Magistrados consideram PEC 215 inconstitucional

 30/05/2012

Foto Verena Glass

A Associação Juízes para a Democracia emitiu Nota Técnica sobre a Proposta de Emenda Constitucional 215/2000, aprovada no último dia 21 de março pela  Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, com 38 votos a favor e 2 contra. A proposta transfere ao poder legislativo competência para demarcar e homologar terras  indígenas, quilombolas e unidades de conservação ambiental.

Os juízes consideram o projeto inconstitucional porque as terras indígenas não são “criadas” através da demarcação, elas são “apenas identificadas e delimitadas” por meio de processos administrativos. Para os juízes, a proposta “configura verdadeira usurpação de poder”. Outras entidades que trabalham com a temática indígena temem que a aprovação da PEC 215, por conta de pressão da banca ruralista, dificultaria ainda mais o processo de demarcação. Na opinião dos magistrados, caso seja aprovada, a PEC traria “retrocessos gravíssimos, vulnerabilizando direitos fundamentais “.

Confira o andamento da PEC 215/2000.

Confira a íntegra da Nota Técnica:

NOTA TÉCNICA SOBRE A PEC Nº 215/2000

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA – AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade trabalhar pelo império dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e pela defesa dos direitos das minorias, na perspectiva de emancipação social dos desfavorecidos,  considerando as graves  consequências decorrentes dos termos da PEC 215/2000 em trâmite na Câmara dos Deputados, vem  apresentar a presente Nota Técnica, contrária à aprovação, em sua totalidade, sob os seguintes fundamentos:

Demarcar, proteger e fazer respeitar os direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são deveres incondicionais do Poder Público, por determinação expressa da Constituição Federal, a teor do disposto em seu artigo 231, o qual reconhece expressamente os direitos à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios e, por consequência, sua condição de pessoa humana.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são, também por disposição constitucional, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar dos índios e à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, sobre as quais têm direitos originários, são bens da União, a teor do artigo 20, XI da Constituição Federal, não bens dos estados da federação, motivo pelo qual falaciosa a justificação à PEC 215/2000 de que a demarcação de tais terras, sem nenhuma consulta ou consideração aos interesses e situações concretas dos estados-membros, importaria em verdadeira intervenção federal, sem autorização congressual.

Tendo os índios, pois, direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, as quais integram o patrimônio da UNIÃO, por disposição constitucional – e não por decisão do Congresso Nacional -, a exigência de autorização ou ratificação da demarcação das terras indígenas pelo Congresso Nacional viola frontalmente o princípio da separação dos poderes, insculpido no artigo 2º da Constituição Federal, in verbis: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Não fosse só isso, a demarcação de terras indígenas importa, outrossim, exclusivamene no trabalho de IDENTIFICAÇÃO e LIMITAÇÃO das terras tradicionalmente ocupadas, incumbência essa de ordem eminentemente técnica, a qual demanda imprescindivelmente a realização de profundos estudos antropológicos, bem como estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação, atribuições técnico-administrativas imanentes às funções constitucionais do Poder Executivo.

Premissa fundamental à inafastável conclusão de inconstitucionalidade da PEC 215/2000, é que terras indígenas não são “criadas” através da demarcação, elas são apenas “identificadas e delimitadas”, mediante processo de cunho eminentemente administrativo,  para que aqueles direitos, que são originários, bem como prévia e constitucionalmente reconhecidos, sejam assegurados.

É de se ressalvar, ainda, que não se subtrai dos estados-membros da federação, nem dos Municípios, nem de qualquer outro interessado, a participação nos procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas, a teor do art. 2º, §8º do Decreto Federal nº 1775/96.

Em contrapartida, condicionar o exercício de atribuição imanente ao Poder Executivo à convalidação do Congresso Nacional configura verdadeira usurpação de poder, em violação frontal à separação dos Poderes, cláusula pétrea a teor do artigo 60, §4º, inc. III da Constituição Federal de 1988.

A PEC 215/2000, se aprovada, importaria em retrocessos gravíssimos, vulnerabilizando direitos fundamentais do índio, enquanto ser humano, cuja dignidade deve ser preservada, respeitada sua cosmologia, não se olvidando que os dirietos fundamentais também ostentam blindagem constitucional, por serem alçados ao patamar de cláusulas pétreas, a teor do artigo 60, §4º, inc. IV da CF/88.

A PEC 215/2000, se aprovada, importaria, ainda, em violação a documentos internacionais vigentes sobre a proteção dos índios e suas terras, quais sejam: a Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1989), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 143 de 25 de julho de 2002; a Declaração das Organizações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007); e, a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO, ratificada pelo Decreto nº 485, de 19 de dezembro de 2006.

O direito ao não retrocesso esta assegurado na normativa internacional,  o descumprimento das normas vigentes gera violência e, induvidosamente, a PEC só teria o condão de gerar mais violência e conflitos.

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