Mais da metade dos deputados federais eleitos para a atual legislatura recebeu financiamento de doadores que estão na lista de autuados do Ibama. Dos 513 eleitos, 249 receberam um total de R$ 58,9 milhões em doações oficiais de empresas e pessoas que desmataram e queimaram florestas, entre outros crimes e infrações ambientais. O valor inclui contribuições diretas e indiretas — quando o dinheiro passa pelo comitê ou diretório do partido.
Receber essas doações não é crime, nem é vedado pela Justiça Eleitoral. Mas a grande proporção de financiadores-infratores chama atenção, em especial quando se trata de uma legislatura que aprovou projetos criticados por seus impactos ao meio ambiente. Caso da “MP da Grilagem”, como ficou conhecida a medida provisória que facilita a regularização de áreas públicas invadidas. Assim como das votações que reduziram a proteção da Floresta Nacional do Jamanxim e de dois parques nacionais.
Os doadores autuados são, no total, 92 empresas e 40 pessoas físicas. Os dados têm como fonte as declarações dos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral e a lista de autuados do Ibama em novembro de 2017. Os dados foram cruzados pelo Ruralômetro, ferramenta produzida pela Repórter Brasil que permite monitorar a atuação de cada deputado em áreas sensíveis ao meio ambiente, povos indígenas e trabalhadores rurais.
Leia na íntegra as respostas dos deputados e empresas citados
O cruzamento de dados oferece pistas sobre como os interesses de financiadores-infratores ambientais podem estar conectados à ação dos parlamentares. Não é suficiente para concluir que os doadores determinam os votos e proposições, mas revela algumas coincidências que valem ser monitoradas.
É o caso do deputado Adilton Sachetti, eleito pelo PSB/MT, mas temporariamente licenciado do cargo e sem partido. Em 2015, seis meses depois de tomar posse, o parlamentar apresentou três projetos de decreto parlamentar que refletem de modo direto o interesse econômico de cinco financiadores de sua campanha, todos eles integrantes da lista do Ibama.
Ativo integrante da Frente Parlamentar Agrícola, a bancada ruralista, Sachetti recebeu R$ 1 milhão de cinco pessoas e uma empresa que cometeram infrações ou crimes ambientais. O valor representa 26% de tudo o que ele arrecadou em 2014.
Os projetos do parlamentar autorizam a instalação de hidrovias em rios que cortam os estados do Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Se aprovada, a rota abriria passagem para embarcações de transporte de carga saírem dos municípios de Sinop e Juína, região do Mato Grosso onde ficam os negócios de cinco dos doadores-infratores, e navegarem até a foz do Rio Tapajós, na cidade paraense de Santarém.
Entre esses doadores, o nome mais conhecido é o de Eraí Maggi, produtor que roubou o título de rei da soja do seu primo e ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP-MT). Para ajudar a eleger Sachetti, Eraí entrou com R$ 50.320. O seu cunhado, Jose Maria Bortoli, entrou com R$ 100 mil. Ambos são sócios do Grupo Bom Futuro, que reúne 36 fazendas produtoras de grãos, algumas a 200 quilômetros de onde sairiam as embarcações da hidrovia.
Tanto Eraí quanto o cunhado figuram na lista do Ibama por desmatamento ilegal nas suas fazendas na região. No caso do novo rei da soja, uma de suas propriedades foi embargada por desmatar 1.463 hectares, com multa de R$ 438 mil.
O terceiro nome é Romeu Froelich, presidente do Grupo Nativa e também produtor de soja, algodão e milho na região, no município de Primavera do Leste. Ele doou R$ 100 mil ao deputado. Froelich tem multa de R$ 5,5 milhões por destruir 3.724 hectares de floresta nativa da Amazônia.
O quarto doador é Roland Trentini, que foi da diretoria regional da Aprosoja, a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso. Ele contribuiu com R$ 50 mil e teve a atividade de sua fazenda embargada pelo Ibama. Sua multa já foi quitada.
Procurados pela reportagem, por email e telefone, os quatro empresários não responderam aos pedidos de esclarecimento. O único a se manifestar foi Santo Nicolau Bissoni, que doou R$ 50 mil a Sachetti e é sócio da Transportadora e Agropecuária Botuverá, de Rondonópolis.
As multas já estariam prescritas, segundo Adelino Bissoni, irmão e sócio que falou em nome do doador. “Há uma dificuldade imensa para retirar da lista do Ibama, já existe um pedido na Justiça”. Sobre a relação com o deputado, o produtor afirma que não há favorecimento. “Ele é um cliente nosso de 30 anos. Somos amigos”, diz sobre Sachetti, que também é produtor rural (íntegra a resposta).
Juntos, os cinco doadores-infratores formam um grupo coeso e próximo ao parlamentar, como Sachetti confirma: “Eles são meus amigos, somos todos lideranças do setor. Chegamos juntos ao Mato Grosso como arrendatários, eu tenho uma história com essas pessoas” (íntegra da resposta).
O deputado diminui a importância das infrações e crimes ambientais. “Quem mora em área de fronteira agrícola, com nossa legislação, não vai escapar de ter problemas com o Ibama. No Mato Grosso, a maioria dos produtores tem problema com a lei ambiental.”
Questionado sobre o alinhamento de interesses, defende seus projetos e a necessidade do escoamento da produção rural do Centro-Oeste. “Eu sei o que é ter que trabalhar para melhorar a logística do país. A gente vive em um Estado em que há um problema de logística”, afirma o parlamentar. “Recebi essas doações sim, não há o que esconder”.
De fato, os projetos de Sachetti não refletem apenas os interesses de seus doadores, eles respondem a uma das principais reivindicações do agronegócio: melhores condições para transportar grãos e gado do centro para o litoral.
Embora amplamente defendida pelo setor, as hidrovias são criticadas por organizações ambientais. No caso daquelas propostas por Sachetti, as obras exigiriam dragagem de trechos dos rios, destruição de corredeiras para a construção de eclusas, além de criar novos portos e trânsito constante de embarcações em uma região da Amazônia que é ainda bastante preservada. Composta por um mosaico de terras indígenas e áreas de proteção, ainda não há uma avaliação de qual seriam os impactos na área. “É o mesmo processo de Belo Monte, querem aprovar um decreto antes mesmo de fazer os estudos de viabilidade ambiental”, afirma Brent Milikan, diretor da ONG International Rivers no Brasil.
O caso de Sachetti é visto pelos críticos como mais um exemplo de como os deputados reproduzem o abismo que existe entre os interesses do agronegócio e as necessidades da Amazônia, povos indígenas e comunidades tradicionais. “Eles não estão preocupados em ouvir quem será impactado negativamente. A regra é ignorar os já marginalizados e classificar indígenas como inimigos do desenvolvimento”, diz Danicley Aguiar, especialista em Amazônia do Greenpeace.
A principal crítica é sobre o processo de decisão dentro da Câmara ser pautado pelo grupo que seria mais beneficiado, o agronegócio, sem prever mecanismos de debate ou consulta aos grupos que seriam mais prejudicados, os milhares de indígenas e ribeirinhos que vivem às margens dos rios. Aguiar e Brent citam a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, para lembrar que essas comunidades têm o direito de serem consultadas dentro do processo de decisão.
“Esses projetos de logística precisam passar pelo debate popular”, afirma Aguiar. “Não dá para a decisão ficar restrita aos interessados”.
Doadores-infratores financiaram 6 ministros
Com R$ 2 milhões doados por empresas que têm a ficha suja no Ibama, a recordista da Casa é a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), que atualmente aguarda decisão judicial para assumir a pasta do Trabalho. “Lamento que as empresas tenham cometido infrações ambientais, espero que elas acertem suas pendências com os órgãos responsáveis”, disse a deputada, que afirma nunca ter tido contato com esses doadores. Segundo a parlamentar, o dinheiro veio por meio de acordos com as direções partidárias nacional e estadual, que são comandadas por seu pai, o ex-deputado Roberto Jefferson.
Depois de eleitos, muitos deputados federais se afastaram da Câmara para assumir cargos no Poder Executivo federal ou nos seus estados de origem. Entre os financiados por infratores, estão seis atuais ministros do governo do presidente Michel Temer.
O grupo inclui até o chefe da pasta do Meio Ambiente, José Sarney Filho (PV-MA), o que menos recebeu entre os ministros, com R$ 35 mil. Por meio de sua assessoria, o ministro afirmou que “as doações foram recebidas via Partido Verde. Se soubesse das irregularidades das empresas, não teria aceitado.”
O ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), que recebeu R$ 627 mil, declarou que “não tem conhecimento da multa aplicada”. Já o ministro da Educação Mendonça Filho (DEM-PE), que recebeu R$ 330 mil, não respondeu aos pedidos de esclarecimento.
Os outros três ministro são Leonardo Picciani (PMDB-RJ), dos Esportes; Marx Beltrão (PMDB-AL), do Turismo; e Alexandre Baldy (Podemos-GO), das Cidades. Eles receberam, respectivamente, R$ 399 mil, R$ 300 mil e R$ 60 mil de infratores ambientais. Por meio de suas assessorias, declararam que todas as doações eleitorais foram regulares e constam na prestação de contas aprovadas pela Justiça Eleitoral.
O trânsito de deputados para cargos legislativos seria mais uma forma de explicar o interesse dos doadores nessas campanhas, segundo Juliana Malerba, assessora da Fase, ONG que atua na defesa dos povos tradicionais na Amazônia. “Os lobbies sobre as leis de proteção ambiental operam também sobre o Executivo por meio da indicação de cargos ou influenciando medidas provisórias e portarias que garantam celeridade na aprovação de licenças”, afirma.
Infratores doaram para quase todos os partidos
O rol de deputados eleitos com dinheiro de infratores não está restrito à bancada ruralista, há políticos de todas as orientações ideológicas, da esquerda à direita. Todos os partidos têm pelo menos um deputado na lista, com exceção do PSOL e do PSL.
Na avaliação de especialistas, a prática disseminada deste tipo de financiamento acompanha a tendência de flexibilizar a legislação de proteção ao meio ambiente. “Esse é o exemplo do lobby legal. Existe uma força social, dentro do Congresso, que leva a Casa para determinada direção”, observa Emerson Cervi, professor departamento de Ciência Política Universidade Federal do Paraná.
Para Pedro Fassoni Arruda, professor do departamento de Ciência Política da PUC-SP, esse tipo de financiamento não é uma novidade. “Na eleição do Congresso Constituinte, a União Democrática Ruralista já fazia leilão de gado para financiar os candidatos comprometidos com os seus interesses”.
Como as doações foram feitas de modo declarado, Cervi observa que é mais difícil, embora necessário, monitorar se a ação do parlamentar está refém dos interesses dos financiadores. “Multado financiar não é ilegal. Agora, multado financiar e conseguir benefícios é imoral”.
Essa reportagem é parte do Ruralômetro, ferramenta que monitora como a atuação dos deputados federais impacta o meio ambiente, os povos indígenas e os trabalhadores rurais.