegal e proibiram atividade produtiva. Também revelamos casos de propriedades seguradas sobrepostas a territórios de populações indígenas e contratos firmados com produtores flagrados utilizando mão de obra análoga à escravidão.
Obrigada a quem nos acompanhou em 2025 e seguimos juntos em 2026.