Leis nacionais para que empresas respeitem o meio ambiente e os direitos humanos em suas cadeias produtivas são um movimento importante, mas não são suficientes para que direitos fundamentais sejam protegidos. Os participantes do seminário “Leis de cadeias produtivas: rumo à devida diligência?” discutiram nesta terça-feira (17) os ganhos e os limites das leis sobre o tema que vêm sendo aprovadas na Europa.
Cada vez mais, governos e a sociedade civil ao redor do mundo têm cobrado uma governança empresarial alinhada com obrigações e compromissos de proteção e promoção de direitos humanos em todas as suas atividades e operações. Trata-se da chamada devida diligência obrigatória em direitos humanos que exige que corporações identifiquem, previnam, mitiguem e respondam por danos que causem ou para os quais contribuam.
A Alemanha foi um dos primeiros países no mundo a adotar, em junho deste ano, uma legislação específica sobre o assunto. A regra foi fruto de uma aliança de mais de 130 organizações, como ONGs e sindicatos, que mobilizou a opinião pública e pressionou a chanceler Angela Merkel a dar celeridade ao tema.
Para dar forma ao projeto, entidades da sociedade civil se basearam no documento da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre empresa e direitos humanos. “Esses foram princípios importantes para encontrarmos meios de mitigar riscos e implementar mecanismos de prevenção sobre a violações aos direitos humanos”, disse Christian Wimberger, consultor da Iniciativa Cristã Romero (CIR), umas das organizações integrantes da coalizão em prol da aplicação da devida diligência na Alemanha.
Antes de ser promulgada, no entanto, a lei sofreu modificações no parlamento que abrandaram algumas exigências. “Temos que ter mais proteção ao meio ambiente, e a lei até hoje só considera o ambiente em termos de direitos humanos. É preciso expandir o seu escopo”, disse Wimberger.
Ainda que tenha sido abrandada, a aprovação da regra despertou na sociedade a atenção sobre a responsabilidade de empresas. Ele afirmou que o caso da Alemanha pode servir como exemplo para obter uma lei sobre cadeias produtivas mais forte no âmbito da União Europeia e em outros países.
Mudança de paradigma
O representante do Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos (BHRRC), Jonhanes Blakenbach, declarou que a melhor maneira de verificar se as leis sobre cadeias produtivas estão cumprindo seu objetivo é a mudança na conduta das empresas. Este, porém, é um longo caminho. “Não é simplesmente fazer um tique e resolver o problema. É um processo. A devida diligência não é um fim em si, mas é um meio de garantir a proteção do meio ambiente e dos direitos humanos.”
Ele disse que algumas companhias resistem a seguir a lei porque seguir o que está previsto pode ser uma desvantagem competitiva, caso algumas adotem as práticas e outras não. Para evitar este quadro, ele sugere que haja um mesmo padrão de regras a seguir mundialmente. “Temos que criar uma situação e que as exigências sejam as mesmas para todas as empresas,” diz Blakenbach. “As leis de devida diligência não são uma imposição de padrões europeus para outros países. Mas a ideia é estabelecer um padrão internacional para que as empresas cumpram essa lei. A Europa já tem princípios do tipo, mas muitos deles são antigos. O paradigma atual não tem funcionado”, acrescentou o representante da BHRRC.
Padrão internacional
Manoela Roland, pesquisadora do Centro de Direitos Humanos e Empresas da Universidade Federal de Juiz de Fora (Homa-UFJF), enfatizou a importância de que as regras nacionais sobre cadeias produtivas adotem os mesmos princípios. Caso contrário, pode haver países com exigências mais brandas do que outras.
A pesquisadora afirmou que o Brasil é um exemplo de regras frouxas. Em 2018, o governo do então presidente Michel Temer (MDB) publicou um decreto com diretrizes sobre empresas e direitos humanos cuja lógica é mais a de certificar e premiar corporações, em vez de estabelecer parâmetros. Além disso, a regra foi promulgada à revelia da sociedade civil, que já vinha discutindo o tema e não foi convidada a colaborar.
Ela também criticou a formulação de leis com base no documento da ONU sobre empresas e direitos humanos. “Toda a atual construção da lógica social corporativa associa o risco à empresa, e não o risco de violação de direito das pessoas”, afirmou.
Roland mencionou o exemplo da Fundação Renova, criada para evitar prejuízos à mineradora Vale. A companhia foi apontada como a responsável pelo rompimento da barragem que, em 2015, afetou a cidade de Mariana, em Minas Gerais. “Os princípios orientadores não permitem que uma empresa seja taxada como violadora efetiva dos direitos humanos. Eles consolidam a lógica de impor o interesse corporativo. Se não houver um mecanismo internacional, não vai haver a devida diligência”, concluiu.
O seminário “Leis de cadeias produtivas: rumo à devida diligência?” é organizado pelo Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos, Conectas Direitos Humanos, Iniciativa Cristã Romero, e Repórter Brasil, com apoio do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.
Leia mais: Leis de cadeias produtivas: o que a experiência internacional tem a ensinar?
Nas próximas duas semanas, nas terças-feiras 24 e 31 agosto, terá sequência com a discussão do atual marco legal brasileiro para a responsabilização das empresas e a necessidade da elaboração de novas regras em território nacional.