PF prende político acusado de garimpar 3 toneladas de ouro em terras indígenas

Pedro Lima dos Santos é apontado como o cabeça de uma organização criminosa que explorava ilegalmente ouro na Terra Indígena Kayapó, no Pará, e em outras partes da Amazônia. Esquema investigado pela Polícia Federal tinha participação de policiais civis e militares, que também foram presos
Por Isabel Harari e Daniel Camargos | Edição Diego Junqueira
 19/09/2024

UM ESQUEMA BILIONÁRIO de garimpo ilegal de ouro na Amazônia começou a ser desmantelado pela Polícia Federal (PF) na semana passada, com a prisão de 13 suspeitos, incluindo um funcionário público e quatro policiais. A investigação aponta que a empresa de um servidor da Prefeitura de Redenção, no sul do Pará, comprava ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Kayapó e de outras lavras irregulares nos estados do Pará, Amazonas, Mato Grosso e Roraima. 

O líder da organização criminosa, segundo a PF, é Pedro Lima dos Santos, sócio da Mineradora Dente Di Leone. Detido na última terça-feira (10), ele é supervisor na secretaria de obras da prefeitura de Redenção. Vereador entre 2013 e 2017 pelo PSDB, Pedro Lima ficou como suplente em 2016 pelo PSC e em 2020 pelo Democrata (atual União Brasil), chegando a assumir o cargo por alguns meses em 2024.

De acordo com a investigação, a Dente Di Leone comercializou 3,14 toneladas de ouro ilegal entre 2021 e 2023, faturando R$ 847 milhões com a venda para empresas intermediárias.

Operação Bruciato desmantelou esquema criminoso de garimpo e mineração de ouro (Foto: Polícia Federal)
Operação Bruciato investiga esquema criminoso de garimpo e mineração de ouro (Foto: Divulgação/Polícia Federal)

A Repórter Brasil já tinha revelado em 2023 que Pedro Lima era suspeito de operar um “garimpo fantasma” no sul do Pará. Os negócios já eram investigados por possíveis laços com um esquema de contrabando ilegal de ouro, que forneceu o minério extraído de terras indígenas para refinadoras de Nova York, nos Estados Unidos, e Istambul, na Turquia.

A Operação Bruciato da PF prendeu ainda dois policiais militares e dois policiais civis do Pará, incluindo um delegado. Os agentes seriam responsáveis por comandar garimpos dentro da TI Kayapó. Dois indígenas também foram presos acusados de conivência com os garimpeiros e de facilitação das ilegalidades, mediante pagamentos. 

Ao todo foram expedidos 13 mandados de prisão preventiva, além de 33 mandados de busca e apreensão. “[Trata-se de] Uma sofisticada organização criminosa envolvida na extração e comercialização ilegal de ouro”, diz o pedido de prisão, acessado pela Repórter Brasil

Pedro Lima é descrito como “o principal articulador da prática ilícita do ‘esquentamento do ouro’”. Além da extração e comércio ilegal do minério, ele vai responder por lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e organização criminosa. A PF também aponta o envolvimento em outros crimes dos policiais presos, como corrupção e homicídio.

Procurado, o advogado de Pedro Lima afirmou à reportagem que não vai comentar o caso, pois não teve acesso aos autos do processo.

Pedro Lima dos Santos é apontado pela Polícia Federal como o cabeça da organização criminosa (Foto: Arquivo pessoal)
Pedro Lima dos Santos é apontado pela Polícia Federal como o cabeça da organização criminosa (Foto: Arquivo pessoal)

ASSINE NOSSA NEWSLETTER

Garimpo fantasma ‘esquentou’ 3,14 toneladas de ouro

De acordo com as investigações da Polícia Federal, o esquema era baseado no uso de um “garimpo fantasma” no Pará para emitir documentos falsos e “esquentar” (legalizar) o ouro extraído ilegalmente de várias regiões da Amazônia. Além da TI Kayapó, a suspeita é de que ouro retirado da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, a 1.700 quilômetros de distância, também tenha sido “esquentado” pelo esquema.

Garimpos fantasmas são lavras garimpeiras legalizadas que informam a produção de grandes quantidades do minério, mas que de fato não extraem ouro. Esses garimpos são usados por esquemas criminosos para ocultar a real origem de metal extraído irregularmente de áreas sem permissão, como as terras indígenas.

As autorizações são concessões dadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para a extração em pequena escala, chamadas de PLG (Permissão de Lavra Garimpeira).

Pedro Lima tinha em seu nome uma PLG em Cumaru do Norte, localizada em uma área vizinha à TI Kayapó, no limite leste do território. Legalizada, essa lavra informou uma megaprodução nos últimos anos, mas imagens de satélite não mostram sinais de atividade garimpeira no local.

“A profundidade da cava deveria ser maior para se chegar à produção indicada, o que não ocorreu na área do PLG devido à ausência de extração mineral”, diz a decisão judicial. 

Segundo a investigação, entre 2020 e 2023 não houve qualquer registro de movimentação associada ao garimpo nessa PLG. Seria impossível, portanto, que mais de 3 toneladas de ouro fossem extraídas da área. O laudo geológico da PF aponta “de forma cabal” que não houve nenhum tipo de exploração mineral no local, afirma o documento da Justiça Federal obtido pela reportagem.

O garimpo fantasma de Pedro Lima fica no limite com a Terra Indígena Kayapó, em Cumaru do Norte (Créditos: Imagens da ©Airbus DS/Earthrise, cedidas para a Repórter Brasil)
O garimpo fantasma de Pedro Lima fica no limite com a Terra Indígena Kayapó, em Cumaru do Norte (Créditos: Imagens da ©Airbus DS/Earthrise, cedidas para a Repórter Brasil)

Além do “garimpo fantasma”, a investigação da PF aponta que a organização criminosa envolveu uma série de atores para mascarar a origem do minério, como mineradoras, cooperativas de garimpeiros, postos de combustíveis e lojas de joias e de aluguel de máquinas, alguns deles de fachada. 

A PF descobriu que a Dente Di Leone comprava o minério de diversas fontes, incluindo garimpeiros, cooperativas e empresas ligadas à atividade mineradora. Segundo as investigações, Pedro Lima enviou “vultosas remessas de valores aos investigados e [a] outros não identificados, que atuam diretamente na exploração mineral”. 

Em entrevista concedida em 2021 para uma rede de televisão local, o político e empresário paraense defendeu os garimpos, reclamou que os garimpeiros eram tratados como bandidos e classificou de “pirotécnicas” as operações para combater os pontos ilegais de mineração. 

Contou também que, no ano de 2020, foi a Brasília reunir-se com o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), a quem avaliou como “solidário” à causa dos garimpeiros. “Quando a gente chega em Brasília, ele está pronto para nos atender”, disse. 

Procurado pela Repórter Brasil, o senador disse que não se manifestaria, pois o fato não tem vinculação com o mandato dele.

Segundo a PF, o ouro era extraído ilegalmente da Terra Indígena Kayapó e de outras lavras irregulares no Pará, Amazonas, Mato Grosso e Roraima (Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace)
Segundo a PF, o ouro era extraído ilegalmente da Terra Indígena Kayapó e de outras lavras irregulares no Pará, Amazonas, Mato Grosso e Roraima (Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace)

Empresas que compraram o ouro ilegal também estão na mira da Justiça

As 3,14 toneladas de ouro foram comercializadas pela Dente Di Leone para apenas duas empresas: a Fênix Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTMV) Ltda e a BAMC Laboratório de Análises de Solos e Minérios Ltda. Nesse negócio, a mineradora de Pedro Lima embolsou um total de R$ 847 milhões.

Segundo as informações da Justiça Federal, o ouro negociado entre Dente Di Leone, Fênix e BAMC foi “obviamente extraído de outros garimpos da região, que não fazem parte de nenhuma área acobertada por permissão de lavra junto à ANM”. 

A Fênix DTVM já tinha suspendido as compras com a empresa Pedro Lima em março de 2023, após a Repórter Brasil revelar as primeiras suspeitas sobre o investigado.

A mesma reportagem mostrou as conexões da BAMC com um esquema internacional de contrabando de ouro da Terra Índigena Yanomami. O dono da empresa, Brubeyk Nascimento, foi preso quatro meses após a publicação da reportagem

Na operação da semana passada, a Fênix foi um dos alvos dos mandados de busca e apreensão. A Justiça autorizou o acesso a computadores e banco de dados da Fênix. A decisão ainda determinou a suspensão das atividades de extração e comércio minerário, além da apreensão do “ouro in natura até o limite de 3,14 toneladas” nas buscas realizadas na sede da Fênix em Cuiabá (MT). 

Procurada pela Repórter Brasil, a Fênix DTVM reiterou que encerrou os negócios com a Dente Di Leone “assim que tomou conhecimento da possível irregularidade”, e que está à disposição das autoridades para esclarecimentos (veja a íntegra do posicionamento).

A Repórter Brasil não conseguiu confirmar se a BAMC também foi alvo da operação Bruciato. A empresa foi procurada pela reportagem por telefone e e-mail, mas não retornou.

Terra Indígena Kayapó é a mais cobiçada pelo garimpo ilegal de ouro

Bruciato é uma palavra italiana que significa “queimado”. Em 2021, a PF já tinha feito uma megaoperação contra garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó e batizou com outro nome italiano: Terra Desolata, que denota a devastação.

Na ocasião, a PF descobriu conexões de parte do ouro extraído ilegalmente com uma refinaria italiana. Com base na investigação, a Repórter Brasil revelou o destino final do metal, que chegava às big techs, como Apple, Google, Microsoft e Amazon

Apesar das investigações, os garimpos ilegais  continuam crescendo nas áreas indígenas, ano após ano. A TI Kayapó lidera o ranking, com 13,7 mil hectares em 2022 (o equivalente a 19 mil campos de futebol), segundo levantamento do MapBiomas. Essa área representa 54% de toda a extensão de garimpos abertos em terras indígenas naquele ano.

(Infografia: Rodrigo Bento/Repórter Brasil)

“Embora as operações policiais devam continuar, elas não conseguirão lidar com o poder do garimpo enquanto o ouro ilegal puder ser facilmente lavado e exportado para consumidores globais como uma mercadoria legítima”, afirma Christian Poirier, diretor de programas da Amazon Watch.

Mais de 6.000 indígenas vivem na TI Kayapó. Com 3,2 milhões de hectares, o território tem quase 100 vezes o tamanho de Belo Horizonte (MG). O mercúrio usado para separar o ouro polui rios, contamina os peixes e adoece os indígenas. “As caças fogem com as explosões. O rio agora é só lama. A gente não come mais peixe nem caça; só o que compra no mercado, porque a água está contaminada e passa doença”, disse uma liderança indígena.

Em março deste ano, a Repórter Brasil lançou o documentário “A floresta Kayapó em pé”. O curta-metragem aborda as diferenças entre a minoria de aldeias que aceita e a maioria que rejeita o garimpo de ouro.

Leia também

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM

Imagem mostra garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará. O território é o mais invadida por garimpos, seguido pela terra dos Mundurukus e pela terra dos Yanomami (Foto: Christian Braga/Greenpeace)