Estudo inédito realizado pelo Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da ONG Repórter Brasil em parceria com a Base Investigaciones Sociales, tradicional organização social do Paraguai, analisa os impactos da expansão da soja no país vizinho e apresenta cadeias produtivas envolvendo empresas dos dois países. A pesquisa relata a disseminação dos problemas sociais e ambientais enfrentados por camponeses e indígenas paraguaios que estão associados ao crescimento expressivo das lavouras de soja no país vizinho.
Na safra 2009/2010, Brasil, Argentina e Paraguai atingirão juntos uma espantosa marca: os três países serão responsáveis por 50% da produção mundial de soja. A colheita esperada em conjunto pelos três parceiros de Mercosul é de 130,7 milhões de toneladas, ante uma produção global estimada em 259,7 milhões de toneladas. O Brasil se destaca com 69 milhões de toneladas colhidas (26,5% do total mundial), e é o segundo maior produtor global, atrás apenas dos Estados Unidos, que colhe 91,4 milhões (35,1%). A Argentina é o terceiro maior produtor, com 54,5 milhões (20,9%), e o Paraguai é o sexto, com 7,2 milhões (2,7%), atrás apenas da China e da Índia.
A expansão da soja nos três países tem várias explicações, que passam pelo clima favorável, o desenvolvimento de variedades locais, a presença de uma cultura agropecuária e políticas públicas favoráveis à expansão da fronteira agrícola. Mas um fator historicamente se destaca: o baixo preço relativo da terra. É esta variável econômica que tem permitido a agricultores da região atenderem ao aumento da demanda mundial por soja.
No caso do Paraguai, a soja passou de 1,2 milhão de hectares em 2000 para 2,7 milhões cultivados na safra atual. Tal avanço tem se dado por meio de poucos produtores e propriedades. Dados do mais recente censo agrícola da nação vizinha (relativo ao ano de 2008) apontam que somente 703 sojicultores possuem propriedades com mais de mil hectares no Paraguai. Somadas, essas fazendas atingem 1,1 milhão de hectares, ou 48% do total da área de soja do Paraguai e 35% da área de todos os cultivos do país
A expansão da soja no Paraguai se deu a partir da fronteira com o Brasil. Por conta dessa influência, o modelo implantado em terras paraguaias possui muitas semelhanças com o brasileiro. Da fronteira leste, os agricultores brasileiros partiram em busca de terras mais baratas, num processo que se acentua desde os anos 1970 e atinge seu ápice na última década.
Reflexos
A soja chegou inicialmente a departamentos (região administrativa que equivale a um Estado brasileiro) como Alto Paraná e Itapúa, causando a destruição da floresta original remanescente. Na Mata Atlântica do Alto Paraná, os oito milhões de hectares originais do bioma foram reduzidos nas últimas décadas a 700 mil hectares – menos de 10% da cobertura inicial.
No Centro-Sul do Brasil, a soja vem deslocando atividades como a pecuária em direção à Amazônia. No Paraguai, ocorre um fenômeno semelhante: a soja que vêm dos departamentos mais próximos à fronteira com o Brasil empurra a criação de gado ao norte, onde está o Chaco – área em que os índices de desmatamento aumentaram nos últimos anos.
O Paraguai também acumula experiências parecidas com a do Brasil a respeito dos impactos sociais causados pela soja. O modelo pelo qual se expande a cultura, baseado na grande propriedade monocultora, no intenso uso de agrotóxicos e no reduzido emprego de mão de obra não é compatível com as tradicionais formas de vida no campo representadas pelo campesinato. Onde uma predomina, a outra tem de se afastar. Daí tantos conflitos agrários vivenciados entre grandes proprietários e militantes de movimentos sociais dos dois lados da fronteira nos últimos anos.
No caso específico do Paraguai, o cenário se torna ainda mais grave pela internacionalização extrema do setor sojicultor do país. Os grandes produtores são brasileiros que atuam de modo integrado com grandes conglomerados internacionais de grãos. Além disso, organizações instaladas no Brasil têm importado soja do Paraguai para a manutenção de suas atividades. Das oito maiores companhias brasileiras importadoras de produtos paraguaios, cinco trabalham com soja: Bunge, ADM, Sadia, Agrícola Horizonte e Multigrain. Também importam em menor escala empresas como Cargill, Caramuru e cooperativas como Aurora e Cocamar.
Caminhões carregados de carvão em rodovia do Departamento de Canindeyú (Foto:Repórter Brasil) |
Destaques
Além da avaliação geral da produção da soja no Paraguai, o estudo destaca outras relações fundamentais entre os respectivos setores produtivos. As grandes siderúrgicas brasileiras compraram carvão vegetal no Paraguai, onde o produto é feito com baixos critérios ambientais, em geral em fornos de pequenas propriedades e a partir de madeira nativa.
É o caso, por exemplo, da siderúrgica Gerdau. Questionada sobre quais parâmetros socioambientais a companhia exige de seus fornecedores, a empresa afirmou: “A Gerdau esclarece que realizou importações pontuais de carvão vegetal do Paraguai, seguindo rigorosamente a legislação ambiental vigente. A última importação do produto do Paraguai foi realizada em 2008 pela empresa”. O carvão também é adquirido por siderúrgicas como Mat-Prima e Valinho, ambas de Divinópolis (MG), Cisam, de Pará de Minas (MG), e Ferguminas, de Itaúna (MG) – todas em Minas Gerais.
Criada em 1993, a Mat-Prima tem capacidade de produzir 12 mil toneladas de produtos siderúrgicos por mês. A maior parte é exportada, através dos portos do Rio de Janeiro e de Vitória, este no Estado do Espírito Santo. A empresa compra o produto paraguaio através de pequenas importadoras e também usa combustível brasileiro fabricado nos Estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. No caso do produto paraguaio, a Mat-Prima avalia que qualquer controle ambiental é de responsabilidade do produtor e da importadora.
Também fabricante de ferro-gusa, a Cisam opera com carvão vegetal produzido no Brasil e no Paraguai. De acordo com representante da empresa, o carvão é totalmente produzido com madeira oriunda de florestas plantadas, inclusive os carregamentos oriundos do Paraguai. A área de reflorestamento localizada no Paraguai foi implantada na cidade de San Juan Nepomuceno, no departamento de Caazapá, e é comandada por brasileiros.
Já as siderúrgicas Ferguminas e Valinho estão com os fornos desligados atualmente, à espera da recuperação do mercado. Quando em funcionamento, as duas empresas utilizam carvão fabricado no Paraguai.
Confira a íntegra do relatório “Os impactos socioambientais da soja no Paraguai – 2010”, produzido em parceria pelo CMA-Repórter Brasil e a Base Investigaciones Sociales, do Paraguai
Visite o site do Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis (CMA)