Munduruku bloqueiam entrada da COP30 e cobram reunião urgente com Lula

Em protesto iniciado às 5h, indígenas do Pará protestam contra o governo federal, por permitir o avanço de uma série de grandes projetos sem consulta às comunidades afetadas, como a Ferrogrão e a implementação de uma ferrovia no rio Tapajós; após mais de quatro horas e negociação com o presidente da COP, a entrada da Blue Zone foi liberada às 9h30
Por Daniel Camargos, Fernando Martinho e Isabel Harari

DE BELÉM (PA) — Dezenas de indígenas do povo Munduruku, vindos de aldeias próximas a Itaituba e Jacareacanga, no Pará, protestaram nas primeiras horas desta sexta-feira (14) diante dos portões fechados da Blue Zone da COP30, em Belém.

O ato bloqueou a entrada do principal pavilhão da conferência climática da ONU (Organização das Nações Unidas) por cerca de quatro horas. Após a chegada do presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, e negociação com a delegação Munduruku, a entrada foi liberada, por volta das 9h30. As lideranças indígenas pediam reunião urgente com o presidente Lula e afirmavam que só deixariam o local se fossem recebidos por autoridades.

O protesto Munduruku mira o governo federal, que tem permitido o avanço de uma série de projetos sem consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas impactadas. As queixas recaem sobre hidrovias e portos privados, além de iniciativas de crédito de carbono, do agronegócio e da implementação da Ferrogrão — estrada de ferro que pretende ligar os municípios produtores de grãos no Mato Grosso a terminais fluviais de cargas no Pará.

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, e a diretora executiva da COP, Ana Toni, chegaram ao local por volta das 8h30 para negociar com os manifestantes.

Eles conversaram com as ativistas Maria Leusa Kaba Munduruku e Alessandra Korap Munduruku, entre outras lideranças. Em determinado momento, Lago segurou no colo o filho mais novo de Maria Leusa.

Após breve conversa, os representantes da COP e a delegação Munduruku se dirigiram a uma área reservada para negociar. Poucos minutos depois, a entrada da Blue Zone foi liberada pelos manifestantes.

Havia centenas de pessoas barradas no local à espera de liberação para entrar na área de conferências da ONU.

Dezenas de pessoas se aglomeraram em frente à Blue Zone durante o protesto Munduruku (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Dezenas de pessoas se aglomeraram em frente à Blue Zone durante o protesto Munduruku (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

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‘Nossa floresta não está à venda’

O ato de hoje foi articulado pelo Movimento Munduruku Ipereg Ayu. “Presidente Lula, estamos aqui na frente da COP porque queremos que o senhor nos escute”, diz a nota do movimento. “Revogue o Decreto 12.600. Cancele a Ferrogrão. Demarque nossas terras. Fora crédito de carbono. Nossa floresta não está à venda”, diz o texto.

O grupo saiu da Aldeia COP — um espaço organizado pelo Ministério dos Povos Indígenas e organizações sociais que abriga cerca 3 mil indígenas do Brasil e de outros países — e caminhou até a entrada da área restrita da ONU. Ao chegarem, encontraram o acesso trancado e policiais da Força Nacional posicionados na entrada do Parque da Cidade. Uma liderança afirmou: “Se o portão está fechado, ninguém entra e ninguém sai”. Mais policiais seguem chegando ao local.

Os manifestantes pedem revogação do Decreto 12.600/2025, cancelamento do projeto da Ferrogrão e proteção contra grandes empreendimentos dentro do território (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Os manifestantes pedem revogação do Decreto 12.600/2025, cancelamento do projeto da Ferrogrão e proteção contra grandes empreendimentos dentro do território (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

O Decreto 12.600/2025, que instituiu o Plano Nacional de Hidrovias, é o principal alvo do protesto. O texto estabelece os rios Tapajós, Madeira e Tocantins como eixos prioritários de navegação de cargas. Para os Munduruku, o decreto abre caminho para novas dragagens e para o derrocamento de pedrais sagrados. “Transforma o rio em estrada de soja”, criticou uma liderança.

Os Munduruku também são um dos povos mais afetados pela contaminação por mercúrio decorrente do garimpo de ouro em suas terras. 

As lideranças rejeitam projetos de crédito de carbono e mecanismos de REDD+ discutidos na COP30. Para o movimento, esses mecanismos permitem a entrada de empresas nos territórios e não enfrentam os problemas causados pelo desmatamento industrial, pelo garimpo e pelas hidrovias.

Indígenas Munduruku bloqueiam entrada da Blue Zone e cobram reunião urgente com Lula (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Indígenas Munduruku bloqueiam entrada da Blue Zone e cobram reunião urgente com Lula (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
(Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
Entrada oficial da Blue Zone ficou bloqueada por cerca de quatro horas (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Dados do Inesc apontam que 68% do investimento federal em infraestrutura na Amazônia, entre 2010 e 2022, foram destinados a corredores de exportação. Em 2023, 47% da soja brasileira saiu pelo Arco Norte. A movimentação de cargas no Tapajós passou de 4 mil toneladas em 2019 para 167 mil toneladas em 2022. As lideranças relatam redução da pesca, contaminação da água, restrição de circulação e impactos de dragagens recentes no rio como efeitos das atividades econômicas.

O movimento cobra também o cancelamento definitivo da Ferrogrão. O projeto prevê o transporte de grãos de Sinop (MT) até Miritituba (PA). Estudos do Ministério dos Transportes indicam que o volume transportado pelo Tapajós pode multiplicar por seis até 2049. Para os Munduruku, isso amplia a instalação de portos nos municípios de Miritituba, Itaituba e Trairão, e intensifica dragagens e pressões sobre o território.

As lideranças também pedem ainda a aceleração das demarcações de terras indígenas. Os processos estão parados no Ministério da Justiça e na Casa Civil. O movimento relaciona o aumento de conflitos na região ao avanço da soja.

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O embaixador André Correa do Lago, presidente da COP30, segurou o filho da ativista Maria Leusa Munduruku durante as negociações para liberar a entrada da Blue Zone, ao lado de Ana Toni (de branco), CEO da COP30 (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
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