PATROCINADORA DE TIMES de futebol e dona de marca exposta em horário nobre da televisão, a Fatal Model se define como “o maior site de acompanhantes do Brasil”.
Desde 2016, a plataforma afirma conectar pessoas interessadas em comprar a profissionais dispostos a vender “experiências inesquecíveis” – de performances eróticas por webcam a relações sexuais de fato.
Com oito anos de estrada, a empresa tem números pujantes para mostrar: 3 milhões de clientes, 50 mil anunciantes ativos e faturamento de R$ 70 milhões em 2023. Tudo embalado em um discurso de valorização de profissionais desse segmento, “focando em segurança e empoderamento”.
No entanto, em postagens em redes sociais e em entrevistas à Repórter Brasil, acompanhantes vêm questionando os termos de uso da plataforma.
Uma das queixas mais comuns é sobre as assinaturas cobradas para impulsionar anúncios e garantir uma posição de destaque no site – uma espécie de vitrine. Apesar de desembolsarem valores elevados, de até R$494,90 por mês, profissionais afirmam não ter garantias de que suas postagens ganhem mais visibilidade.
“Ainda que seja um ponto de encontro virtual, as regras têm de ser muito claras. Como um anunciante verifica que a posição dele no site foi superior à dos que pagaram menos ou à dos que não pagaram?”, indaga Murilo Oliveira, juiz do Trabalho e professor da Faculdade de Direita da UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Outra reclamação diz respeito à imposição de taxas consideradas abusivas para alterar até mesmo informações básicas do perfil, como o nome do profissional ou o local de atendimento. A ferramenta de ocultação de idade, usada principalmente por acompanhantes mais velhos, também é cobrada à parte.
Profissionais ouvidos pela reportagem dizem ainda que a Fatal Model, ao se tornar referência do mercado de sexo plataformizado, concentra clientes e anunciantes, criando um cenário hipercompetitivo que tem obrigado acompanhantes a aceitarem pagamentos cada vez mais baixos.
“Neste mês, ficou super comum os caras falarem assim: ‘Eu tenho R$ 20 para a gente fazer uma chamada de 10 minutos’. Eu respondo que esse não é o meu valor para 10 minutos e eles falam coisas como: ‘É o que eu tenho. É pegar ou largar’”, comenta Bárbara, profissional que prefere usar um pseudônimo.
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Em nota, a Fatal Model afirma que “a compra de impulsionamentos é totalmente opcional” e que a plataforma “possui 32 mil acompanhantes anunciando de forma totalmente gratuita, o que representa 64% dos anúncios”.
O texto informa ainda que a negociação entre cliente e acompanhante ocorre por meio do Whatsapp do próprio anunciante, e que a Fatal Model “não tem ciência e nem controle sobre como as negociações são dadas, muito menos sobre valores e condições de pagamento”.
Leia o posicionamento da empresa ao longo desta reportagem e confira a íntegra das respostas aqui.
Plataforma cobra até para mudar informação sobre local de atendimento
Criadora de conteúdo adulto desde 2021, Artemis migrou para a Fatal Model em 2022, ao decidir trabalhar como garota de programa. “Eu nem pensei em não abrir uma conta. Se você vai começar num trabalho em que você precisa fazer anúncio, você vai entrar no maior site”, conta.
Inicialmente oferecendo atendimento presencial em uma cidade do interior de São Paulo, ela foi contatada por uma centena de clientes logo no primeiro dia, após assinar um plano de cerca de R$ 400.
Com o passar do tempo, ela conta que precisou dobrar os gastos em anúncios para garantir o mesmo número de interessados.
“Eles vendem essa ideia de que, para ter cliente, você tem que ficar entre os 10 primeiros resultados da busca. Quando eu comecei, eu pagava mais caro. Só que eu vi que isso era muito mais [fazer] um jogo deles do que realmente ter mais resultados”, completa.
No caso de Artemis, as despesas com a Fatal Model cresceram ainda mais quando ela começou a oferecer seu trabalho durante viagens. A plataforma cobra adicionais por mudanças nos dados do perfil, como o local de atendimento.
“Se eu vou para Ribeirão Preto, além de pagar minha viagem, eu vou estar pagando a assinatura, mais R$ 120 para aparecer nos classificados [do Fatal Model] da cidade. Quando voltar [para a minha cidade], é mais R$ 120 para trocar. Só que nem sempre você faz dinheiro”, explica.
Em fóruns de internet e redes sociais, também é possível encontrar acompanhantes externando descontentamento. No ReclameAqui, por exemplo, uma modelo afirma que gastou R$ 1.080 para alterar em seu perfil as cidades em que atua, ao longo de um mês e meio. “Vc paga, paga e não tem nenhum benefício nesse site”, afirma.
A nota da Fatal Model afirma que a cobrança para mudanças de informações nos perfis é uma medida de segurança.
“Há dois anos, identificamos que perfis que buscavam chantagear clientes e praticar extorsão tinham o hábito de alterar seu nome profissional a todo momento, com a finalidade de recorrentemente aplicar golpes, enquanto o profissional sério raramente fazia uso dessa iniciativa”, diz o texto.
A cobrança também seria uma forma de impedir “concorrência desleal” com os acompanhantes que moram de fato na cidade.
Plataforma ‘estimula’ barganha
Operando exclusivamente com atendimento online, Bárbara trocou há dois anos as plataformas de camming – em que as profissionais realizam performances eróticas por meio de webcam – pela Fatal Model.
Inicialmente, ela oferecia seus serviços a R$ 40 por 10 minutos de atendimento online. Desde agosto, porém, ela conta que passou a ser assediada em sua caixa de mensagens por clientes barganhando valores muito inferiores.
“Hoje em dia, eu sinto que a plataforma meio que estimula isso, sabe? E não está nem mesmo se esforçando para ensinar esse público: ‘olha, são os valores pré-estabelecidos pelos modelos’”, critica.
A nota da Fatal Model afirma que a plataforma promove campanhas de conscientização em redes sociais “pedindo que clientes respeitem o valor cobrado pelos profissionais, sem pedir descontos”.
O texto diz ainda que a empresa conta com “ótimos indicadores de permanência e satisfação dos acompanhantes com relação à plataforma”. Apesar disso, “sempre terão alguns usuários insatisfeitos e respeitamos o direito de liberdade individual e de expressão”.
Na falta de regulação, vale o que a plataforma quer
“Minha maior preocupação [com a Fatal Model] é com a plataformização do mundo das acompanhantes, precarizando e colocando em insegurança trabalhista as profissionais do sexo”, afirma Carolina Bonomi, pesquisadora da USP e especialista em trabalho sexual.
Na avaliação de Lorena Caminhas, pesquisadora e pós-doutoranda em ciências sociais da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a plataforma acaba amplificando problemas herdados das leis sobre a prostituição — que embora até seja reconhecida como profissão, não é um trabalho regulamentado.
“Talvez a gente até possa pensar que é parecido com o que acontece com a Uber, mas o mercado de sexo é um mercado marginal. Sempre foi precarizado”, afirma.
Ela aponta ainda que, na ausência de uma regulamentação clara, os termos de uso da Fatal Model acabam sendo a palavra final diante de qualquer discordância entre trabalhadores e plataforma, o que gera um desequilíbrio entre as partes.
“Sites para sexo têm ainda mais liberdade de ditar o mercado porque nem são mencionadas em projetos de legislação que tentam regular [plataformas digitais, como as redes sociais]”, complementa.
Para 2025, a Fatal Model tem como meta triplicar o faturamento de 2023. No começo deste ano, rumores sobre uma possível abertura de capital na Bolsa de Valores movimentaram as redes sociais e as páginas da imprensa, mas acabaram negados pela empresa.
Enquanto a Fatal Model projeta sua expansão para mercados internacionais, como Alemanha, México e Reino Unido, anunciantes insatisfeitos não conseguem deixar de usar a plataforma. As trabalhadoras ouvidas pela reportagem apontam que o aplicativo já responde por mais da metade de suas rendas mensais.
“Vi um comentário uma vez dizendo, ‘se vocês ganham muito dinheiro, qual o problema de pagar muito pela divulgação?’ Eu pensei: o dinheiro não vai ficar com o trabalhador nunca”, finaliza Artemis.
Em setembro, o Instituto Conhecimento Liberta (ICL) remeteu uma denúncia à Procuradoria Geral da República (PGR) contra a Fatal Model, por publicidade indevida. Segundo o ICL, a veiculação de propaganda em estádios de futebol, em horário livre na televisão aberta, viola o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
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