A SWISS RE, uma das principais seguradoras do mundo, forneceu seguro agrícola a uma fazenda autuada por desmate ilegal e a outras duas áreas de produção agropecuária que, de acordo com as coordenadas geográficas das apólices, ficam em propriedades parcialmente sobrepostas a comunidades tradicionais. Os contratos, assinados em 2024, receberam, somados, R$ 264 mil em subsídios dos cofres públicos.
As informações foram obtidas pela Repórter Brasil por meio de dados disponibilizados pelo PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural), que é administrado pelo Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária). Com o programa, o governo federal paga parte do valor das apólices como um incentivo à produção agropecuária do país.
Antes disso, em novembro de 2023, uma reportagem da Repórter Brasil já havia identificado outros casos onde a Swiss Re segurou lavouras sobrepostas a uma terra indígena e a fazendas com registros de desmate ilegal. A investigação deu origem a uma petição da organização internacional Ekō demandando que a multinacional parasse de fornecer seguro a fazendas irregulares. A iniciativa conta atualmente com mais de 66 mil assinaturas.
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Consultada sobre os novos casos, a seguradora não comentou nenhum deles especificamente, mas respondeu que, em meados de 2024, refinou seus processos para a análise de riscos socioambientais. Eles passaram a incluir, por exemplo, informações adicionais da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] e de Unidades de Conservação. A Swiss Re afirmou ainda que “negócios existentes que não atenderem mais aos critérios atualizados não serão renovados.” Leia a manifestação completa aqui.
Fazenda em terra indígena
A Fazenda Janaína, em Amambaí (MS), tem 43% de sua área sobreposta à TI (terra indígena) Dourados-Amambaipeguá I, de acordo com o CAR (Cadastro Ambiental Rural) da propriedade. Em 2016, a Funai publicou um relatório antropológico que delimitou a área da TI e reconheceu o direito dos indígenas guarani-kaiowá ao seu usufruto. O processo para a homologação definitiva da terra indígena, entretanto, é contestado na Justiça por fazendeiros, que seguem ocupando a área.
A Swiss Re concedeu seguro a lavouras de milho sobrepostas à Fazenda Janaína por meio de ao menos cinco contratos firmados entre 2017 e 2024, de acordo com dados do PSR. Segundo análises de imagens de satélite, realizadas pela organização holandesa Aid Environment a pedido da Repórter Brasil, há indícios de plantio na parte da fazenda que fica sobreposta à TI.
A propriedade pertence à empresa Elamar Participações Agropecuárias. Em outubro de 2023, ela moveu uma ação contra a União exigindo que dados sobre a sobreposição com a terra indígena fossem retirados do CAR da fazenda, com a alegação de que a informação estaria atrapalhando a aquisição de créditos financeiros e seguros agrícolas. A Justiça negou o pedido e o processo segue em andamento.
Questionada pela Repórter Brasil, a Elamar informou em nota que “a concessão de seguro à empresa é amparada por decisão judicial que afirma que ‘a mera anotação da sobreposição no CAR (em relação à Fazenda Janaína), por si só, em tese, não deveria obstar a concessão de crédito”. Confira a resposta completa aqui.
A TI Dourados-Amambaipeguá I tem histórico de conflitos violentos. Em julho de 2024, o Ministério da Justiça enviou tropas da Força Nacional para reforçar a proteção dos guarani-kaiowá na região.

“Assegurar plantios em áreas conflituosas não é coerente com padrões legislativos e corporativos internacionais, especialmente em empresas que se comprometem a cumprir a Convenção 169 – que versa sobre os direitos dos povos indígenas – e a seguir princípios de Environmental, Social and Corporate Governance (ESG)”, avalia Marco Antônio Delfino de Almeida, procurador do Ministério Público Federal em Dourados (MS), em entrevista concedida à Repórter Brasil em 2023. Esta é sua avaliação apesar de, segundo o procurador, não haver impedimento legal para a concessão do seguro, visto que se trata de um território indígena ainda em processo de demarcação.
Gado e área quilombola
Também em 2024, o pecuarista Ezequiel Sisnando Xenofonte Neto contratou a Swiss Re para proteger seu rebanho bovino em Santa Rita (MA). As coordenadas geográficas da apólice, de acordo com dados do PSR, coincidem com o perímetro da Fazenda Cedro, pertencente à sua família e palco de um conflito agrário que se arrasta há décadas na região. Ainda de acordo com o PSR, o seguro segue vigente até junho de 2025.
Uma área que abriga 62 famílias, parcialmente sobreposta à Fazenda Cetro, foi certificada em 2022 como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares, e está em processo de regularização fundiária. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) informou que, por conta do conflito, esteve reunido com as famílias e irá priorizar o início dos estudos técnicos para a identificação e delimitação da área pleiteada, conhecida como Quilombo Cedro (leia a nota na íntegra).
Em 2022, Ezequiel Sisnando Xenofonte Filho, pai do pecuarista segurado pela Swiss Re, chegou a obter uma decisão judicial para garantir a posse definitiva da área, mas a reintegração foi suspensa pela Justiça em 2024.
Pai e filho são investigados pelo Ministério Público do Maranhão por envenenar com agrotóxicos as águas de um riacho utilizado pelos quilombolas. Em inquérito da Polícia Civil, Xenofonte Neto foi indiciado por dano aos moradores.
Além disso, moradores da comunidade acusam Xenofonte Júnior de derrubar moradias e ameaças violentas, inclusive com arma de fogo. As alegações estão em processos judiciais ainda em andamento. Em 2023, ele foi condenado em primeira instância a um mês e dezoito dias de prisão por ameaçar uma liderança quilombola.
A Repórter Brasil falou por telefone com Xenofonte Neto. Inicialmente, ele afirmou que nunca recebeu seguro com subsídio do governo federal. Sobre o conflito com a comunidade quilombola, o produtor afirmou: “esse quilombo foi forjado. Eles forjaram o quilombo para querer ficar na minha propriedade”. O pecuarista também solicitou que eventuais questionamentos fossem enviados por email, mas não respondeu até a data de publicação. A reportagem não conseguiu contato direto com Xenofonte Júnior. O espaço segue disponível para futuras manifestações.
Desmatamento no Cerrado
A área desmatada atravessa quatro fazendas contíguas delimitadas por registros de CAR diferentes, mas todas pertencentes à família Hendges. O contrato de seguro com a Swiss Re contempla lavouras em três dessas propriedades, somando 293 hectares de cobertura.
Em abril de 2024, o agricultor Edinilson Roberto Hendges contratou a Swiss Re para proteger sua lavoura de soja na Fazenda Rio Verde, em Riachão das Neves (BA). Em agosto de 2023, meses antes, a propriedade foi multada pelo Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) da Bahia por desmatamento ilegal em áreas de Cerrado. O seguro, de acordo com dados do PSR, é válido até junho de 2025.
Foram desmatados ilegalmente, de acordo com o Inema, 162,3 hectares no conjunto de propriedades. Em entrevista por telefone à Repórter Brasil, Ednilson Hendges declarou que o desmatamento ocorreu após ele cair em um golpe. Segundo ele, uma mulher que afirmava ser consultora ambiental oferecia a fazendeiros da região a emissão de licenças de supressão de vegetação a custos mensais. Posteriormente, Hendges teria descoberto que as licenças eram falsas. O fazendeiro registrou um boletim de ocorrência sobre o caso. A consultora responde a processos judiciais por estelionato e falsificação de documentos públicos.
Hendges informou ainda que assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Inema, pagou a multa e está fazendo a compensação ambiental necessária. Ele afirmou também que os plantios segurados não estão nas áreas autuadas, mas em outras partes das fazendas onde não foi constatado o desmate ilegal.

Seguro subsidiado
Nos três casos, as apólices firmadas com a Swiss Re foram subsidiadas pelo governo federal. Em novembro de 2023, o órgão informou que seria implantado no ano seguinte um sistema para checar irregularidades socioambientais em áreas contempladas pelo subsídio. Mas em novembro de 2024, após mais um questionamento, a pasta revelou o adiamento dos planos para o primeiro semestre de 2025. Não obtivemos resposta até a publicação desta reportagem sobre o status atual da iniciativa.
Foram destinados R$ 933,1 milhões dos cofres públicos para contratos de seguro rural em 2023, de acordo com informações do relatório PSR 2023, publicado pelo Mapa. Os dados de 2024 ainda não foram divulgados.
“Se há recurso público, o dever de monitoramento é inegável. Ou seja: de seguir a lei, de não ser corresponsável pela violação de direitos ambientais ou direitos sociais”, avalia Manoela Roland, pesquisadora do Homa-UFJF (Centro de Direitos Humanos e Empresas da Universidade Federal de Juiz de Fora).
Em suas diretrizes para políticas de crédito mais sustentáveis, a organização Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) sugere que os subsídios do PSR devem seguir, no mínimo, os mesmos impedimentos que já valem para a concessão de crédito rural. As regras do Banco Central vetam a concessão de crédito para “empreendimento cuja área esteja total ou parcialmente inserida em terras ocupadas e tituladas por remanescentes das comunidades de quilombos”. As normas vetam também a concessão de crédito para propriedades com áreas embargadas ou sobrepostas a UCs (Unidades de Conservação).
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