Rio de Janeiro – A divulgação de números que indicam o recrudescimento do desmatamento na Amazônia após quatro anos consecutivos de queda e a expectativa gerada pelo inevitável aumento das emissões de gases de efeito estufa com o início da produção de petróleo e gás no Pré-Sal já a partir do ano que vem puseram o Brasil no centro das atenções da décima nona edição da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-19), encerrada sábado (23) em Varsóvia, na Polônia. A conferência foi marcada pelo debate sobre a influência da exploração, produção e queima de combustíveis fósseis no agravamento do aquecimento global e logrou tímidos avanços nas negociações que, segundo o cronograma estabelecido pela ONU na Plataforma de Durban, devem desembocar em um acordo global e com metas obrigatórias de redução das emissões para todos os países a ser concluído em 2015 e adotado a partir de 2020.
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Em uma discussão ainda bloqueada pelas divergências entre países ricos e países em desenvolvimento, o Brasil é protagonista das negociações climáticas há quatro anos, desde que, durante a COP-15 realizada em Copenhague, na Dinamarca, se comprometeu a reduzir voluntariamente até 2020 seus índices de emissão entre 36,1% e 38,9% em relação a 2005. Em junho, o governo brasileiro anunciou já ter atingido 62% da meta assumida, o que aumentou seu prestígio frente aos interlocutores na ONU. Mas, a confirmação, às vésperas da COP-19, do aumento de 28% no desmatamento da Amazônia no período entre agosto de 2012 e julho de 2013 e as expectativas negativas, do ponto de vista do aumento das emissões, em relação à produção no Pré-Sal colocaram o governo brasileiro na berlinda durante a conferência realizada na capital polonesa.
Com a discussão sobre combustíveis fósseis na ordem do dia em Varsóvia, as descobertas no pré-sal e o papel da Petrobras como empresa emissora de gases-estufa em um futuro próximo foram objeto de alguns debates, mas o
governo brasileiro tratou de neutralizar as críticas ao posicionar a questão energética como fundamental para o desenvolvimento econômico do país. Durante um evento paralelo à COP-19, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) divulgou um relatório que aponta a exploração de combustíveis fósseis como responsável por um aumento de 3,5% na média anual de emissões de CO2 decorrentes da matriz energética brasileira. A queima de óleo e carvão para produzir energia nas usinas termelétricas é a grande vilã das emissões brasileiras no setor e, segundo o relatório Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil, elaborado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, já atingiu o patamar de 400 milhões de gigatoneladas.
Em relação à perda de florestas, o governo brasileiro lembrou na COP-15 que os 5.843 quilômetros quadrados desmatados no último período analisado, embora representem uma área devastada maior do que a registrada no período imediatamente anterior (4.571 km²), significam o segundo menor nível de desmatamento desde 1988. O pico do desmatamento da Amazônia aconteceu em 2004, quando foram derrubados 27.772 km² de floresta, mas, desde 2009, a área desmatada a cada ano é inferior a 8 mil km².
Veja a evolução do desmatamento no gráfico abaixo (atualize a página se não conseguir visualizá-lo):
A posição brasileira foi defendida pela delegação governamental comandada pelos ministros Luiz Alberto Figueiredo (Relações Exteriores) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente), e o governo contou ainda com a ajuda de um estudo da revista “Science”, amplamente divulgado em Varsóvia, que elogia o país “pela significativa redução do índice de desmatamento na Amazônia na última década”.
Resultados
Para evitar o colapso total das negociações em torno da Plataforma de Durban, foi aprovado no último dia da COP-19 um “Plano de Ação” que estabelece um cronograma de negociações até 2015. Para que o texto final do plano fosse aprovado por consenso como determinam as regras da conferência, no entanto, dele foi retirada qualquer menção a metas obrigatórias de redução das emissões de gases-estufa, o que, na prática, torna o documento apenas mais um exercício retórico produzido no âmbito das negociações climáticas da ONU. Na mudança mais emblemática, o termo “compromisso” foi substituído pelo termo “contribuição” a cada vez que aparecia no texto. Assim, embora em Varsóvia, como nas COPs anteriores, nenhum país tenha assumido qualquer meta obrigatória, as negociações para 2015 permanecem vivas, ainda que respirando por aparelhos.
O principal efeito paralisante nas negociações multilaterais resta sendo o debate em torno do conceito de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, estabelecido na Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU. Segundo este conceito, os países mais industrializados, grandes responsáveis históricos pelas emissões de gases-estufa, devem responder com um maior esforço no combate ao aquecimento global, enquanto os países mais pobres e em desenvolvimento teriam uma maior liberdade para continuar emitindo e poderem se desenvolver. Esta tese perdeu força desde que a China ultrapassou os Estados Unidos como maior emissor mundial de gases-estufa, e mais uma vez foram os governos dos dois países os protagonistas da queda de braço que ainda ameaça os objetivos traçados para 2015.
Alinhado aos países em desenvolvimento agrupados no G-77, o Brasil apresentou em Varsóvia uma proposta com o intuito de pôr fim ao jogo de empurra entre ricos e pobres no que diz respeito a suas responsabilidades pelo aquecimento global: a criação de um mecanismo para que cada país possa quantificar com exatidão o quanto já emitiu individualmente ao longo do tempo. Esse mecanismo de medição, segundo a proposta, seria elaborado pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês). A estimativa serviria para calcular a meta de cada país de acordo com suas responsabilidades, e o governo brasileiro sugeriu a adoção de uma metodologia próxima à utilizada pelos países para medir seu Produto Interno Bruto (PIB). Mas a proposta do Brasil foi rechaçada pela maioria dos negociadores internacionais. Na linha de frente das críticas, ao lado de Canadá e Austrália, o governo dos Estados Unidos alegou que o levantamento sugerido pelo Brasil implicaria ignorar a contribuição atual dos países em desenvolvimento para o aquecimento global.
REDD e Fundo do Clima
O único resultado concreto obtido na COP-19 foi a finalização, após quatro anos de discussão, de um texto-compromisso que estabelece as regras de execução e financiamento de projetos do chamado REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas), que prevê mecanismos para que os países que ainda tenham florestas sejam compensados financeiramente pelo desmatamento evitado. Segundo a ONU, cerca de 20% das emissões globais de gases-estufa são provocadas pela derrubada de árvores, e nos últimos doze anos foram destruídos em todo o mundo 2,3 milhões de quilômetros quadrados de floresta, área equivalente ao território da Argentina. A estratégia de criar mecanismos financeiros para garantir a preservação do meio ambiente, no entanto, está longe de ser consenso. A premissa de que a proteção do meio ambiente só ocorrerá se for economicamente vantajosa, tem sido duramente criticada por parte da sociedade civil organizada, cientistas e acadêmicos em todo o planeta. Em 2012, antes da Rio+20, a Repórter Brasil publicou uma cartilha com análise dos principais mecanismos e exemplos de como eles têm sido aplicados na prática no Brasil.
Se o REDD avançou, por outro lado a criação efetiva do Fundo Verde do Clima permanece travada. Idealizado em 2009, durante a COP-15 de Copenhague, o fundo tem o objetivo de ajudar os países pobres e em desenvolvimento a implementar ações de prevenção, mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Deveria começar a ser alimentado pelos países ricos já em 2013, segundo o cronograma imaginado pela ONU, com aportes de 100 bilhões de dólares por ano até 2020. Na realidade, no entanto, o Fundo do Clima ainda é uma peça de ficção, já que até hoje nada foi regulamentado, assim como jamais foram definidos os mecanismos para a aplicação dos recursos do fundo e a prestação de contas por parte dos países beneficiados.
Um levantamento feito pela organização socioambientalista Oxfam e divulgado em Varsóvia mostrou que em 2013 os recursos destinados pelos países mais desenvolvidos ao combate ou adaptação às mudanças climáticas alcançam somente 7,6 bilhões de dólares. Durante a COP-19, os novos anúncios de ajuda financeira concreta feitos pelos governos nacionais somaram apenas 8,3 bilhões de dólares. Segundo a Oxfam, pelo menos 24 países desenvolvidos ainda não confirmaram aportes para o clima este ano. Para 2014, diz a ONG, a situação é ainda pior, uma vez que as nações responsáveis por 81% do fundo ainda não divulgaram qualquer cifra.
Em uma nota de balanço da COP-19, o Instituto Vitae Civilis, organização que integra o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) e esteve presente em Varsóvia, lamenta que a paralisia tenha sido a tônica de mais uma conferência da ONU sobre as mudanças climáticas: “Os países em desenvolvimento podem manter sua versão de que as nações desenvolvidas não querem colocar dinheiro na mesa. Pura verdade. Os países desenvolvidos, por sua vez, poderão justificar a seus cidadãos que a conferência não avançou por causa das nações em desenvolvimento, que hesitam diante da perspectiva de assumir compromissos e metas obrigatórias de redução nas emissões”, diz a organização socioambientalista.