PF investiga se garimpo ilegal na TI Kayapó financiou candidato de Bolsonaro no Pará

Operação da Polícia Federal apura se ouro retirado ilegalmente de terra indígena financiou campanhas de políticos do PL, Podemos, PSD, PRD e Solidariedade nas eleições 2024
Por Daniel Camargos* | Edição Diego Junqueira
 01/10/2024

A POLÍCIA FEDERAL (PF) apura se o dinheiro arrecadado com o garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará, financiou a campanha de vários candidatos nas eleições 2024.

Dentre eles, está Rener de Santana Miranda (PRD), o Dr. Rener, que disputa a prefeitura de Redenção e é apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele nega irregularidades e afirma não ter recebido doações de Pedro Lima dos Santos, servidor municipal de Redenção que está preso e é tido pela PF como o cabeça do esquema. A íntegra da nota enviada por sua assessoria pode ser lida abaixo. 

A investigação se baseia em documentos encontrados em uma operação de busca e apreensão ocorrida em 10 de setembro em uma empresa de Pedro Lima. A Repórter Brasil teve acesso com exclusividade ao relatório da operação.

“Foram encontrados documentos que citam partidos eleitorais e prováveis políticos da região (fato a se investigar) em possíveis ‘folhas de pagamento’”, diz um trecho do documento.

Uma das hipóteses da investigação é a de que políticos eram beneficiados com recursos ilícitos para impulsionar suas campanhas. Além do servidor municipal, o esquema de garimpo ilegal de ouro também seria formado por policiais civis e militares. Suspeita-se ainda do uso de criptomoedas para lavar dinheiro do esquema.

As anotações apreendidas fazem menção a possíveis repasses a políticos de diferentes partidos, como PL, Podemos, PSD, Solidariedade, União Brasil e MDB. Os nomes aparecem em várias listas escritas à mão, acompanhados de quantias em dinheiro. 

Um dos documentos, intitulado “gastos de campanha”, aponta valores destinados a diferentes municípios, incluindo Redenção. A Repórter Brasil apurou que a anotação “Redenção – 300.000 – Rener”, a de valor mais elevado, seria uma referência a Dr. Rener. 

Na lista, também aparecem os nomes de candidatos à prefeitura de outras cidades da região, como Ourilândia do Norte, Santa Maria das Barreiras, Rio Maria, Tucumã e Pau D’Arco, em valores que variam de R$ 30 mil a R$ 100 mil. Em 9 dos 13 nomes citados, também é possível ler a sigla “PG”, usualmente utilizada para substituir a palavra “pago”, segundo o relatório da PF. No caso de Rener, a sigla não aparece.

Lista apreendida em escritório de Pedro Lima dos Santos mostra "gastos de campanha" de "300.00" para "Rener", de "Redenção", além de "150.000" para "10 vereadore" também de Redenção (Foto: Relatório Polícia Federal)
Lista apreendida em escritório de Pedro Lima dos Santos mostra “gastos de campanha” de “300.00” para “Rener”, de “Redenção”, além de “150.000” para “10 vereadore” também de Redenção (Foto: Relatório Polícia Federal)

Além de documentos, computadores e um cartão de memória, a PF também apreendeu dois carros adesivados com propaganda eleitoral do Dr. Rener no pátio da empresa CTM Construtora e Terraplanagem, de Pedro Lima, ex-vereador de Redenção apontado como líder da quadrilha.  

Dentista de formação, Dr. Rener foi eleito vereador da cidade em 2016 e suplente de deputado estadual em 2022. A equipe do candidato informou à Repórter Brasil que “não recebeu ajuda financeira do Sr. Pedro Lima dos Santos”. Leia a nota completa:

“A Coligação Renova Redenção informa que não consta registro de recebimento de ajuda financeira do Sr. Pedro Lima dos Santos. É comum esta coligação receber declaração de apoio de pessoas de diversos seguimentos da sociedade. Em relação à suposta anotação, se existente, não significa que há vinculação com a coligação ou candidato. Reafirmamos que a coligação não recebeu ajuda financeira do Sr. Pedro Lima dos Santos”.

Da prestação de contas do candidato informada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) constam, até o momento, dois repasses: R$ 500 mil da direção nacional do PL, partido da candidata a vice-prefeita, Renata Rocha, e R$ 30 mil doados por uma médica anestesista

Do CPF de Pedro Lima dos Santos, por sua vez, não constava nenhuma doação oficial até a publicação da reportagem. Seu advogado não se manifestou até o fechamento desta matéria. O texto será atualizado, caso um posicionamento seja enviado.

Na operação de busca na empresa de Pedro Lima, a Polícia Federal apreendeu ainda “documentos que demonstram conexão com mineradoras, cooperativas de garimpeiros e revendedoras de minério”, e também “comprovantes de transferências de valores fora do comum via PIX ou TED que despertaram a curiosidade do investigador quanto à possibilidade de condutas ilícitas”, diz o relatório. 

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Apoio de Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsoanro (PL) gravou vídeo ao lado de Dr. Rener (à esquerda) e de sua candidata a vice, Renata Rocha. A coligação é formada por PRD, PL, Novo, Podemos, PSD e Avante (Foto: Reprodução/Instagram)
O ex-presidente Jair Bolsoanro (PL) gravou vídeo ao lado do Dr. Rener (à esquerda) e de sua candidata a vice, Renata Rocha. A coligação é formada por PRD, PL, Novo, Podemos, PSD e Avante (Foto: Reprodução/Instagram)

Segundo a última pesquisa de intenção de voto divulgada, Dr. Rener é o candidato favorito para comandar a cidade de 85 mil habitantes, com 47% da preferência. Em segundo está o vereador Gabriel Salomão (MDB), com 34%. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Amazzo Data e contratada pela empresa D S Silva Comunicação, responsável pelo site Parazão Tem de Tudo, que publicou os resultados em 26 de setembro. 

No início da corrida eleitoral, as pesquisas apontavam Salomão como favorito. Contudo, a campanha do Dr. Rener ganhou força após a divulgação de um vídeo, em 26 de agosto, ao lado do ex-presidente Bolsonaro. 

“Eu peço a você que, por ocasião das eleições, vote nele! Rener para prefeitura!”, disse Bolsonaro apontando para o candidato, que passou a se identificar como o “verdadeiro candidato da direita”. 

Dos partidos citados no relatório da PF, integram a coligação do candidato o PL, Podemos, PSD e PRD, que tem apoio também do Novo e do Avante. 

A assessoria do ex-presidente Bolsonaro foi procurada por mensagem, mas não se manifestou.

Dois veículos adesivados para campanha do Dr. Rener e de outros candidatos em Redenção foram apreendidos pela PF em sede da empresa de Pedro Lima dos Santos (Foto: Relatório Polícia Federal)
Dois veículos adesivados para campanha do Dr. Rener e de outros candidatos em Redenção foram apreendidos pela PF em sede da empresa de Pedro Lima dos Santos (Foto: Relatório Polícia Federal)

Milícia garimpeira e lavras fantasmas

Deflagrada no início de setembro, a Operação Bruciato teve como alvo principal o empresário Pedro Lima dos Santos, um político experiente de Redenção. Ele é supervisor na secretaria de obras da prefeitura e foi eleito vereador entre 2013 e 2017 pelo PSDB. Ele ficou como suplente de vereador em 2016 pelo PSC e em 2020 pelo Democrata (atual União Brasil), chegando a assumir o cargo por alguns meses em 2024.

Segundo a investigação, outra empresa de Pedro Lima, a mineradora Dente di Leone, teria movimentado R$ 847 milhões entre 2021 e 2023 com a comercialização de 3,14 toneladas de ouro. A Dente Di Leone utilizava um garimpo fantasma para “esquentar” [legalizar] o ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Kayapó e, possivelmente, da Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

Garimpos fantasmas são lavras garimpeiras legalizadas que informam a produção de grandes quantidades do minério, mas que de fato não extraem ouro. Esses garimpos são usados por esquemas criminosos para ocultar a real origem de metal extraído irregularmente de áreas sem permissão, como as terras indígenas.

As autorizações são concedidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para a extração em pequena escala, chamadas de PLG (Permissão de Lavra Garimpeira).

Pedro Lima tinha em seu nome uma PLG em Cumaru do Norte, localizada em uma área vizinha à TI Kayapó, no limite leste do território. Legalizada, essa lavra informou uma megaprodução nos últimos anos, mas imagens de satélite não mostram sinais de atividade garimpeira.

Sede da empresa de Pedro Lima dos Santos, a CTM Construtora e Terraplanagem, alvo de investigação sobre garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó (Foto: Relatório Polícia Federal)
Sede da empresa de Pedro Lima dos Santos, a CTM Construtora e Terraplanagem, alvo de investigação sobre garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó (Foto: Relatório Polícia Federal)

A operação resultou na prisão de 13 pessoas, incluindo Pedro Lima, acusado de ser o principal articulador do esquema de “esquentamento” de ouro.

A PF também investiga a participação de policiais civis e militares no esquema. O delegado da Polícia Civil de Redenção, Vinícius Sousa Dias, é acusado de ser um dos líderes da organização criminosa e de utilizar seu cargo para amedrontar rivais e facilitar a extração ilegal de ouro. A investigação também apontou o envolvimento de outros policiais, como o terceiro sargento da PM Paulo Henrique Santos Pereira e o escrivão da Polícia Civil Danillo Santos Silva.

Terra Indígena Kayapó é a mais cobiçada pelo garimpo ilegal de ouro

Em 2021, a PF já tinha feito uma megaoperação contra garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó e batizou com outro nome italiano: Terra Desolata, que denota a devastação.

Na ocasião, a PF descobriu conexões de parte do ouro extraído ilegalmente ali com uma refinaria italiana. Com base na investigação, a Repórter Brasil revelou que o destino final do metal eram as big techs, como Apple, Google, Microsoft e Amazon

Apesar das investigações, os garimpos ilegais continuam crescendo nas áreas indígenas, ano após ano. A TI Kayapó lidera o ranking de área ocupada por garimpo, com 13,7 mil hectares em 2022 (o equivalente a 19 mil campos de futebol), segundo levantamento do MapBiomas. Essa área representa 54% de toda a extensão de garimpos abertos em terras indígenas naquele ano.

Mais de 6.000 indígenas vivem na TI Kayapó, que tem 3,2 milhões de hectares, ou quase 100 vezes o tamanho de Belo Horizonte (MG). O mercúrio usado para separar o ouro polui rios, contamina os peixes e adoece os indígenas. “As caças fogem com as explosões. O rio agora é só lama. A gente não come mais peixe nem caça; só o que compra no mercado, porque a água está contaminada e passa doença”, disse uma liderança indígena.

* Colaborou Isabel Harari

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