Justiça concede liminares a escravocratas que tiveram o crédito suspenso

Divulgada esta semana pelo governo federal, "lista suja" de empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas à de escravo teve três nomes excluídos por liminares obtidas de última hora junto as varas da Justiça Federal do Mato Grosso e do Distrito Federal
Por Leonardo Sakamoto
 07/01/2005

São Paulo – Três propriedades foram excluídas por liminares da Justiça Federal do cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, a conhecida “lista suja”. A retirada, que aparece na terceira atualização dessa relação, divulgada pelo governo federal no início da semana, foi ordenada por varas da Justiça Federal do Estado do Mato Grosso e do Distrito Federal e tem caráter provisório. O governo federal já está recorrendo para manter esses proprietários na lista.

As liminares foram obtidas no final de dezembro de forma inexplicada e não condizem com a opinião da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe), que faz parte da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo – grupo de entidades do governo e da sociedade civil que atuam no combate à prática. As três fazendas mantinham trabalhadores em situação degradante, aprisionados pela dívida e, são casos exemplares de trabalho escravo.

O primeiro favorecido pela decisão é João José de Oliveira, da Fazenda São José, em Buriticupu, Maranhão. Em abril de 2001, ao libertar 34 pessoas dessa propriedade, a equipe do grupo móvel ficou chocada com as péssimas condições a que estavam submetidos os trabalhadores, que ficavam alojados no curral e dormiam com o gado à noite. A cozinheira dos peões estava há mais de um ano sem receber. A liminar foi concedida pelo juiz federal da 21a Vara em plantão na 3a Vara Federal do Distrito Federal.

A Fazenda Pantera, de Nivaldo Carlos Barbosa, também foi excluída provisoriamente. Localizada em Nova Bandeirante, no Tocantins, a propriedade foi fiscalizada em abril de 1999 pelo grupo móvel, com a libertação de 41 pessoas. O juiz federal da 9a Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal concedeu a liminar. Tanto a São José com a Pantera tem como ramo de atividade a criação de gado para abate e a carne é comercializada em todo país.

Por fim, a Pinesso Agropastoril, proprietária da Fazenda Mutum, em cujas terras foram libertados 52 trabalhadores em abril de 2002. Localizada em Dom Aquino, Mato Grosso, tem o cultivo de algodão como atividade principal. O Grupo Pinesso atua no mercado nacional e internacional produzindo soja, arroz, milho, sorgo, criando bovinos e suínos e comercializando veículos Kia, tratores e caminhões Agrale e implementos agrícolas. Ao todo, possui mais de 100.000 mil hectares de terras, distribuídas nos Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Além da Mutum, o grupo possui ainda as fazendas Água Limpa e Floresta.

As três “listas sujas” do governo federal foram divulgadas nos meses de novembro de 2003, junho de 2004 e a última em janeiro de 2005. Ao todo, com os 65 incluídos nesta semana, já são 165 o número de infratores relacionados (incluindo os três excluídos provisoriamente). Vale ressaltar que há nomes que aparecem mais de uma vez, como as três repetições de Romualdo Alves Coelho, da fazenda São Paulo, no Pará, devido ao fato de ser reincidente nesse crime. A “ lista suja” traz propriedades que se localizam em Rondônia, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro.

Segundo as regras do Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelo cadastro, a inclusão do nome do infrator na lista acontece somente após o final do processo administrativo criado pelos autos da fiscalização que flagrar o crime. A exclusão, por sua vez, depende de monitoramento do infrator pelo período de dois anos. Se durante esse período não houver reincidência do crime e forem pagas todas as multas resultantes da ação de fiscalização e quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome será retirado. O governo é contrário à saída prematura da lista das três propriedades citadas acima, apesar das liminares concedidas pela Justiça Federal. Parlamentares e fazendeiros têm visitado constantemente o MTE na tentativa de ver seus nomes ou de seus representados excluídos da lista, porém sem sucesso.

De acordo com a portaria do Ministério do Trabalho e Emprego, que regulamenta a existência da “lista suja”, os seguintes órgãos recebem a listagem a cada atualização feita: ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Integração Nacional, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério da Fazenda e o Banco Central do Brasil. Estes últimos interessam especialmente, pois são responsáveis por criar restrições de créditos aos nomes da “lista suja” em todas as instituições financeiras. Ou seja, proibir qualquer tipo de empréstimo para quem utiliza trabalho escravo.

O Ministério da Integração Nacional, desde o final do ano passado, já está impedindo os relacionados de obterem novos contratos com os Fundos Constitucionais de Financiamento (portaria nº 1150, de 18 de novembro de 2003 do MIN). O Banco do Nordeste do Brasil, o Banco da Amazônia e o Banco do Brasil administram esses fundos. O Ministério da Fazendo e o Conselho Monetário Nacional estão analisando formas de cortar todos os tipo de crédito disponíveis aos relacionados na lista.

Em 2004, 2745 trabalhadores foram libertados da escravidão e mais de R$ 4,5 milhões foram pagos em direitos trabalhistas durante as 71 operações dos grupos móveis do Ministério do Trabalho e Emprego. Nesse ano, 264 fazendas foram fiscalizadas, número maior que as 196 de 2003. Porém, a quantidade de trabalhadores diminuiu – foram 4.879 em 2003. Um dos motivos foi a greve da Polícia Federal que durou 80 dias no primeiro semestre do ano passado.

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