A cada R$ 100 arrecadados pelas campanhas dos candidatos a governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Onyx Lorenzoni (PL-RS), R$ 20 vieram de doadores com histórico de multas ambientais. Aliados do presidente Jair Bolsonaro, cuja gestão é marcada por ações predatórias ao meio ambiente, os dois políticos estão no topo do ranking de financiamento por infratores entre todos os que disputam o segundo turno das eleições para os governos estaduais.
Mas esses não são casos isolados: candidatos bolsonaristas atraem mais financiamento de empresários com problemas com o Ibama e o ICMBio do que os que apoiam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo cruzamento feito pela Repórter Brasil com base em dados dos órgãos ambientais, do Tribunal Superior Eleitoral e da Receita Federal.
Dos 9 candidatos a governador neste segundo turno que declararam apoio ao atual presidente, 8 receberam doações de infratores ambientais, que totalizaram R$ 10,7 milhões. Do outro lado do espectro político, os cinco candidatos apoiados por Luiz Inácio Lula da Silva receberam juntos R$ 870.500 de infratores ou sócios de empresas multadas por violações ambientais. Já os quatro aspirantes a governador que não declararam apoio a nenhum dos presidenciáveis arrecadaram R$ 1,7 milhão com essas doações.
O candidato que mais recebeu dinheiro de doadores com multas foi o carioca Tarcísio de Freitas, que disputa o governo de São Paulo. A campanha do ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro arrecadou quase R$ 6 milhões de pelo menos 99 infratores ambientais.
O segundo da lista é Onyx Lorenzoni, candidato no Rio Grande do Sul, que recebeu R$ 2,5 milhões de doadores com histórico de violações ao meio ambiente. O gaúcho ocupou quatro pastas desde o início do governo Bolsonaro, sendo seu último cargo o de ministro do Trabalho e Previdência.
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O cruzamento considera as doações recebidas pelas campanhas até 19 de outubro e as multas registradas pelo Ibama desde 1989. No caso do ICMBio, a base de dados de infrações começa em 2020. Os financiamentos de campanha só podem ser feitos por pessoas físicas, mas a reportagem levantou as empresas dos doadores junto à Receita Federal para também apurar seu histórico de multas.
Procurada, a assessoria de imprensa de Tarcísio de Freitas afirmou que “não é razoável questionar ou exigir que o candidato responda pela conduta de cada doador. Cabe aos doadores seguir os critérios determinados pela legislação eleitoral e à campanha realizar a devida prestação de contas à Justiça Eleitoral” (confira a resposta na íntegra). Lorenzoni não respondeu às questões enviadas pela Repórter Brasil até a conclusão desta reportagem.
Discurso versus legado
Tarcísio tem adotado um discurso moderado quando o assunto é meio ambiente. Em suas propostas de campanha, destaca a intenção de gerar investimentos em pesquisas e novas tecnologias tanto para a área agrícola quanto para a ambiental. Além disso, afirmou em sabatina ao portal G1 que “não vai ter boiada, vai ter racionalidade” em relação à flexibilização de regras ambientais, tentando se desvincular do modo de gestão adotado pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Durante seu tempo como ministro, porém, um dos principais projetos defendidos por Tarcísio foi a Ferrogrão, ferrovia de 933 km que irá unir o porto de Miritituba (PA) a Sinop (MT) com o objetivo de escoar soja e milho. Reportagem da Repórter Brasil mostra que, apesar de a via férrea ainda não ter sido concluída, ela já traz impactos a pequenos agricultores, ribeirinhos, povos indígenas e à Amazônia. Outra de suas obras criticadas por ambientalistas é a pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus.
O legado do candidato tem atraído o interesse do agronegócio. É o caso do agropecuarista Luciano Maffra de Vasconcellos, que doou R$ 300 mil para a campanha de Tarcísio – uma das maiores doações registradas pelo político. Com fazendas em Correntina (BA) e Luziânia (GO), o empresário aparece na base de dados do Ibama com mais de R$ 952 mil em multas registradas por problemas como desmatamento, destinação indevida de embalagens de agrotóxicos e alteração de curso d’água.
Em entrevista à Repórter Brasil, Vasconcellos afirmou que as infrações protocoladas na Bahia foram forjadas e que nunca praticou atos ilegais contra o meio ambiente em nenhuma de suas propriedades. O empresário, que está nos Estados Unidos, também encaminhou documentos à reportagem indicando que não tem mais débitos com o órgão ambiental.
O agropecuarista não possui relações com São Paulo e afirma que a doação generosa foi dada por acreditar na competência do candidato, a quem vê como um potencial presidenciável no futuro. “Por que o Tarcísio? Porque eu tenho fazenda em Goiás, na Bahia e gosto de andar de carro”, diz entusiasmado, narrando que a promessa de doação foi feita quando encontrou o ex-ministro por acaso no aeroporto de Brasília. “Eu não estive com ele por mais do que 15 minutos e me impressionou muito.”
Outro apoio que Tarcísio de Freitas recebeu foi do empresário Salo Davi Seibel, no valor de R$ 50 mil. O bilionário é um dos donos da Leo Madeiras, empresa que acumula mais de R$ 7,1 milhões em multas no Ibama por comercializar e receber madeiras de origem nativa sem a licença do órgão e por manter em cativeiro espécies da fauna silvestre em desacordo com a legislação. Salo Davi Seibel é irmão e sócio de Helio Seibel, que doou R$ 100 mil à campanha de Ricardo Salles ao cargo de deputado federal.
Marcos Rodrigues, advogado da gerência jurídica e compliance da Leo Madeiras, afirmou que não têm conhecimento de doações feitas por acionistas da empresa a partidos políticos. Em relação às multas, disse que desconhece a fonte da informação e a existência de infrações. “Tivemos no passado autos de Infração, que foram completamente anulados em decisão judicial, anulação esta confirmada pelo STF e STJ e transitado em julgado” (leia aqui a íntegra de todas as empresas de doadores citadas neste texto).
Prioridade ao produtor
Enquanto Tarcísio busca se afastar do discurso que marcou o governo que compôs, Onyx tem uma postura mais agressiva em relação às pautas ambientais. Quando ainda chefiava a Casa Civil, em 2019, afirmou que o Brasil não desmatava na proporção denunciada por organizações europeias, a quem acusou de utilizar o meio ambiente para “confrontar os princípios capitalistas” com objetivo de estabelecer barreiras ao crescimento e ao comércio do país.
O tópico sustentabilidade é um dos menos abordados em sua proposta de campanha, que privilegia o interesse dos produtores em detrimento das preocupações com o meio ambiente. Nela, o candidato afirma que irá “valorizar, incentivar, respeitar e ouvir quem produz, invertendo a lógica dominante nas últimas décadas”. Além disso, propõe garantir a agilidade dos licenciamentos ambientais do estado, por meio da digitalização de processos e desburocratização.
Atuante na bancada ruralista, o ex-ministro gaúcho costuma atrair doações do setor agropecuário em suas campanhas, e desta vez não foi diferente. Os empresários Jorge Luiz e Eduardo Logemann deram R$ 16 mil ao candidato neste ano. Eles fazem parte do conselho de administração da SLC Agrícola, gigante que atua nos ramos da soja, algodão e milho e possui 23 unidades espalhadas por estados do Nordeste e Centro-Oeste.
Segundo informações do Ibama, a SLC tem multas que ultrapassam R$ 12,5 milhões, por infrações como desmatamento de floresta nativa e despejo de agrotóxicos em área de preservação permanente, dentre outras.
A assessoria de imprensa da empresa contesta do valor de multas disponibilizado na base oficial do Ibama, afirmando que o correto seria R$ 6,7 milhões. A companhia informa ainda que os autos de infração estão sendo questionados na Justiça. Quanto às doações, disse que “os acionistas e membros do conselho da SLC Agrícola são cidadãos atuantes e, de forma independente da empresa, participam do cenário político, econômico e social do país”.
Por intermédio da direção estadual de seu partido, Lorenzoni também recebeu R$ 1,4 milhão de Frederico, Carlos e Jorge Gerdau Johannpeter, herdeiros dos fundadores do grupo siderúrgico Gerdau. A família representou 50% das doações recebidas pelo candidato.
Segundo Guilherme Sturm, CEO do Essent Jus, é comum empresários realizarem doações ao partido em vez de apoiar diretamente um candidato específico, principalmente para não ter desconfortos com outros políticos que estão na disputa.
Quando Frederico e Jorge Johannpeter ainda estavam à frente da Gerdau, a Companhia Siderúrgica Pains, subsidiária do grupo, recebeu mais de R$ 21 milhões em multas por infrações como transportar carvão produzido com árvores nativas e omitir guias florestais. Já a Agroland – Agropecuária e Reflorestamento LTDA, comandada por Carlos, foi multada em R$ 80.500 por ampliar canal de drenagem em área de preservação ambiental e fazer obras sem licença do Ibama, dentre outras infrações.
Por telefone, a assessoria de imprensa da Gerdau informou que os empresários não fazem mais parte do quadro societário e não possuem cargos em nenhuma das empresas gerenciadas pelo grupo. Entretanto, não respondeu em relação às multas ambientais. A Repórter Brasil entrou em contato com a Agroland por meio de seu advogado, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto para posicionamento.
Lorenzoni aparecia em segundo lugar na disputa pelo governo do Rio Grande do Sul na pesquisa Ipec divulgada no dia 21, com 41% das intenções de voto, contra 50% do seu concorrente Eduardo Leite (PSDB). Já em São Paulo, segundo sondagem do mesmo instituto divulgada no dia 25, Tarcísio de Freitas aparecia com 46%, empatado dentro da margem de erro com Fernando Haddad (PT), que estava com 43%.