A Força Nacional assumiu a responsabilidade pela morte de Oseias dos Santos Ribeiro, atingido por um tiro de fuzil na última segunda-feira (16) na Vila Renascer, comunidade com cerca de 210 famílias que vivem ilegalmente dentro da Terra Indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA).
Desde o dia 2 de outubro, centenas de agentes da Força Nacional, além de policiais federais e servidores de órgãos como Abin, Ibama e Incra, realizam uma megaoperação para retirar os ocupantes irregulares da TI.
Oseias foi encontrado baleado no abdômen e caído no mato pelos moradores da Vila Renascer, que gravaram vídeos ao lado do corpo responsabilizando um agente da Força Nacional pela morte. O comando da operação foi procurado pela Repórter Brasil logo depois da divulgação dos vídeos e levou 30 horas para responder, assumindo a responsabilidade.
“Um dos invasores tentou tomar a arma de um dos policiais da Força Nacional de Segurança, resultando em um tiro que, infelizmente, levou a óbito o invasor”, afirmou em nota a Secretaria Geral da Presidência, responsável pelo comando da operação.
A TI Apyterewa foi a terra indígena na Amazônia mais desmatada nos últimos quatro anos. O comando da operação estima que cerca de 60 mil bois pastem ilegalmente no interior da área reservada ao povo Parakanã.
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Desde o início da retomada da área, a pressão para suspender a operação aumentou. Nesta terça (17), quatro deputados estaduais foram até a Vila Renascer e se reuniram com os moradores. “Jamais concordamos que as forças de segurança, que deveriam proteger a população cometam um absurdo desses”, disse o deputado estadual Torrinho (Podemos), referindo-se à morte de Oseias.
Torrinho e seu irmão, o prefeito de São Félix do Xingu, João Cléber (MDB), estão em campanha aberta para paralisar a operação. Já percorreram os gabinetes do governo em Brasília e contam com a colaboração do governador Helder Barbalho (MDB), que, segundo eles, pressiona diretamente o presidente Lula (PT) para paralisar a operação. Governador e presidente, contudo, não se manifestaram publicamente sobre a questão.
Quem também foi até a Vila Renascer na terça-feira (17) foi o deputado estadual Bordalo (PT), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Pará. O petista falou, em vídeo divulgado nas redes sociais, que o presidente Lula ordenou a suspensão da operação. A mesma informação já havia sido compartilhada por Torrinho e João Cleber.
A assessoria do comando da operação, porém, afirmou nesta quarta (18) que a operação continua.
Torrinho publicou imagens de uma reunião dos deputados com o assessor da Secretaria Geral da Presidência, Nilton Tubino, que comanda a operação. Os parlamentares levaram para Tubino relatos de abusos cometidos pelos policiais envolvidos na operação. Segundo Torrinho, o agente da Força Nacional que matou Oseas foi afastado.
Situada no sudoeste do Pará, a TI Apyterewa é alvo de madeireiros, grileiros, pecuaristas e garimpeiros ilegais e já perdeu 106.000 hectares de floresta desde a sua criação em 2007, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Ambos pecuaristas, o prefeito e seu irmão defendem a manutenção dos habitantes irregulares na área e a redução da área demarcada para o povo Parakanã. A terra indígena tem 773 mil hectares – uma área equivalente a cinco municípios de São Paulo. A retirada dos não indígenas da TI cumpre um conjunto de decisões judiciais, dentre elas, a do Supremo Tribunal Federal (STF).
Eles têm prazo até 30 de outubro para saírem voluntariamente do território e retirar o gado irregular. A estratégia da operação, até o momento, é cercar as entradas da TI e desabastecer o comércio para forçar a saída dos ocupantes irregulares. A energia elétrica e o fornecimento de combustível e gás de cozinha também foram cortados.
A equipe da Repórter Brasil acompanhou os primeiros dias da operação, presenciando os momentos de tensão e a retirada do gado, que segue por caminhões e em comitivas cruzando a terra indígena. Enquanto isso, servidores do Incra cadastram os não indígenas para que eles possam participar de editais dos programas de Reforma Agrária.
O clima é de revolta. Os moradores não se consideram invasores e se sentem injustiçados por terem que deixar o território, além de não acreditarem que serão contemplados com um lote em algum assentamento.
A superintendência do Incra no Sul do Pará atende 39 municípios e tem uma demanda reprimida de 30 mil famílias, que estão acampadas em locais irregulares, segundo o superintendente Reginaldo Negreiros. Falta dinheiro até para abastecer os veículos, segundo Negreiros, que também destaca o número insuficiente de servidores.
Indígenas temem retaliações
Cerca de 700 indígenas vivem na porção norte da TI Apyterewa, próxima ao rio Xingu. Há também registros de indígenas isolados e de recente contato. Enquanto políticos e moradores irregulares pressionam pelo fim da operação, o Ministério Público Federal defende a desocupação do território.
“Estamos acompanhando de perto esses trabalhos com grandes expectativas. Somente a partir da desintrusão será possível garantir que, finalmente, o povo Parakanã possa usufruir da terra que foi demarcada exclusivamente para eles”, afirmou a subprocuradora-geral da República Eliana Torelly, coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF.
Torelly esteve na aldeia Raio de Sol na terça-feira (17) acompanhando uma equipe do MPF do Pará. O aumento da tensão com a operação em curso, assusta os indígenas. Segundo a Agência Pública, indígenas das aldeias Tekatawa e Kaeté saíram de suas casas com receio de retaliações.
O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Ulrich Steiner, apoia a operação de desintrusão e gravou um vídeo: “É um momento de tensão, mas é um momento de tensão que deve ser enfrentado”, disse o religioso, pedindo para que o governo cumpra com o que foi decidido.
*Daniel Camargos é fellow da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center, em parceria com a Repórter Brasil