Operações deslocam garimpo ilegal para Terra Indígena Sararé (MT), aponta ministério

Após a retirada de invasores das Terras Indígenas Yanomami, Kayapó, Munduruku e outras áreas protegidas, grupos empresariais migram operações ilegais da região Norte para a TI Sararé, em Mato Grosso
Por Daniel Camargos

DE BELÉM (PA) — A coordenadora de acompanhamento de desintrusão do MPI (Ministério dos Povos Indígenas), Julia Ospina Kimbaya, afirmou que o governo federal identificou um deslocamento de redes empresariais do garimpo ilegal para a Terra Indígena Sararé, no Mato Grosso. Segundo ela, o movimento ocorre após operações de retirada de invasores em territórios protegidos, como a Terra Indígena Yanomami.

Essas operações, chamadas de “desintrusão”, são consequência da ADPF 709 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) apresentada em 2020 que obrigou o governo, durante a pandemia, a adotar medidas permanentes para proteger povos indígenas e retirar ocupantes ilegais de oito territórios, entre eles Yanomami, Munduruku, Kayapó e Apyterewa. 

Julia participou de um painel na terça-feira (18) na Aldeia COP, espaço indígena da COP30, em Belém (PA), e afirmou que, embora tenha havido redução do garimpo ilegal em alguns desses territórios, as estruturas não desapareceram, apenas se deslocaram. “Há uma relação intrínseca entre as redes que atuam em Yanomami, Kayapó, Munduruku e Sararé”, disse. 

“Quando o Estado pressiona um território, eles (garimpeiros) se deslocam para outro”. Julia Ospina Kimbaya, do MPI

O deslocamento envolve tanto facções criminosas quanto grupos empresariais que fornecem máquinas, combustíveis e logística para o garimpo. Julia afirmou que indígenas continuam sendo aliciados para trabalhar nas frentes ilegais sem receber retorno financeiro. “A forma de garimpo é perversa nas terras indígenas”, disse.

Na TI Sararé, o efeito já é visível. O território lidera, em 2025, os alertas de garimpo ilegal no país, com 1.814 registros do Ibama. Uma operação federal, coordenada pelo MPI e iniciada em agosto, destruiu 490 acampamentos, 113 escavadeiras, 361 motores de garimpo e quase 51 mil litros de combustível, além de motos, caminhões e munições. O prejuízo estimado ao garimpo ilegal supera R$ 177 milhões, segundo o Censipam, que acompanha o avanço das atividades clandestinas na região.

O território tem 67.719 hectares e abriga 201 pessoas do povo Nambikwara. Homologado em 1985, a área combina trechos de floresta e cerrado e convive com pressões contínuas de garimpeiros, madeireiros, fazendeiros e grileiros, de acordo com informações do ISA (Instituto Socioambiental)

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Pós-desintrusão é preocupação do governo

Julia defende transformar as medidas a serem tomadas após a desintrusão em política permanente de Estado, com orçamento próprio e continuidade semelhante ao PPCDAN, plano de combate ao desmatamento, do Ibama. “Desintrusão é atividade contínua”, disse.

Ela afirma que o MPI tem buscado integrar Funai, Ibama, ICMBio, Polícia Federal e Força Nacional em ações e também fortalecer associações indígenas, para que as comunidades possam acessar editais de financiamento e criar alternativas econômicas no pós-desintrusão.

“Isso ajuda a tirar os parentes das atividades ilegais”, afirma Julia, que pertence ao povo Kimbaya, na Colômbia, e atuou no Rio Grande do Sul em pesquisas e articulações ligadas ao direito indígena e à ecologia política.

A situação da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, mostra as dificuldades do pós-desintrusão. Mesmo sendo uma das terras prioritárias da ADPF 709, a violência permaneceu alta desde o início de 2024, quando a operação foi encerrada.

A TI Apyterewa tinha cerca de 2.000 invasores, concentrados principalmente na Vila Renascer; todas as casas, erguidas próximas a uma base da Funai, foram destruídas (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
A TI Apyterewa tinha cerca de 2 mil invasores, concentrados principalmente na Vila Renascer, antes da operação de desintrusão ser iniciada em outubro de 2024; todas as casas, erguidas próximas a uma base da Funai, foram destruídas (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Vários ataques armados foram registrados nos últimos meses, incluindo tiroteios contra casas recém-construídas e emboscadas contra indígenas que se deslocavam para caçar. Em janeiro, três Parakanã foram atacados por pistoleiros. Em dezembro passado, dezenas de tiros atingiram estruturas de madeira. A Polícia Federal abriu investigações, e o MPI renovou as portarias de presença da Força Nacional. A APIB enviou ao STF, em maio, um relatório denunciando falhas no plano de pós-desintrusão e cobrando reforço da segurança.

Os Parakanã enfrentam o retorno de invasores atraídos pelo preço do cacau e pela permanência de gado ilegal deixado por ocupantes que fugiram da operação. Plantios abandonados continuam gerando conflitos internos e disputas por colheita.

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A circulação de empresários ligados ao garimpo ilegal também se reorganizou diante das operações federais. Em abril, a Repórter Brasil revelou que operadores investigados no Brasil estavam levando escavadeiras e investimentos para a Guiana, onde a legislação permite mineração em terras indígenas mediante acordos com comunidades locais. A reportagem mostrou que empresários atuantes em áreas como Yanomami, Kayapó e Munduruku expandiram negócios ao país vizinho ao perceberem maior repressão no Brasil.

Quando pressionadas pela fiscalização, essas redes não se desfazem, mas apenas se deslocam, como explica Julia. Por isso, ela diz que o desafio é manter a presença do Estado de forma constante, para impedir que o garimpo ocupe regiões onde a fiscalização ainda é frágil.

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Julia Ospina Kimbaya é coordenadora de acompanhamento de desintrusão do Ministério dos Povos Indígenas (Foto: Daniel Camargos/Repórter Brasil)
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