Oito meses após a implantação da Reforma Trabalhista, a redução salarial dos trabalhadores do setor agrícola chega a 30%, nas estimativas de 12 sindicatos e duas entidades ouvidas pela Repórter Brasil.
O impacto imediato está no corte das horas in itinere, ou horas de transporte, que correspondem ao tempo que o funcionário leva para chegar até o local de trabalho, em transporte fornecido pela empresa. Mas os sindicatos relatam que, pautadas pela nova legislação, empresas também estão realizando demissões em massa, contratações intermitentes, terceirizações e homologações diretas.
Desde que a reforma entrou em vigor, no dia 11 de novembro de 2017, as horas in itinere deixaram de ser responsabilidade do empregador. A alteração na lei gera controvérsias, inclusive, dentro do judiciário. No dia 9 de maio, a Justiça do Trabalho de Araraquara determinou que a Raízen, maior produtora de etanol do país, volte a pagar as horas para os trabalhadores da cidade, cortadas desde novembro.
Representantes dos sindicatos dos trabalhadores rurais (STRs) de Vargem Grande e Santa Cruz das Palmeiras relatam que a empresa Abengoa, multinacional de tecnologia espanhola, também cortou o pagamento há cinco meses e que ainda não houve negociação. Os STRs de Duartina e Piratininga informaram que vivem a mesma situação com a Louis Dreyfus, comercializadora e processadora global de produtos agrícolas.
Em Vargem Grande, São João da Boa Vista e São José do Rio Preto, os STRs relataram o corte das horas in itinere na agricultura diversificada: laranja, café, grãos, entre outros. Gilson Donizete do Lago, presidente do STR de Vargem Grande do Sul, estima que entre 60 e 80 empresas de produção diversificada cortaram as horas dos funcionários na sua região.
Em Botucatu, Marcos Vieira Rodrigues, presidente do Sindicato dos Empregados Rurais, afirma que já está tendo dificuldades nas negociações com o setor da laranja. Aluísio José dos Santos Filho, do Sindicato dos Empregados Rurais de Ibaté, relata que, após muitas negociações, a Raízen propôs pagar o retroativo de novembro a maio e, após este mês, realizar o pagamento da média das horas através do ticket.
A proposta foi aceita por Ibaté, mas negada por outros sindicatos, como o de Guariba. “Essa proposta não melhora a situação para o trabalhador”, afirma Wilson Rodrigues da Silva, presidente do STR de Guariba. Aluísio entende que aceitar o acordo foi a forma de “remediar” a situação, em uma “política de redução de danos”.
Algumas empresas, como a Bunge e a Colombo, produtora do Açúcar Caravelas, propõem negociações que, para a classe trabalhadora, não resolvem o prejuízo. Aluísio diz que a proposta da Bunge para os trabalhadores da região é o pagamento de três meses das horas, em maio, junho e julho, e depois o corte de 100% do valor. A Colombo propõe o pagamento de 50% do valor médio das horas, como bonificação.
Transformar as horas em ticket ou bonificação tem sido a solução encontrada pelos sindicatos para que a perda não seja total. Os presidentes afirmam, porém, que, de toda forma, há prejuízo, já que os valores não são considerados em pagamento de férias, décimo-terceiro, FGTS, entre outros direitos trabalhistas. “O que a gente tem conseguido com os acordos é impactar menos. Mas a perda, de toda forma, ainda é muito grande”, aponta Gilson.
Demissões, terceirizações, hora intermitente
José Soares, presidente do STR de Torrinha, diz que, desde que a Raízen comprou uma usina em Brotas, no final do ano passado, cerca de 200 funcionários foram demitidos na região. “Aqui, o principal impacto tem sido o desemprego. Afetou todo o setor. O trabalhador ficou totalmente desguarnecido, desprotegido”.
Entre os demitidos está Luís (nome fictício), que trabalhava há quase 10 anos na usina. Ele vive em Patrimônio de São Sebastião da Serra, mas diz que, como a grande maioria dos moradores daquele distrito de Brotas, precisou se mudar em busca de um novo trabalho. “De 90 moradores, 99% trabalhavam nas usinas. Ficou todo mundo desempregado do dia para a noite. Uma tristeza. Só chegaram para mim e avisaram: você está desligado. Pedi explicação para o gerente, ele falou que ia me ligar e estou esperando até hoje”.
Luís vive com a esposa, que não pôde mais trabalhar depois de um acidente. Após a demissão, em março deste ano, ele precisou se mudar para Tatuí, a 137 quilômetros da sua cidade. Mas ainda não conseguiu emprego. “Por enquanto, eu tenho seguro. Mas e depois? Como vai ser?”. Ele não tem esperanças de melhora: “Acho que só vai ficar pior”.
Em 13 de novembro, dois dias após a reforma entrar em vigor, a Raízen demitiu cerca de 250 funcionários da usina Tamoios, em Araraquara. O presidente do STR de Torrinha afirma que as demissões ocorreram após a compra da usina pela Raízen.
O MPT de Araraquara entrou com ação exigindo a recontratação. Na ação, o procurador Rafael de Araújo Gomes cita que, pouco tempo antes do fechamento da Tamoios, a empresa comprou uma usina em Brotas – onde Luís trabalhava – e outra em Bocaina, o que, para o procurador, pareceu um artifício para evitar a concorrência.
Futuro incerto
O procurador Rafael Gomes, que também é autor da ação que obriga a Raízen a pagar as horas in itinere, acredita que o corte pode ter um impacto imediato maior, com a diminuição dos salários, mas as terceirizações serão o principal retrocesso causado pela nova lei. Ele ressalta que, em Araraquara, uma usina condenada por dumping social propôs uma ação revisional para mudar um acordo pelo qual ela havia prometido não terceirizar a atividade-fim.
“Estrago muito maior vai fazer a terceirização no campo, com o avanço de quarteirizações, gatos, aliciadores, turmeiros, trazendo o retorno do trabalho escravo para regiões onde já havia cessado ou diminuído. E quem vai contratar dessa forma são as empresas mais especializadas do mundo nos serviços que elas vão terceirizar”, frisa o procurador.
José Luiz Stefanin Junior, presidente do STR de Jaú, relata que na sua região as terceirizações têm aumentado com força. “Assim que a reforma entrou em vigor, as empresas começaram a terceirizar os serviços, como o corte da cana. Os trabalhadores são contratados por laranjas, com contratos sem garantia de cumprimento”.
Osvaldo Teófilo, secretário de relações internacionais da Contac (Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação da CUT) relata o caso de um trabalhador do café contratado para um trabalho intermitente com piso salarial de R$ 1,6 mil que, ao final do mês, recebeu R$ 480.
“A crueldade da reforma trabalhista pega vários pontos importantes. O pior de todos é o trabalho intermitente, dado que o trabalhador pode receber menos de um salário mínimo, ou menos de um salário da categoria”, explica.
O fim da obrigatoriedade do imposto sindical, previsto na reforma, é outra questão com impactos já visíveis, e muito mais por vir, na visão dos sindicatos. “O fim da contribuição sindical passa a ser um pano de fundo para mascarar a reforma trabalhista”, opina Osvaldo.
“As entidades, que já sofriam, agora estão jogadas às moscas. A reforma quer promover o sucateamento dos sindicatos, para conquistar esse espaço e afastar o trabalhador do movimento sindical”, afirma Junior.
Vale do São Francisco
A reforma já causa impactos até mesmo no Vale do São Francisco, localizado nos Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, e considerada uma região de diálogo entre classe patronal e trabalhadores.
Carlos Eduardo Chaves Silva, assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), diz que, em uma situação inédita até então, a lista de reivindicações patronais era mais extensa que a dos trabalhadores na negociação deste ano.
“Nós chegamos a um impasse: era como se nós estivéssemos invertendo o jogo. As negociações passaram a ser pautadas mais para melhorar as condições da empresa do que as do trabalhador”.
Foram nove encontros, que se arrastaram em um mês de diálogos. “A gente conseguiu manter como está”, mas Chaves Silva não sabe por quanto tempo. “No próximo ano, eles vêm com mais força. E estamos falando de uma região que tem organização local de trabalho, delegado sindical com estabilidade, parte social muito importante, uma excelente relação com a bancada patronal”.
Outros lados
As empresas Raízen, Bunge e Louis Dreyfus enviaram notas informando que cumprem em respeitam a legislação trabalhista vigente (confira a íntegra das respostas).
A Repórter Brasil contatou a empresa Abengoa via e-mail, porém não houve respostas até o fechamento desta reportagem.
A empresa Colombo/Açúcar Caravelas informou que não iria “participar” da reportagem, apesar de avisada sobre o teor da matéria e de que seria citada.