LOBISTAS DE JBS, Marfrig, Bayer e Syngenta estão entre as 26 empresas e associações credenciadas como parte oficial da delegação brasileira na 29ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP29), encerrada nesta sexta-feira (22) em Baku, no Azerbaijão.
O Brasil foi o país com mais representantes do agronegócio, com 54 ao todo na delegação oficial, à frente de Rússia e Austrália. Como convidados de governos, esses lobistas têm acesso privilegiado a espaços de negociações, conhecido como Zona Azul, onde circulam autoridades e tomadores de decisão.
A reportagem tomou como base um levantamento realizado pelos jornais britânicos DeSmog e The Guardian, a partir da lista provisória de participantes inscritos publicada pela UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima), além de informações apuradas pela Repórter Brasil na mesma base de dados.
O setor agropecuário é o maior emissor de gases de efeito estufa do Brasil, segundo dados do Observatório do Clima e do Imaflora. A maior parte das emissões no país é atribuída à fermentação entérica do gado, popularmente conhecida como “arroto” do boi. Somam-se a isso as emissões derivadas da mudança no uso da terra (como o desmatamento provocado pela agricultura) e do uso de fertilizantes sintéticos, tornando a agropecuária responsável por 74% das emissões totais do país.
Em 2023, o desmatamento de biomas brasileiros, como Cerrado, Caatinga e Pantanal, fez o país ser o quinto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, segundo a mesma base de dados.
A participação dos responsáveis pela crise climática na conferência da ONU pode colocar em risco a liderança do Brasil nesse debate, avalia Anna Cárcamo, especialista em política climática do Greenpeace Brasil. “Estamos em um momento fundamental para aumentar a ambição em [medidas de] mitigação para manter o aumento da temperatura global em até 1.5°C”, diz Cárcamo.
O Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima, entretanto, nega que esses setores tenham influência nas metas estabelecidas pelo país. “A presença de representantes de associações e empresas do setor agropecuário, assim como de outros setores, não compromete a meta climática do Brasil, estabelecida de forma técnica e independente”. Leia a resposta completa.
O elevado número de lobistas credenciados como parte oficial das delegações foi uma surpresa, afirma Rachel Sherrington, jornalista do DeSmog que coordenou o cruzamento de dados. O jornal mapeou 204 lobistas de grandes empresas, dos quais 40% foram credenciados pelos governos. No ano passado, esse grupo era de 30% e, no ano anterior, de apenas 5%. O levantamento foi divulgado inicialmente pelo site “O Eco”.
“O maior nível de acesso que se pode ter em uma COP é se você vier como parte de uma delegação governamental, que te permite acesso a todas as conversas, e é claro que também traz um ar mais ‘oficial’ para o participante”, afirma Sherrington à Repórter Brasil.
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Lobistas tiveram acesso às negociações mais importantes do clima
O Brasil é conhecido por ter uma das maiores delegações da COP. Neste ano, ficou apenas atrás do Azerbaijão, país sede.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, responsável pelo credenciamento, a participação de diferentes representantes da sociedade possibilita um “maior acompanhamento” dos debates por diversos atores. Além de credenciar o setor privado, o governo disponibiliza esse tipo de crachá a representantes de movimentos sociais, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, sindicatos, organizações não governamentais e academia. Confira a nota na íntegra.
O ministério afirma em seu site que “serão credenciados até dois representantes por organização. Somente serão aceitas solicitações de mais de dois representantes em casos excepcionais, devidamente justificados”. Bayer, BRF, Marfrig e JBS são algumas das empresas que conseguiram o credenciamento de mais de dois representantes neste ano.
Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima, diz que enxerga “com bons olhos” a participação do setor privado, apesar de os objetivos deles serem diferentes na convenção.
“Como a crise do clima afeta a todos e todos os setores, o setor privado tem todo direito de estar presente na COP. Isso vale para o setor agropecuário, que é nossa principal fonte de emissões. A gente sabe que eles não vão às COPs para apresentar mais ambição, mas vejo a exposição deles ao tema com bons olhos. Para mim, muito pior é ver o desfile de deputado ruralista aqui fazendo turismo”, afirma.
A falta de critério para seleção dos integrantes da delegação brasileira é questionada pela diretora executiva do ProVeg Brasil, Aline Baroni. “Todos os anos estamos entre os países que mais enviam participantes por meio do governo.Porém, os critérios de seleção não são claros, nem os propósitos da participação de cada um, ou os interesses que estão promovendo”.
As dúvidas pairam também sobre a COP30, que acontecerá no ano que vem em Belém (PA) e tem como objetivo revisar as metas assinadas no Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C, em relação aos níveis pré-industriais.
Rachel Sherrington, do DeSmog, afirma que a indústria já deve estar se movimentando para afastar acordos que gerem impactos no seu modo de produção. “Levando em consideração o tamanho das delegações que os países sede costumam levar, eu esperaria, infelizmente, um grande número de lobistas do agronegócio na COP30. E acho que os esforços de influência da indústria estão bem encaminhados”
Para ela, a proximidade que o governo brasileiro tem com o agronegócio pode fazer com que os esforços para minimizar os impactos climáticos gerados pela agricultura, desde a produção até a distribuição e consumo pela população, desapareçam.
Pecuária na COP
O setor da carne e de laticínios foi o que levou o maior número de delegados. Ao todo 52 lobistas foram credenciados como parte das delegações oficiais, sendo que 20 deles tinham o crachá do governo brasileiro (38% do total).
Entre eles estavam representantes da JBS, – maior produtora de carne do mundo, com receita líquida de US$ 3,1 bilhões no segundo trimestre de 2024, e que vem tentando limpar sua imagem e atrair maiores investimentos, inclusive públicos.
Os esforços da empresa para tentar afastar a sua responsabilidade nas emissões de carbono chegam até às universidades. Em abril, a Repórter Brasil revelou que a filial norte-americana da JBS investiu US$ 203 mil no centro de estudos da Universidade Estadual do Colorado, o AgNext, que desenvolve uma série de pesquisas que minimizam o papel da pecuária nas mudanças climáticas. Além disso, a empresa também bancou conteúdos pagos sobre o centro de pesquisas em veículos jornalísticos, como o Wall Street Journal e o Politico, para destacar os “esforços para construir uma pecuária sustentável”.
De acordo com informações do DeSmog, no ano passado, a empresa se empenhou para participar da COP, levando 11 delegados, em uma ação de relações públicas coordenada para impedir as críticas à pecuária.
A Marfrig, outra grande produtora de carne brasileira, também tem seu nome associado a diversos casos de desmatamento em sua cadeia de fornecedores. Recentemente, um relatório publicado pela organização Mighty Earth, divulgado pela Repórter Brasil, revelou que o frigorífico comprou animais do pecuarista Claudecy Oliveira Lemes, identificado como responsável pelo maior dano ambiental já registrado no Pantanal de Mato Grosso. A área desmatada é equivalente a quatro vezes o tamanho de Amsterdã.
A Marfrig é a principal acionista da BRF, outra gigante do setor agropecuário. Juntas, as marcas levaram oito lobistas na delegação brasileira em Baku.
Por meio de nota conjunta, BRF e Marfrig ressaltaram a importância da COP para a discussão dos desafios para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. “Paralelamente às negociações oficiais, as conferências têm se estabelecido como um importante fórum para promover iniciativas concretas, fortalecer o diálogo multissetorial e construir soluções colaborativas entre governos, empresas e organizações da sociedade civil.” Confira a nota completa.
Procurada pela Repórter Brasil, a JBS não enviou seu posicionamento até o fechamento desta reportagem.
O lobby dos agrotóxicos
Outro grupo que ganhou destaque foi o de agrotóxicos e fertilizantes, com 41 credenciados pelos países. Utilizados em larga escala na produção de commodities como soja e milho, esses produtos são comumente derivados de combustíveis fósseis e geram impactos negativos no solo, na água e na biodiversidade.
As fabricantes Bayer e Syngenta e a associação CropLife Brasil, que representa o setor, levaram seis lobistas na delegação brasileira. O lobby das três é conhecido em Brasília, com ações para impedir a proibição de uso de agrotóxicos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Investigações da Repórter Brasil mostraram como a indústria de agrotóxicos tem utilizado cientistas para defender o uso desses produtos. No início deste ano, conseguiram reverter uma decisão do Ibama e liberar por meio de decisão judicial o uso do tiametoxam no país, pesticida letal a abelhas.
Por meio de nota, a Syngenta informou que entende a relevância de sua participação como empresa líder no setor de tecnologias agrícolas.
A Bayer foi procurada, mas preferiu não se manifestar.
Multado pelo Ibama na COP
Credenciada como organização não governamental, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil levou 15 pessoas à COP, dentre eles o seu vice-presidente, Muni Lourenço Silva Júnior.
Segundo reportagem do Alma Preta, durante sua participação no painel “Inovação e transparência como soluções climáticas para o agro”, no Pavilhão Brasil, Silva Júnior ressaltou as dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais da Amazônia diante de uma legislação ambiental rigorosa.
Apurações do site The Intercept mostram que o vice-presidente da CNA foi multado em R$ 112 mil pelo Ibama em 2016. Ainda mostrou que ele havia assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) em 2019 com o IPAAM (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), para conseguir um desconto de 90% em uma multa. A exigência era de que ele apresentasse o plano de recuperar uma área de 8,5 hectares que haviam sido degradadas.
A CNA também tem um histórico de lobby contra demarcações de terras a quilombolas e camponeses.
Durante a COP, o grupo se reuniu com representantes do Google, para falar sobre inteligência artificial, e com o Centro de Ciência do Clima e da Resiliência (CR2) para “tratar de iniciativas de cooperação em áreas como pesquisa para transparência em mudanças climáticas, resiliência do clima, recursos hídricos e mudança do uso da terra”, segundo nota divulgada em seu site.
A Repórter Brasil entrou em contato com a CNA, que não respondeu até o fechamento da reportagem.
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