Um grupo de 33 migrantes da Região Nordeste que atuavam no setor da construção civil em Curitiba (PR) foi resgatado de trabalho degradante pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Paraná (SRTE/PR) e pela Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região (PRT-9), no final de abril. As próprias vítimas denunciaram a situação, após a constatação de que promessas do empregador não vinham sendo cumpridas.
Os empregados arcaram eles próprios com as despesas da passagem de ônibus do interior do Piauí e do Maranhão até a capital do Paraná. A alimentação durante a viagem também saiu do bolso deles. O anunciado reembolso pelo contratante não ocorreu. Na realidade, os temporários tiveram que saldar outras dívidas (com moradia e alimentação) e, aqueles que retornaram para as suas localidades de origem, pagaram inclusive a viagem de volta. Havia até um jovem com menos de 18 anos trabalhando.
A maioria dos trabalhadores se dedicava há três meses ao esforço de construção de um condomínio residencial da Dória Construções. Alguns empregados iniciaram o trabalho no mês de abril. Eles foram arregimentados nos estados do Nordeste por uma prestadora de serviços terceirizada – Pontual Empreendimentos e Construção Ltda. – sob a oferta de salários superiores a R$ 1,6 mil, de acordo com Enio Bezerra Soares, da SRTE/PR. "Os trabalhadores se revoltaram quando viram que não receberiam o prometido e acionaram a fiscalização. Nós verificamos que, além do problema do aliciamento, as condições dos alojamentos eram precárias".
A maior parte do grupo estava alojada em uma residência com um banheiro somente. "Tinha esgoto aberto no alojamento. Não tinha ventilação e o espaço físico era inadequado. Colocavam de 6 a 8 pessoas num cômodo", relata Gláucio Araújo de Oliveira, procurador do Trabalho que acompanhou a ação.
Mesmo em condições irregulares, valores referentes à comida e à moradia eram descontados. Os custos dos equipamentos de proteção individual [EPIs] e as ferramentas de trabalho recaíam sobre os trabalhadores. O grupo que chegou em abril não teve o valor referente ao Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS) depositado. Segundo Luiz Fernando Busnardo, auditor fiscal da SRTE/PR que acompanhou a ação, os empregados que estavam desde fevereiro no local, no entanto, tinham os valores do FGTS depositados corretamente. "O maior problema realmente era em relação ao aliciamento e aos alojamentos", reforça Luiz Fernando.
O valor referente às verbas rescisórias, no total R$ 106 mil 254, ficou por conta da Dória Construções, que também garantiu o transporte dos trabalhadores para os municípios nordestinos de onde vieram. De acordo com Carlos Eduardo de Macedo Ramos, advogado da empresa, os funcionários eram terceirizados e a Dória Construções ainda não havia feito uma vistoria nas frentes de trabalho para verificar as condições "como costuma fazer".
"A Pontual foi contratada há pouco tempo pela dona da obra. Além disso, a terceirizada abandonou os trabalhadores e a Dória se sensibilizou com a situação e por isso pagou as verbas rescisórias", acrescenta Carlos. Segundo ele, a empresa propôs contratação, mas os envolvidos não aceitaram.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou ação civil pública contra a Pontual Empreendimentos para solicitar indenização por danos morais coletivos em função de aliciamento de trabalhadores e alojamentos precários.
Confira trechos da entrevista concedida pelo procurador Gláucio Araújo de Oliveira ao programa de rádio Vozes da Liberdade, da Repórter Brasil:
Repórter Brasil – Qual foi a situação encontrada pela fiscalização?
Gláucio – Nós encontramos trabalhadores que foram aliciados no Piauí e no Maranhão com ofertas de salários que representavam o dobro do praticado no mercado da construção civil do Paraná. Esses trabalhadores estavam alojados em residências, nos fundos de uma residência e em alguns cômodos dessas residências, em condições degradantes, amontoados em beliches, sem roupa de cama e com um banheiro para 35 pessoas, mais ou menos.
Essa residência também tinha outras famílias que não trabalhavam na obra, inclusive com crianças no meio. A residência era alugada e eles [empregados da obra e outros] dividiam os cômodos.
Tinha esgoto aberto no alojamento, não tinha ventilação, o espaço físico era inadequado, colocavam de 6 a 8 pessoas num cômodo. Além disso, eles tinham problemas de retenção de Carteira de Trabalho [e Previdência Social (CTPS)] e alguns estavam sem registro. Muitos eram pagos por fora. Não existia recolhimento dos encargos sociais.
Enfim, esses trabalhadores aceitam essa proposta de trabalho, se deslocam para o Sul e querem receber em dinheiro, em espécie, valores consideráveis, e se sujeitam a essas condições degradantes porque eles pretendem economizar para retornar com dinheiro para casa.
Os trabalhadores foram aliciados em outros Estados? Eles saíram com a Certidão Declaratória, que deve ser emitida pelo MTE?
Eles foram aliciados no Piauí e no Maranhão, cidades do interior desses dois estados, sem a Certidão Declaratória. Eles também pagavam a sua passagem com a promessa de reembolso, mas nós constatamos que eles não recebiam esse dinheiro. O empreiteiro exigia daqueles que ficavam um curto espaço de tempo que trabalhassem alguns dias até para pagar a passagem de volta.
Então eles pagavam tanto a ida quanto a volta do próprio bolso. As rescisões contratuais eram de valor simbólico: com um ou dois meses de trabalho, eles recebiam R$ 100 a R$ 300, algo assim.
Há quanto tempo eles estavam no local?
A maioria deles, há um mês. Eles se diziam enganados com aquela proposta. As condições de trabalho não eram aquelas que foram apresentadas quando da contratação. Existe uma pessoa na região deles que é o contato do empreiteiro. E os trabalhadores ficavam de um a três meses na obra.
Os empregados eram responsáveis por quais serviços?
Eles estavam fazendo serviços típicos de construção civil. Eram pedreiros e carpinteiros: faziam paredes, alvenaria, armações de ferro, de aço, limpeza em obras. Não era um serviço especializado. E eles prestavam serviços como terceirizados para uma construtora maior, responsável pela obra.
E havia adolescentes com menos de 18 anos trabalhando?
Um não tinha 18 anos completos. A construtora não tinha ideia dos alojamentos, como sempre ocorre. O fato interessante, porém, é que alguns trabalhadores tinham interesse em permanecer naquela condição tão somente em razão dos salários que eram pagos por fora. Recebiam em espécie valores consideráveis que não condiziam com o que estava no registro.
Havia descontos ilegais nos salários?
Eles [empregadores] descontavam moradia e alimentação. Os trabalhadores traziam as próprias ferramentas de trabalho, as botas eram de cada um. Alguns utilizavam Equipamento de Proteção Individual (EPI) trazidos por eles mesmos de outros estados. Existiam essas despesas indiretas.
A obra estava sendo construída com que finalidade?
É um edifício residencial. Há uma carência de mão de obra no Sul do país, tendo em vista esse boom [aquecimento do mercado] imobiliário. Existem muitas obras em Curitiba de construção civil – residenciais ou comerciais.
Essas construtoras estão com dificuldades e buscam parceiros, que são outras construtoras menores: empreiteiros e "gatos" (aliciadores intermediários). Esses empreiteiros fecham contratos de prestação de serviços na atividade finalística da construção civil e arregimentam em outros estados com propostas tentadoras para conseguir essa mão de obra sem qualificação.
A empresa pagou as verbas rescisórias?
A tomadora do serviço, a construtora de Curitiba [Dória] arcou com todas as despesas e passagens de retorno para a cidade de origem. A empreiteira [Pontual] assinou um termo de compromisso com várias obrigações, mas, além disso, o MPT vai ajuizar uma ação civil pública em razão das condições degradantes e pleiteando dano moral coletivo contra essa empreiteira intermediadora de mão de obra.
*Matéria atualizada quinta-feira (20), às 15h06.
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