Ter atuação muito desfavorável ao meio ambiente, povos indígenas, trabalhadores rurais e outras comunidades do campo pode ter sido um bom negócio para os deputados federais que disputaram a reeleição. Dos dez parlamentares que mais votaram medidas e apresentaram projetos de lei negativos à agenda socioambiental, oito tiveram êxito na campanha deste ano – uma taxa de sucesso de 80%.
O índice de permanência dos parlamentares antiambientais é maior do que o apurado para todos os deputados federais eleitos em 2018 que concorreram neste ano: dos 424 que buscaram se reeleger, 66% conseguiram. É também superior ao da bancada ruralista, na qual 65% dos membros que tentaram a reeleição tiveram êxito, segundo a Folha de S.Paulo.
O cálculo da Repórter Brasil considera apenas os deputados que tentaram permanecer na Câmara, excluindo os que foram candidatos a senador, governador ou a outros cargos. Os suplentes também não entraram na conta. A análise dos políticos mais antiambientais foi feita com base no Ruralômetro 2022 – ferramenta que avalia a atuação socioambiental dos parlamentares. A pontuação individual de cada político foi aplicada à escala da temperatura corporal humana, podendo variar de 36º C a 42º C: quanto mais alta a temperatura, maior a “febre ruralista” do deputado.
“Nestas eleições, os eleitos são representantes de posições mais definidas. Parlamentares de direita perderam posição para parlamentares mais à direita”, avalia Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama. Para ela, esse fenômeno – que aconteceu também com os partidos de esquerda – ajuda a explicar o bom desempenho nas urnas dos deputados mais antiambientais.
Entre os reeleitos, quatro tiveram “febre ruralista” acima dos 40°C no Ruralômetro 2022. É o caso de Lucio Mosquini (MDB-RO, 41,3°C), autor de cinco projetos negativos para o meio ambiente na atual legislatura. Suas propostas fragilizam a fiscalização ambiental e abrem brechas que podem beneficiar invasores de terras públicas.
Com discurso de campanha pautado por fake news de caráter moralista e detentor de um passado violento como policial, o ex-delegado Éder Mauro (PL-PA, 40,9°C) também ganhou mais quatro anos na Câmara. Mauro se posicionou de forma desfavorável ao meio ambiente e aos povos do campo em todas as votações nas quais participou, além de ter apresentado pelo menos dois projetos pró-garimpo.
Outro que terá mais um mandato é o deputado Nicoletti (União-RR, 40,2°C), cujo histórico de atuação inclui 21 votos e 3 projetos desfavoráveis para a causa socioambiental. Em nota, a assessoria do parlamentar considerou que a análise dos projetos de lei pelo Ruralômetro é “totalmente distorcida” e não representa “os interesses da sociedade e das populações diretamente atingidas pela regulamentação” (leia a íntegra).
O ex-policial rodoviário José Medeiros (PL-MT, 40,1°C), que contou com o financiamento de ruralistas que acumulam multas ambientais, também se reelegeu. Conforme a Repórter Brasil mostrou, o deputado apresentou projetos que tentam fragilizar a fiscalização ambiental e podem, assim, beneficiar seus doadores de campanha.
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Ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Alceu Moreira (MDB-RS, 39,9°C) é outro dos deputados antiambientais que permanecerá no cargo em 2023. Nos últimos quatro anos, o político viu seu patrimônio saltar e votou 22 vezes contra o meio ambiente e os povos do campo. Sobre a evolução do patrimônio, a assessoria do deputado disse que seus “bens e recursos são todos legais, adquiridos com o trabalho e declarados”, e que iria pedir correção da declaração prestada ao TSE, que estava incorreta. Em relação ao desempenho de Moreira no Ruralômetro, não quis comentar.
Completam a lista de deputados mais antiambientais que conseguiram se reeleger Capitão Derrite (PL-SP, 39,9°C), Caroline de Toni (PL-SC, 39,9°C) e Luiz Nishimori (PSD-PR, 39,8ºC).
Por outro lado, o deputado mais mal pontuado no Ruralômetro terá de fazer as malas. Nelson Barbudo (PL-MT, 42°C) gastou mais de R$ 2,5 milhões em sua campanha, mas conseguiu apenas ficar como suplente para a próxima legislatura. O ruralista – que tinha sido o deputado mais votado em Mato Grosso em 2018 – tem histórico de multa do Ibama e apresentou projeto para reduzir de R$ 50 milhões para R$ 5.000 o limite das punições ambientais. À reportagem, Barbudo afirmou que se considera um defensor do meio ambiente e que estava recorrendo da multa recebida em 2005.
Na mesma situação está a Major Fabiana (PL-RJ, 39,9°C), autora de projeto que pode criminalizar movimentos sociais, que será apenas suplente a partir do próximo ano.
Na outra ponta do ranking, 4 dos 10 deputados com melhores notas no Ruralômetro não conseguiram permanecer na Câmara. São eles: João Daniel (PT-SE), Célio Moura (PT-TO), Professora Rosa Neide (PT-MT) e Ivan Valente (PSOL-SP). Já os dois mais bem posicionados no ranking, Nilto Tatto (PT-SP) e Patrus Ananias (PT-MG), seguem no Congresso, assim como Carlos Veras (PT-PE), José Guimarães (PT-CE), Marcon (PT-RS) e Valmir Assunção (PT-BA). Todos tiveram uma avaliação considerada 100% favorável para as causas socioambientais pelas 22 organizações consultadas.
A Repórter Brasil entrou em contato com os gabinetes de Éder Mauro, José Medeiros, Lucio Mosquini, Capitão Derrite, Caroline de Toni, Luiz Nishimori e Major Fabiana, mas não recebeu posicionamento até a conclusão deste texto.
Dança das cadeiras
A análise dos deputados reeleitos não é suficiente para prever como a Câmara vai se comportar nos próximos anos em relação a temas socioambientais, já que 202 dos parlamentares que tomarão posse em 2023 são novatos. A evolução dos tamanhos das bancadas, porém, sugere um aumento da polarização na comparação com a legislatura atual.
Tanto o conjunto dos partidos mais ruralistas como o dos ambientalistas tiveram crescimento, em detrimento do centro político da Câmara. “É um quadro mais difícil de negociar, porque são pessoas que não vão sentar juntas”, avalia Suely Araújo. A especialista pondera, porém, que as posições do Congresso a partir de 2023 dependerão das eleições para o Executivo, uma vez que os deputados de centro tendem a se aproximar do poder, isolando os grupos mais extremos.
Considerado o terceiro partido mais antiambiental pelo Ruralômetro, o PL, do presidente Jair Bolsonaro, viu sua bancada crescer de 76 para 99 deputados e deve se tornar a maior legenda na Câmara em 2023. Dos partidos que mais votaram contra o meio ambiente e os povos do campo, o MDB também vai aumentar, passando de 37 para 42 deputados. Esses crescimentos, no entanto, foram parcialmente compensados pelas reduções nas bancadas do Republicanos, PSC, PP, PTB e Novo, que também tiveram atuação socioambiental majoritariamente desfavorável, segundo a ferramenta.
Pior colocado no ranking, o Novo, por exemplo, viu sua representação diminuir de 8 para 3 parlamentares. Já o PTB caiu de 3 para apenas 1 deputado federal. Com os recuos, as duas legendas perdem o direito de enviar representantes para os debates em TV aberta nas próximas eleições.
Somados, os sete partidos com pior desempenho no Ruralômetro terão cinco cadeiras a mais a partir de fevereiro de 2023, quando tomam posse (serão 239 deputados contra 234 atuais).
O aumento é similar ao conquistado pelos sete únicos partidos que não apresentaram “febre ruralista” – PSOL, PT, Rede, PCdoB, PSB, PDT e PV. Juntas, as siglas passaram de 121 para 125 deputados.
“Em geral, há uma piora, mas não chega a ser uma revolução, porque o Congresso já estava muito direcionado a atacar a pauta socioambiental. Vamos ter gente mais escandalosa, mas hoje já estava muito ruim”, lamenta Araújo.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2020 2611 0/DGB0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil