Síntese das Atividades da Repórter Brasil em 2016

A Repórter Brasil foi fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre a violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores no Brasil. Devido ao seu trabalho, tornou-se uma das mais importantes fontes de informação sobre trabalho escravo no país. Suas reportagens, investigações jornalísticas, pesquisas e metodologias educacionais têm sido usadas por lideranças do poder público, do setor empresarial e da sociedade civil como instrumentos para combater a escravidão contemporânea, um problema que afeta milhares de pessoas.

A organização possui duas áreas principais de atuação que reúnem todos os seus projetos: Jornalismo e Pesquisa, responsável pela produção de informação e análises que subsidiam lideranças sociais, políticas e econômicas; e Metodologia Educacional, voltada para difusão de informações sobre direitos e intercâmbio de conhecimento, envolvendo acadêmicos, educadores, trabalhadores e lideranças comunitárias. Apesar dessa divisão, o trabalho de todos os programas e projetos da organização atravessa uma mesma agenda temática, com diálogos e trocas constantes entre suas diversas atividades.

Duas outras áreas fortalecem o trabalho desenvolvido pelas equipes, uma de articulação e representação em diferentes âmbitos institucionais, e uma de estrutura financeira e administrativa. Além disso, a Repórter Brasil tem suas contas analisadas por auditoria independente anualmente, disponível na página de Transparência da organização.

Todas as informações sobre a organização, sua estrutura, atividades e contas estão disponíveis em www.reporterbrasil.org.br/quem-somos.

ÁREA I: METODOLOGIA EDUCACIONAL

O programa Escravo, nem pensar! é dedicado a ações de prevenção ao trabalho escravo, por meio da Educação, em escolas de redes públicas municipais ou estaduais, em locais do país com a maior concentração de casos de trabalho escravo e aliciamento de trabalhadores. O programa se dedica principalmente à realização de formação para educadores a partir de uma elaboração metodológica específica para a abordagem do tema do trabalho escravo e assuntos correlatos. Ademais, o programa elabora publicações didático-pedagógicas sobre essas temáticas. Para saber mais, acesse: www.escravonempensar.org.br. É importante ressaltar que as parcerias do programa com o poder público não envolvem repasse de dinheiro para a organização.

1) Formações

1.1. Maranhão. Projeto: Escravo, nem pensar! no Maranhão 2015 – 2016

O ENP! mudou a chave das formações – algo que era planejado desde 2011 – com a ampliação do programa para nível estadual. O Maranhão foi o primeiro a ter o projeto implantado, após a experiência piloto em nível regional no sul e sudeste do Pará, entre 2014 e 2015. Para saber mais, acesse a publicação do projeto.

Em dados absolutos, a formação atingiu sete unidades regionais de educação (Açailândia, Balsas, Codó, Imperatriz, Santa Inês, São João dos Patos e São Luís), responsáveis pela administração de escolas de 62 municípios. Essas UREs foram selecionadas porque envolvem as regiões com maior ocorrência de trabalho escravo e aliciamento de trabalhadores. O projeto acabou envolvendo 203 escolas, 4.911 educadores, 84.357 alunos, 42.101 pessoas da comunidade, totalizando assim 131.369 pessoas impactadas pelas ações de prevenção ao trabalho escravo. O projeto é um marco para a história do ENP! especialmente pelo ganho de escala. Além disso, recebemos bons retornos de entidades e organizações parceiras do poder público e da sociedade civil no estado.

Com a abertura do diálogo governamental e com a inserção do tema do trabalho escravo na agenda do governo, há um contexto de articulação no estado do Maranhão que fortalece o processo de formações. Novas ações de combate ao trabalho escravo empreendidas por outros atores foram iniciadas ou, aquelas já existentes, fortalecidas após a expansão do projeto Escravo, nem pensar! nos municípios. Com isso, é possível notar que nessa expansão em escala também é considerada a dimensão de atendimento direto que, no caso do Maranhão, é grande.

A atuação do programa no estado atendeu tanto o Plano Estadual quanto o II Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

Para conhecer mais, veja caderno de resultados do projeto aqui e assista ao vídeo sobre essa iniciativa no Maranhão (ambos lançados oficialmente em 2017).

1.2. São Paulo. Projeto: “Migração como um direito humano: rompendo o vínculo com o trabalho escravo”

a) São Paulo (capital)

Em 2016, o programa Escravo, nem pensar! também realizou formações no estado de São Paulo. Na capital, a equipe desenvolveu uma metodologia especial dedicada à abordagem da migração internacional do município, com destaque para os grupos mais vulneráveis. O objetivo era desvincular a ideia de trabalho escravo (e ao mesmo tempo prevenir a população desse tipo de exploração), ressaltar a migração como um direito humano e valorizar a multietnicidade nas escolas. As formações foram realizadas com educadores de escolas públicas municipais, especialmente nas regiões leste, norte e centro da cidade, focando unidades com a maior concentração de estudantes migrantes e filhos de imigrantes.

As trocas possibilitadas pelas formações permitiram que a questão da migração internacional na Educação fosse incorporada de forma mais orgânica na metodologia do ENP!. Além disso, foi possível aprofundamento do contexto, reforçando a relevância do trabalho e da temática escolhida. Educadores relataram, em diversas ocasiões, casos de xenofobia, preconceito, bullying, isolamento e baixo desempenho de estudantes migrantes ou filhos de migrantes.

Uma vez que a Repórter Brasil está sediada em São Paulo, a equipe pode acompanhar in loco as ações resultantes dessas formações nas escolas. Em outras cidades, as atividades são monitoradas pelos educadores e as informações chegam a partir de relatórios, contatos telefônicos e e-mails etc. – canais que também são utilizados para fornecer orientações pedagógicas.

Ao todo, foram impactadas 6.818 pessoas, por meio de 10 diretorias regionais de educação (DREs), 46 escolas, 593 educadores, 5.108 alunos e 983 pessoas da comunidade. Além disso, há bons resultados qualitativos: as formações mudaram as relações estabelecidas nas comunidades escolares, promovendo um ambiente de aprendizagem multiétnico e de valorização aos direitos humanos. O projeto melhorou a integração entre migrantes e população autóctone, e fez com que educadores se tornassem mais sensíveis e atentos aos desafios de fazerem um bom atendimento à população migrante.

Como um dos resultados do projeto, o Escravo, nem pensar! lançou um vídeo sobre o tema, com depoimentos de educadores da rede municipal, alunos e membros da equipe do ENP!. O vídeo viralizou, com repercussão expressiva entre a comunidade escolar, mas também entre o público médio. Foram mais de 400 mil pessoas alcançadas com a divulgação no Facebook e mais de 130 mil visualizações na página desta rede social.

O ENP! também realizou uma formação em parceria com a Comissão Municipal para a Erradicação do Trabalho Escravo (Comtrae-SP) na Escola Municipal de Administração Pública (EMASP). Articulada dentro do contexto da Comissão Municipal, o Escravo, nem pensar!, assim como outras entidades de combate ao trabalho escravo do poder público e da sociedade civil, executou durante um dia uma oficina para servidores públicos municipais de diferentes áreas. A atividade atende às ações 28 e 30 do Plano Municipal para Erradicação do Trabalho Escravo.

b) Campinas

Ainda no estado de São Paulo, foram iniciadas formações na cidade de Campinas, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. O processo formativo se estenderá até agosto de 2017. O foco, neste caso, é a situação dos trabalhadores na construção civil, mas há também registros de casos de exploração de trabalhadores em zona rural.

Campinas foi selecionada por ser uma região em que o setor da construção civil se expandiu, atraindo migrantes internos e internacionais. A Procuradoria do Trabalho de Campinas concentra a maior quantidade de processos de trabalho escravo no estado de São Paulo.

O primeiro encontro da formação foi realizado em setembro com coordenadores pedagógicos que agirão como multiplicadores dos conteúdos e dos materiais didáticos em 59 escolas estaduais, abordando o tema com alunos para a realização de projetos de prevenção.

1.3. Pará

O ENP! iniciou, em 2016, um processo formativo no estado do Pará, semelhante ao que foi realizado no Maranhão. Foram selecionadas sete Unidades Regionais de Educação (UREs) (Abaetetuba, Castanhal, Conceição do Araguaia, Mãe do Rio, Marabá, Santa Izabel do Pará e Tucuruí), responsáveis pelo gerenciamento das escolas de 68 municípios e de 20 Unidades Seduc na Escola (USEs), que coordenam as escolas dos cinco municípios da região metropolitana de Belém. O objetivo do projeto é formar esses educadores para que eles multipliquem o tema do trabalho escravo com os jovens nas escolas de suas regiões. A ideia é fazer com que a comunidade escolar desenvolva projetos educacionais em sala de aula entre 2016 e 2017.

A iniciativa conta com a parceria da Secretaria de Estado de Educação, Secretaria Extraordinária de Estado de Integração de Políticas Sociais e Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

Desde 1995, quando o Estado brasileiro assumiu a ocorrência desse crime em território nacional, até 2015, foram mais de 52.799 trabalhadores libertados no estado, segundo dados do Ministério do Trabalho, sistematizados pela CPT. Esse número representa 26% do total de libertados em todo o território nacional, mais do que o dobro dos resgatados no Mato Grosso (5.997), o segundo colocado. O quadro fica ainda mais crítico diante dos dados do ranking de municípios com casos de trabalho escravo: dentre os dez primeiros, nove são paraenses. Juntos, acumulam 19% do número de casos identificados em todo o país.

1.4. Bahia

Ao longo de 2016, o ENP! veio estabelecendo contato com entidades parceiras no estado da Bahia para realizar um processo formativo em moldes similares àquelas realizadas com sucesso nos estados do Maranhão e do Pará. Foram incluídos os Núcleos Territoriais de Educação de Barreiras, Santa Maria da Vitória e Salvador, responsáveis pela administração de escolas de 38 municípios.

A iniciativa conta com a parceria da Secretaria de Educação (SEC) e tem como objetivo a prevenção ao trabalho escravo, especialmente em regiões com maior vulnerabilidade social, como o Oeste do estado e a região próxima à capital, Salvador.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, depois do Maranhão, a Bahia é o segundo estado com maior taxa de migração de trabalhadores aliciados para serem explorados em outras áreas do país. O Oeste baiano, além de prover grande número desses trabalhadores, também possui alto número de resgate de trabalhadores em situação análoga à de escravo. Salvador, por sua vez, foi incluída por motivos semelhantes à Belém (capital paraense): a concentração populacional e de escolas na região potencializa a disseminação do conteúdo oferecido nas formações.

O termo de cooperação para execução do projeto foi assinado em outubro e as formações serão desenvolvidas ao longo de 2017.

2) Materiais

Em 2016, o Escravo, nem pensar! trabalhou no desenvolvimento materiais pedagógicos, sempre com foco no tema do trabalho escravo e assuntos correlatos em conexão com as demandas de formações. Os dois principais tipos de produções deste ano foram os cadernos temáticos, que abordam assuntos específicos, e as coletâneas educativas, que relatam as experiências exitosas dos projetos ENP!. Abaixo, apresentamos os dois tipos de materiais e os dados de distribuição.

2.1. Publicações

Em 2016, o programa publicou os seguintes materiais:

Além desses materiais, todos os projetos de formação contam com publicações específicas dedicadas aos educadores participantes. São os Cadernos do Educador, que servem como referência metodológica para replicação do conteúdo nas escolas.

2.2. Digitais

a) Aplicativo Escravo, Nem Pensar!

Para ampliar o trabalho de prevenção ao trabalho escravo, em maio de 2016, foi lançado o aplicativo ENP!, destinado a educadores e pessoas interessadas em desenvolver ações pedagógicas sobre o tema do trabalho escravo e outros assuntos relacionados, como trabalho infantil, tráfico de pessoas, migração etc.

O app está dividido em duas seções: “Atividades” e “Biblioteca”. Na primeira, o usuário encontra propostas didáticas sobre o tema do trabalho escravo e assuntos correlatos. Essas experiências didáticas foram elaboradas e implementadas por educadores em diversos lugares do país. O app ainda possibilita que o usuário envie suas sugestões de atividades para o Escravo, nem pensar!. Se a proposta for bem avaliada, ela poderá integrar o banco de atividades do aplicativo.

Já na “Biblioteca”, é possível visualizar, baixar e avaliar os materiais didáticos produzidos pelo próprio Escravo, nem pensar!. Por meio do aplicativo, é possível compartilhar esses conteúdos em outras plataformas e redes sociais.

O app está disponível para os sistemas Android e iOS gratuitamente.

b) Plataforma Ipê

A Plataforma Ipê foi desenvolvida para complementar as formações. Acessível apenas aos educadores que participam das formações oferecidas pelo ENP!, a Ipê permite acompanhar como as atividades estão sendo desenvolvidas entre as formações, possibilitando um feedback mais fácil e mais rápido.

Com essas informações disponíveis, a equipe consegue adequar o conteúdo e a metodologia para os encontros seguintes num tempo hábil menor. A Ipê também possibilita o envio de conteúdo pelos educadores – como imagens e vídeos das atividades desenvolvidas – e a avaliação e monitoramento do processo de formações pelos educadores.

Além disso, a plataforma serve como um banco de dados, pois funciona como repositório dos números de educadores e alunos envolvidos nas atividades do projeto.

c) Facilitações gráficas: animações sobre setor têxtil e migração

Desde 2015, o programa vem investindo em facilitações gráficas, tanto por cumprirem uma função pedagógica quanto por auxiliarem na publicidade do projeto, contando com boa recepção nas redes sociais. Nas formações, esse tipo de material vem se mostrando cada vez mais importante por ser constantemente replicado pelos educadores nas escolas e também por outros atores dedicados ao combate ao trabalho escravo em diversos ambientes formativos.

Neste ano, dois vídeos foram publicados nos canais do Escravo, nem pensar! e da Repórter Brasil no Youtube, bem como em suas respectivas redes sociais.

Em fevereiro, foi publicado o quinto vídeo da série ENP! na Tela, que procura abordar, por meio de facilitações gráficas, os principais temas das formações e materiais didáticos do programa. A animação “Trabalho escravo no setor têxtil” trata das dinâmicas de trabalho no setor por meio de um diálogo casual entre duas amigas sobre um vestido comprado em uma liquidação. A partir daí, o vídeo mostra a relação das oficinas terceirizadas com a marca, que as contrata, e as condições degradantes do trabalhador nesses ambientes (em grande parte, decorrentes da falta de vínculo formal de trabalho com a empresa).

Já o vídeo “Migração: o Brasil em movimento” (disponível em português e em espanhol) traz os procedimentos legais em vigência para a entrada, permanência e acesso aos direitos básicos por parte desses imigrantes, tomando como base a legislação brasileira então em vigência (Estatuto do Estrangeiro) e as normas específicas do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) para pessoas provenientes de três países: Bolívia, Síria e Haiti – cada qual representando, assim, diferentes tipos de migração. É importante ressaltar, contudo, que o vídeo foi produzido e divulgado antes da aprovação da nova lei de migração no Congresso brasileiro.

2.3. Distribuição de materiais

Além de disponíveis online, os materiais do ENP! também são distribuídos para as escolas participantes dos projetos de formações. Cada kit de materiais contém todas as publicações do ENP!, que servirão como subsídios didáticos para os educadores desenvolverem atividades com os alunos. Os materiais que compõem o kit podem ser acessados aqui.

Abaixo estão o número de kits distribuídos em cada conjunto de formações durante o período abordado neste relatório:

  • Maranhão: 500 kits, 1.500 exemplares de 3 títulos
  • Pará: 706 kits unidades, 7.766 exemplares de 11 títulos
  • Campinas: 123 kits, 1.230 exemplares de 10 títulos
  • São Paulo (capital): 65 kits, 585 exemplares de 9 títulos

3) Articulação

Ao longo de 2016, a equipe do Escravo, Nem Pensar! participou de uma série de eventos, organizados por entidades da sociedade civil, poder público e academia sobre trabalho escravo, tráfico de pessoas e questões correlatas.

Em mais de uma ocasião, teve a chance de apresentar seus trabalhos e os resultados do investimento em educação para prevenção de trabalho escravo e tráfico de pessoas. Em São Paulo, o ENP! apresentou sua metodologia e resultados recentes à Comissão Municipal para o Enfrentamento ao Trabalho Escravo (Comtrae-SP).

Além disso, a equipe pode apresentar a metodologia para o âmbito estadual e os resultados da implementação do programa no sul e no sudeste do Pará durante a reunião itinerante da Conatrae realizada em Belém no final de 2016. Na ocasião, estavam presentes representantes do Grupo de Articulação Interinstitucional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo do Pará (Gaete-PA), que ofereceram visões bastante positivas a respeito da experiência com o ENP!.

4) Pesquisa acadêmica

Ao longo de 2016, o Escravo, nem pensar! também se dedicou às discussões acadêmicas sobre trabalho escravo, tráfico de pessoas e temas relacionados. As trocas com a academia permitem insumos e fontes atualizadas para formações e para a produção de materiais, além de serem locais oportunos para apresentação das produções do programa.

A coordenadora do programa, Natália Suzuki, participou da IX Reunião Científica Trabalho Escravo Contemporâneo e Questões Correlatas, realizada em novembro, em Belém, e organizado pelo Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ademais, foram concedidas entrevistas a pesquisadores de pós-graduação de diversas áreas de conhecimento.

Neste ano, foi publicado o livro Discussões Contemporâneas sobre Trabalho Escravo: Teoria e Pesquisa, referente aos trabalhos apresentados no encontro do GPTEC de 2014. Um dos capítulos do livro, “Bolivianos em cortiços? Onde e como vivem os imigrantes submetidos ao trabalho escravo na cidade de São Paulo”, é de autoria da coordenadora do programa.

Ainda em 2016, outro artigo de sua autoria foi publicado. “O papel da educação no combate ao trabalho escravo no Brasil: o caso do programa Escravo, nem pensar!, da ONG Repórter Brasil” foi publicado em Formas Contemporâneas de Escravo – Série Tutela Penal de Direitos Humanos, do Núcleo de Estudos da Tutela Penal e Educação em Direitos Humanos, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).

ÁREA II: JORNALISMO E PESQUISA

Agência de notícias

Em 2016, a Agência de Notícias da Repórter Brasil lançou matérias de destaque, ampliou sua rede de parcerias e manteve o ritmo de crescimento estabelecido no ano anterior.  Dessa forma, a expansão do alcance do conteúdo produzido pela organização – um dos objetivos mencionados no relatório de 2015 – pode ser concretizada e seguirá como meta constante para os anos seguintes.  Ao longo de 2016, tivemos uma média de dois produtos publicados por mês.

Conseguimos parcerias com veículos internacionais como BBC e Al Jazeera,  que publicaram conteúdo feito em conjunto conosco em suas redes, atingindo, assim, públicos diferentes. A Agência, assim, trabalha com a perspectiva não apenas de mera expansão quantitativa, mas também qualitativa, visando uma variedade entre o público leitor.

O investimento em recursos audiovisuais e a mudança de linguagem também iniciado no ano anterior trouxe bons resultados, particularmente nas redes sociais, onde o número de seguidores aumenta substancialmente a cada ano. Tais investimentos levam em conta a perspectiva de crescimento do acesso via mobile ao conteúdo produzido pela Repórter Brasil.  Por isso, seguimos realizando nossa cobertura acompanhados por fotógrafos e cinegrafistas.

Além disso, ao longo de todo o ano, a questão da segurança foi central em nossas atividades. Devido aos ataques ao site da Repórter Brasil, em 2015, a equipe vem reunindo esforços para manter a estabilidade do site, evitando longos períodos fora do ar, especialmente em momentos chave, quando pautamos temas que estão em discussão na sociedade e no Congresso brasileiro.

1) Site

1.1. Panorama numérico

O site da Repórter Brasil manteve sua audiência praticamente estável ao longo de 2016. Houve uma queda de aproximadamente 1% no número de sessões (de 2.837.862 para 2.808.995) e um aumento de 0,33% nos usuários (2.483.491 contra 2.475.279) em relação ao ano anterior. Além disso,  o número geral de visualizações no site diminuiu aproximadamente 4% em relação ao mesmo período.

No entanto, em 2016, as matérias publicadas pela Repórter Brasil mantiveram o padrão de visualizações do ano anterior (quando um caso excepcional passou de 120 mil acessos). Dessa vez, as cinco matérias mais lidas foram:

  1. Condenação do grupo Riachuelo revela o adoecimento das trabalhadoras da moda (25.060 visualizações)
  2. “Lista de Transparência” traz 349 nomes flagrados por trabalho escravo (21.339 visualizações)
  3. Brooksfield Donna, marca da Via Veneto, é flagrada com trabalho escravo (19.347 visualizações)
  4. Juíza diz que trabalhadores são “viciados” e que reter seus documentos “causa bem à sociedade” (10.331 visualizações)
  5. Nova “Lista de Transparência” traz 340 nomes flagrados por trabalho escravo (10.225 visualizações)

Em termos de acesso ao conteúdo, o desktop e o tablet foram menos utilizados, sofrendo quedas de 13,7% e 27%, respectivamente, embora ainda sejam os meios mais utilizados para visualizar o site. No entanto, o acesso via mobile cresceu 30% em relação ao período anterior. A perspectiva é que esse crescimento continue nos próximos anos. Atualmente, 39% dos acessos ocorrem via smartphones. Disso decorre que nosso conteúdo e nosso site precisam ser pensados também para esses usuários.

1.2. Panorama de conteúdo

A matéria de maior audiência no site abordou as condições de trabalho das trabalhadoras da indústria da moda e o impacto destas condições em sua saúde. Dentre os relatos obtidos, destacam-se limitações de idas ao banheiro, não recebimento de atestados médicos válidos e falta de realização de exames médicos periódicos.

Outras reportagens sobre problemas trabalhistas no setor de confecções também tiveram boa audiência: duas das 10 notícias mais acessadas falavam da presença de trabalho escravo na indústria da moda. Em novembro, a M. Officer foi condenada em primeira instância a pagar danos morais coletivos após oito trabalhadores serem encontrados em condição análoga à de escravo. Meses antes, a Brooksfield Donna foi flagrada com trabalho escravo quando uma auditoria do Ministério do Trabalho encontrou trabalhadores com jornadas de mais de 12 horas por dia e que viviam em condições degradantes em oficina quarteirizada.

Considerando essas questões e pensando em disponibilizar informações de maneira fácil e acessível para o consumo consciente de roupas, a Repórter Brasil lançou, em abril de 2016, uma expansão do aplicativo Moda Livre.  Além de atualizar informações sobre as marcas já existentes na base de dados, 25 novas marcas foram incorporadas à ferramenta. A matéria abordando a atualização e explicando o funcionamento do app também está entre as 10 mais lidas. O Moda Livre está disponível gratuitamente para Android e iOS.

Problemas trabalhistas não se restringem a esse setor. Em agosto de 2016, a Repórter Brasil alertou para a situação de saúde dos trabalhadores de frigoríficos. Empresas do setor deixaram de comunicar todas as doenças geradas ou agravadas pelo trabalho à Previdência Social, economizando gastos. No entanto, acabam por sobrecarregar os demais contribuintes e deixam trabalhadores do setor, em boa parte, desamparados, sem conseguir arcar com os custos de saúde gerados pelo trabalho.

Se problemas de saúde de trabalhadores nos frigoríficos são conhecidos, pouco se fala sobre a saúde de outra categoria: a dos caminhoneiros. A Repórter Brasil já havia abordado os perigos da profissão em reportagem de 2015. Porém, em agosto de 2016, uma fiscalização em dois centros de distribuição da Coca Cola, em Minas Gerais, identificou 179 caminhoneiros e ajudantes de entrega sistematicamente submetidos a jornadas exaustivas que configuram, segundo os auditores responsáveis pela ação, condições análogas às de escravo.

A Repórter Brasil não mostrou só o combate ao trabalho escravo, mas também as resistências à erradicação desse crime. Em 2016, a Repórter Brasil noticiou o caso de uma juíza do trabalho de Santa Catarina que anulou parte da operação de auditores fiscais do trabalho, além de solicitar à Polícia Federal que os investigasse. Em abril de 2010, os auditores denunciaram a situação de 156 trabalhadores que não recebiam salários há pelos menos dois meses e tiveram seus documentos retidos pelos donos da fazenda onde colhiam maçãs. Segundo a magistrada, os trabalhadores resgatados eram “viciados em álcool e em drogas ilícitas” e poderiam “praticar crimes” quando libertados. O caso foi levado ao Conselho Nacional da Justiça e à Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

Em 2015, após a suspensão da chamada Lista Suja do Trabalho Escravo, a Repórter Brasil lançou a Lista de Transparência do Trabalho Escravo que ganhou duas atualizações em fevereiro e em junho de 2016. Por meio da Lei de Acesso à Informação, nossa equipe solicita ao Ministério do Trabalho os dados de empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final num período de dois anos. A equipe também cobriu a suspensão da Lista Suja e seus desdobramentos, inclusive a elaboração de uma nova portaria regulamentando a ferramenta e a determinação da Justiça para que o governo voltasse a publicá-la.

Além da temática trabalhista, a cobertura da Repórter Brasil também abordou direitos socioambientais e suas violações no Brasil, continuando a sua cobertura a respeito de grandes obras e seu impacto a populações tradicionais e vulneráveis. Uma das matérias mais lidas de 2016 fala do interesse de companhias chinesas na construção da usina de São Luiz do Tapajós.  A construção de hidrelétricas na região pode estar articulada com outros interesses para essas empresas, como o estabelecimento de projetos de mineração, já que a região possui reservas minerais bastante procuradas pelo país asiático. A principal preocupação nesse caso  é a soma de históricos de violações de direitos humanos: tanto a empresa Three Gorges, interessada na hidrelétrica, quanto o próprio processo de licenciamento da usina são alvos de denúncias de violações.

2) Redes Sociais

Em 2016, a Repórter Brasil acompanhou o crescimento no número de seguidores em suas redes sociais. Curiosamente, tanto no Facebook quanto no Twitter esse crescimento foi de 33% em relação ao ano anterior.

No Twitter, passamos de 160.000 para mais de 200.000 seguidores enquanto nossa página no Facebook foi de 95 mil para 130 mil curtidas.

No Facebook, nossos vídeos continuaram com alto número de visualizações. Ou seja, o investimento em recursos e ferramentas audiovisuais possibilita não apenas outras maneiras de reportar as pautas caras à Repórter Brasil mas também a ampliação do acesso a esses conteúdos, refletida na audiência crescente. Para se ter uma ideia, dos 10 posts com maior alcance no Facebook, oito são vídeos. Confira os dados abaixo.

No Facebook, os cinco posts com maior alcance foram:

  1. Como foi o pior dia de trabalho da sua vida? (2.735.078 usuários alcançados)
  2. Conheça as histórias de costureiras bolivianas em São Paulo através das suas linhas de rap (2.330.024 usuários alcançados)
  3. Racismo, salários menores e violações trabalhistas (2.091.108 usuários alcançados)
  4. #SOMOSLIVRES (1.180.883 usuários alcançados)
  5. Fornecedores da Friboi tratam os bois com violência (858.295 usuários alcançados)

Os cinco vídeos com maior audiência no Facebook em 2016 foram:

  1. Como foi o pior dia de trabalho da sua vida? (645.799 visualizações)
  2. Racismo, salários menores e violações trabalhistas (512.159 visualizações)
  3. Violência na indústria da carne (311.300 visualizações)
  4. Irmãs e rappers revelam exploração na indústria de costura (235.758 visualizações)
  5. “Não somos escravos” (34.054 visualizações)

Nas redes sociais, o conteúdo audiovisual produzido pela Repórter Brasil está disponível na página de vídeos no Facebook bem como no canal da ONG no Youtube.

Documentários

Em 2016, o Núcleo de Documentários se concentrou em torno de duas produções da Repórter Brasil.

A primeira, “Jaci – Sete pecados de uma obra amazônica”, teve seu lançamento em 2015. Após passar pelo circuito de festivais, o documentário foi licenciado por um período de três anos para o Canal Brasil. Essa é uma das chances de associar a produção à Repórter Brasil, por meio de entrevistas no próprio canal. Além disso, o documentário recebeu o prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo, na Colômbia – um dos mais importantes na América Latina.

Além disso, o documentário sobre amianto foi finalizado. “Não Respire! Contém Amianto” está iniciando a fase dos circuitos de festivais. O documentário faz sua estreia na primeira quinzena de junho de 2017 no festival Ecofalante. Ao mesmo tempo, negociações com distribuidores estão em andamento.

Para mais informações sobre os documentários produzidos pela Repórter Brasil, acesse: http://reporterbrasil.org.br/documentarios.

Centro de Monitoramento de Commodities e Agrocombustíveis

A Repórter Brasil desenvolveu uma metodologia para identificação e rastreamento de cadeias produtivas que permite revelar a conexão de empresas com problemas sociais, trabalhistas e ambientais. Essa metodologia permite que o Centro de Monitoramento de Commodities e Agrocombustíveis da Repórter Brasil conduza investigações sobre as mais diversas áreas econômicas, como o setor de grãos, madeira e vestuário.

Os resultados são publicados em reportagens e relatórios, ambos disponíveis no site da Repórter Brasil (www.reporterbrasil.org.br), e utilizados em atividades de advocacy junto a governo e empresas, a fim de pressionar por avanços nos padrões de sustentabilidade. Além disso, o Centro também realiza eventos temáticos para debater os problemas de cadeias produtivas, reunindo representantes das empresas, associações de classe e de trabalhadores, da sociedade civil e do Estado.

Ao longo de 2016, o Centro foi a campo para investigar cadeias produtivas de quatro setores distintos: café, construção civil, vestuário e carne. No caso do café, foram realizadas ações de advocacy que contribuíram para que a certificadora UTZ e a associação empresarial Cecafé se filiassem ao Pacto Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. No setor de vestuário, além da publicação de um estudo, também foi atualizado o aplicativo para celulares Moda Livre.

Os resultados das investigações foram apresentados em diálogos e eventos realizados no Brasil e em diversas partes do mundo. Destaca-se, por exemplo, a participação de representantes da Repórter Brasil no Fórum da ONU sobre Direitos Humanos e Empresas, que acontece anualmente em Genebra.

1) Publicações

1.1. Relatórios

  1. a) Brewing up a sustainable coffee supply chain

Financiado pela Finnwatch, este relatório analisa as condições de trabalho em fazendas de café no Brasil, Honduras e Índia, cuja produção é exportada para a Finlândia. A pesquisa revela problemas trabalhistas graves, como discriminação de gênero e falta de equipamentos de segurança obrigatórios. Disponível apenas em inglês.

  1. b) Série Boletim Monitor

Boletim Monitor é uma nova publicação eletrônica da Repórter Brasil que oferece, periodicamente, os resultados das pesquisas setoriais e dos estudos de cadeia produtiva conduzidos pela organização. O primeiro volume foi publicado em dezembro de 2015 e novas edições serão divulgadas também em 2017 no site da organização.

Boletim Monitor #1: Globalização e concentração no sistema agroalimentar brasileiro

A primeira edição traz uma análise de caráter exploratório das dinâmicas do processo de globalização e concentração do setor agroalimentar brasileiro, entre 1995 e 2014. A publicação também está disponível em inglês.

Boletim Monitor #2: A indústria do frango no Brasil

Em sua segunda edição, a publicação analisa a precária situação laboral dos apanhadores de frango, a conflituosa relação entre integrados e frigoríficos, e o problema das doenças ocupacionais que acometem os trabalhadores da indústria. Uma versão em inglês também está disponível no site da organização.

A importância da investigação está ligada ao tamanho dessa indústria no país. Para se ter uma ideia, em 2015, o Brasil ultrapassou a China e se tornou o segundo maior produtor mundial de carne de frango, atrás apenas dos Estados Unidos. No comércio internacional desse produto, porém, o país já é há algum tempo a maior força global.

Boletim Monitor #3: Fast-fashion e os direitos do trabalhador

Organizações que atuam no combate ao trabalho escravo vêm denunciando as péssimas condições de trabalho com que parte dos produtos da indústria da moda é fabricada, em especial nas oficinas de costura que são fornecedoras independentes das grandes marcas. Ficaram famosos casos de grandes marcas flagradas com trabalho escravo em suas cadeias produtivas.

O terceiro número do Monitor aponta que o próprio modelo no qual se organiza a indústria fast-fashion, baseado na terceirização intensa da cadeia produtiva, está na base das violações dos direitos do trabalhador na indústria têxtil.

Boletim Monitor #4: Os direitos dos peões na construção civil

Apesar dos investimentos bilionários e da massiva geração de emprego na última década, o crescimento da construção civil não foi capaz de resolver um problema crônico: as más condições de trabalho no setor, sendo muitas as denúncias de trabalho escravo. No próprio site da Repórter Brasil, são frequentes as matérias abordando essas questões no setor.

As violações aos direitos dos trabalhadores na construção civil e a vulnerabilidade dos migrantes são o tema do quarto número do Monitor.

1.2. Outras produções

  1. a) Farmworker Protections and Labor Conditions in Brazil’s Coffee Sector (estudo)

A Repórter Brasil e a CRS analisaram presença e a distribuição de fazendas de café na Lista Suja do trabalho escravo. O estudo permite concluir que, ao contrário do que se poderia pensar, a presença de trabalho escravo contemporâneo no setor cafeeiro não é uma anomalia restrita a um ou dois locais específicos no país. A publicação está disponível apenas em inglês.

  1. b) Moda Livre

Em abril e em dezembro de 2016, a Repórter Brasil lançou atualizações do aplicativo Moda Livre, disponível gratuitamente para iOS (Iphone) e Android, que agora passa a contar com 77 grifes e varejistas em sua base de dados.

O Moda Livre avalia as ações que as principais empresas do setor vêm tomando para evitar que as suas peças sejam produzidas por mão de obra escrava. Além disso, oferece ao consumidor, de forma ágil e acessível, informações sobre as marcas envolvidas em casos de trabalho escravo na indústria do vestuário nacional.

2) Eventos

2.1. Direitos humanos e empresas transnacionais

A equipe do Centro de Monitoramento de Commodities e Agrocombustíveis participou dos debates que ocorreram no âmbito das Nações Unidas sobre empresas transnacionais e direitos humanos.

O evento avalia anualmente a aplicação dos chamados princípios voluntários e faz a debate sobre a criação de princípios obrigatórios. O Princípios orientadores para empresas e direitos humanos (em inglês), por serem voluntários, mostram pouco resultado em termos de adesão e cumprimento por parte do setor privado.

A participação de organizações da sociedade civil nesse debate se mostra essencial devido à forte pressão contrária ao estabelecimento de normas para empresas. No encontro realizado em Genebra, em novembro, foram apresentados casos de violações aos direitos humanos em cadeias produtivas globais.

2.2. Fashion Revolution Day

Em abril, representantes da Repórter Brasil participaram do Fashion Revolution Day. O evento, de caráter internacional, chama a atenção para os problemas da indústria da moda no mundo, em especial aqueles referentes às condições de trabalho.

No Brasil, grandes marcas têm sido flagradas com trabalho escravo em suas fábricas ou nas fábricas de seus fornecedores. Há ainda um grande parque fabril informal, onde, além de trabalho escravo, também o trabalho infantil está bastante presente.

2.3. Captura Corporativa

Em agosto, participamos do debate que antecedeu o lançamento do relatório “A Privatização da Democracia: Um Catálogo da Captura Corporativa no Brasil”, em São Paulo. Uma versão resumida e ilustrada do relatório, o “Guia Ilustrado da Privatização da Democracia”, foi distribuída entre os presentes. A obra foi produzida pelo coletivo Vigência e a Repórter Brasil trabalhou em dois capítulos: sobre as indústrias de alimentos e armas.

Com prefácio do economista Ladislau Dowbor, a publicação traz estudos de caso relativos a outros seis setores da economia brasileira: educação; finanças e juros; meio ambiente; mídia; saúde; e setor imobiliário. O objetivo é fornecer informações e subsídios para indivíduos e organizações que atuem na defesa do interesse público e no combate à crescente desigualdade econômica no Brasil.

2.4. Atlas da Carne

A equipe participou em setembro do debate e lançamento do “Atlas da Carne – fatos e números sobre os animais que comemos”, idealizado pela Fundação Heinrich Boll. A pesquisa foi realizada por pesquisadores do Brasil, Chile, México e da Alemanha.

O “Atlas da Carne” discute como a produção de carne está relacionada ao desmatamento da Amazônia, como ela atinge recursos hídricos e solos, influencia as mudanças climáticas e aumenta a desigualdade.

ÁREA III: ARTICULAÇÃO E SETORES ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO

Articulação

A Repórter Brasil possui um conjunto de atividades com o objetivo de ampliar e aprofundar o combate ao trabalho escravo contemporâneo e ao tráfico de pessoas, juntamente com violações de direitos humanos correlatas. Para tanto, a organização desenvolve uma estratégia de articulação com os mais variados atores envolvidos na temática nos âmbitos municipal, estadual, nacional e internacional, garantindo, dessa forma, a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e evitando a utilização de justificativas sociais no erguimento de barreiras comerciais não tarifárias em mercadorias brasileiras vendidas no exterior. Nesse sentido, tem contribuído com o desenvolvimento de políticas para a erradicação dessas violações.

A organização atua ainda junto ao setor empresarial para combater esse crime, através de diálogos com empresas e associações empresariais dentro e fora do país visando sua mobilização e engajamento.

Por fim, apoiamos as ações para a formação de atores públicos (como magistrados, auditores e procuradores), econômicos e sociais para o fortalecimento do combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas.

1) Conceito de trabalho escravo

A Repórter Brasil vem monitorando propostas apresentadas no Congresso Nacional que buscam alterar o conceito brasileiro de trabalho escravo. De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, são elementos que determinam trabalho análogo ao de escravo:

  • Condições degradantes de trabalho: incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais, por colocar em risco a saúde e a vida do trabalhador;
  • Jornada exaustiva: em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida;
  • Trabalho forçado: manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas;
  • Servidão por dívida: fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele.

Por isso, a organização entrou em ação quando, em dezembro de 2015, o Senado aprovou um requerimento de urgência para colocar em votação o projeto de lei que regulamenta a emenda constitucional 81/2014 (antiga PEC do Trabalho Escravo), que prevê o confisco de propriedades em que esse crime for encontrado. A proposta de regulamentação (PLS 432/2013) já foi alterada a fim de reduzir o conceito de escravidão contemporânea pela metade, retirando os elementos que visam proteger a dignidade do trabalhador – isto é, condições degradantes e jornada exaustiva.

Considerando a iminência da votação, a Repórter Brasil, juntamente com outras entidades que atuam no combate ao trabalho escravo, passou a articular junto ao Congresso para que a questão fosse debatida com a sociedade antes que uma decisão fosse tomada pelo Legislativo.

Dentre as ações de articulação realizadas, destaca-se a campanha #SomosLivres. A campanha, desenvolvida pela Ideal H+K Strategies, é uma realização da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT). A Repórter Brasil ajudou no desenvolvimento da campanha, que foi concebida com um alcance nacional para o combate ao trabalho escravo. Seu objetivo foi definido pelos membros da comissão a partir das questões prementes do contexto sociopolítico e de análises de outros esforços nesse sentido. Para tanto, a Repórter Brasil realizou um levantamento, seguido de avaliação, de diversas campanhas sobre trabalho escravo feitas no país. Em parceria com o IPSOS, um dos maiores institutos de pesquisa do mundo, realizou uma pesquisa a fim de avaliar o nível de conhecimento da população a respeito do conceito de trabalho escravo e sua situação no Brasil contemporâneo. Os resultados dessas duas atividades foram essenciais na concepção da campanha Somos Livres pela agência Ideal. Além disso, diante do debate do conceito de trabalho escravo no Legislativo, o timing para o lançamento da campanha se mostrou essencial a fim de ampliar o debate para toda a sociedade.

A campanha foi oficialmente lançada no dia 28 de janeiro, Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo, em São Paulo, com mediação da atriz e diretora do Movimento Humanos Direitos, Camila Pitanga. Também contou com a presença de Kailash Satyarthi, prêmio Nobel da Paz por seu trabalho no enfrentamento à escravidão moderna. Kailash falou sobre a importância da manutenção do atual conceito brasileiro de trabalho escravo e da continuação do combate a essa grave violação de direitos humanos no Brasil e em todo mundo. O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Lélio Bentes, também esteve presente debatendo com os participantes sobre a importância do conceito na luta contra o trabalho escravo.

A #SomosLivres busca esclarecer para a população brasileira o que é trabalho escravo contemporâneo. O levantamento do IPSOS diagnosticou que, embora a sociedade tenha consciência da existência de trabalho escravo e saiba que é uma violação de direitos humanos, não há uma boa compreensão do que exatamente o caracteriza. Dessa forma, a campanha também defende o conceito legal desse crime, ameaçado pelo PLS 432 e por outros projetos em tramitação no Congresso Nacional. A campanha e a pressão por ela gerada, bem como demais articulações em torno do tema, tiveram como resultado a retirada do regime de urgência e a necessidade de realizar uma ampla discussão com a população sobre seu teor. Para tanto, o novo relator, senador Paulo Paim, realizou uma série de audiências públicas sobre o tema em todo o país.

A Repórter Brasil, juntamente com diversas entidades, participou de audiência realizada em São Paulo, no dia 11 de agosto, sobre a redução do conceito, mas também terceirização e previdência social, considerando o contexto de debates sobre as reformas trabalhista e previdenciária no Legislativo brasileiro. Na figura de seu diretor-presidente, Leonardo Sakamoto, a organização destacou a perda de direitos dos trabalhadores por meio do PLS e a importância da manutenção do conceito atual para que o sistema de combate ao trabalho escravo não se esvazie.

As mudanças no contexto político, econômico e social brasileiro trouxeram outras pautas e discussões para o plenário do Congresso e a redução do conceito obteve menos destaque e perdeu prioridade. Por isso, a campanha Somos Livres diminui o passo e procurou manter-se ativa sem gastar energias num momento que não seria propício ou não receberia a atenção merecida. Apesar disso, a Repórter Brasil continuou monitorando este e outros temas em debate no Congresso Nacional, pronta para agir caso o momento pedisse. É importante destacar ainda que, no final de 2016, a campanha foi retomada e seu cronograma de atividades repensado para o ano de 2017.

2) Lista Suja

A Repórter Brasil continuou sua atuação, iniciada em 2015, para retomar o cadastro de empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final,  conhecido como “lista suja do trabalho escravo”. Em fevereiro, a organização publicou uma atualização da “Lista de Transparência”, solicitada ao Ministério do Trabalho com base na Lei de Acesso à Informação, abarcando o período entre dezembro de 2013 e dezembro de 2015. Nosso objetivo ao veicular essa lista alternativa foi garantir o direito à transparência da sociedade e do setor empresarial, fornecendo informações sobre os flagrantes confirmados por trabalho análogo ao de escravo realizados pelo governo.

A pressão pela retomada da lista suja seguiu em outras instâncias, especialmente, junto ao Ministério do Trabalho, à Secretaria de Direitos Humanos e ao Supremo Tribunal Federal. Em maio, o governo federal assinou uma nova portaria interministerial que recriou o cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo. A nova portaria procurava responder a um dos principais argumentos utilizados pelo ministro do STF, Ricardo Lewandowski, para embasar sua decisão de suspender o cadastro: a de que a portaria anterior violava o direito à ampla defesa dos empregadores por não especificar mecanismos e instâncias de recurso, de entrada e de saída.

Nesta versão da portaria, foram aprimorados os critérios de entrada e saída de empregadores. A inclusão na “lista suja” passa depender da aplicação de um auto de infração específico para condições análogas às de escravo. Até então, a caracterização poderia ocorrer também através de um conjunto de autos de infração, demonstrando a existência de trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes de trabalho e jornada exaustiva. A nova redação deve facilitar a defesa dos empregadores.

Dessa forma, a ministra Carmen Lucia revogou a medida cautelar que impedia a divulgação da lista. Porém, mesmo com a publicação da lista autorizada pelo judiciário, o Ministério do Trabalho não emitiu uma nova versão da base de dados e não informou uma data prevista para fazê-lo ao longo de 2016. A Repórter Brasil, então, solicitou uma nova Lista de Transparência via LAI para que a sociedade não fique sem informações sobre o combate ao trabalho escravo empreendido pelo governo federal. Essa atualização foi publicada no site da organização em junho de 2016.

Também devido à demora do Ministério do Trabalho em emitir uma nova lista, o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação civil pública e, no dia 19 de dezembro, o juiz Rubens Curado Silveira, 11ª Vara do Trabalho de Brasília, determinou um prazo de 30 dias para que o governo federal publicasse a nova lista. A Repórter Brasil disponibilizou todas as informações sobre o caso em seu site. Além disso, no âmbito de articulação, a organização acompanhou os trâmites jurídicos de perto e continuou pressionando o Ministério do Trabalho para a retomada da base de dados.

A atuação da Repórter Brasil nesse âmbito também recebeu destaque internacional, sendo repercutida pela Reuters e pelo The Guardian.

3) Comissões

3.1. Conatrae

A Repórter Brasil é membro da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).  Nesse âmbito, nossa atuação visa fortalecer o diálogo entre sociedade civil e setor público e privado para aprimorar o combate a essa violação em todo o país.

Ao longo de 2016, por meio da própria Comissão e de parcerias com as entidades que a compõem, a Repórter Brasil atuou pela manutenção do conceito brasileiro de trabalho escravo e pela retomada da lista suja, como exposto nas seções anteriores. Nossa atuação se volta também à aprovação de projetos de lei, ao monitoramento do II Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e à execução da Carta Compromisso contra o Trabalho Escravo.

A Carta Compromisso contra o Trabalho Escravo é uma iniciativa da Conatrae, executada pela Repórter Brasil desde 2006. A carta tem servido como instrumento de engajamento de candidatos às políticas públicas que abordam esse tema.  Em 2016, ano de eleições municipais, a organização entrou em contato com os candidatos à prefeitura de São Paulo e do Rio de Janeiro, deixando também a possibilidade de candidatos em outras cidades também assinarem o documento. As cartas assinadas estão disponíveis no site da Repórter Brasil. A campanha repercutiu pela mídia nacional. O prefeito eleito de São Paulo, João Dória (PSDB), assinou o documento com algumas alterações em seu conteúdo. No Rio, apenas três candidatos assinaram a carta – dentre eles, o prefeito eleito Marcelo Crivella (PRB).

Nas eleições municipais de 2012, o então candidato Fernando Haddad (PT) havia assinado a carta compromisso. Dentre os pontos elencados pelo documento, constavam a criação de uma Comissão Municipal de Combate ao Trabalho Escravo e um plano municipal com o mesmo fim. Ao fim de seu mandato, a Repórter Brasil enviou uma solicitação para que a gestão comentasse como foi sua atuação de acordo com cada do documento. A nota da prefeitura está disponível no site da organização. Com essa nota e com informações coletadas junto a outros atores relevantes para o combate ao trabalho escravo, a Repórter Brasil elaborou ainda uma análise do cumprimento das metas pela gestão Haddad.

Além disso, em abril, a Repórter Brasil também participou da 12ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, enquanto representante da sociedade civil e membro da Comissão. O diretor da organização, Leonardo Sakamoto, participou da mesa de abertura da Conferência, onde falou a respeito da importância da defesa dos direitos humanos, especialmente do combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas. A organização participou, juntamente com outras entidades da Conatrae, das demais atividades da Conferência, inserindo pautas referentes a trabalho escravo nas discussões de diferentes eixos.

Ao longo de 2015 e 2016, juntamente com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Repórter Brasil desenvolveu uma plataforma para fazer o monitoramento do II Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. A metodologia empregada transforma as metas do plano em seis eixos de ação, compostos por diferentes indicadores. Atores do poder público, do setor privado e da sociedade civil organizada acessam a plataforma para fornecer dados e informações a respeito dos indicadores que lhe correspondem. O primeiro monitoramento piloto foi realizado em 2016 e pode ser acessado em www.monitoramentopnete.org.br/status.

3.2. Coetrae-SP, NETP-SP e Comtrae-SP

Desde suas respectivas criações, a Repórter Brasil participa ativamente da Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo de São Paulo (Coetrae-SP), do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de São Paulo (NETP-SE) e da Comissão Municipal para a Erradicação do Trabalho Escravo de São Paulo (Comtrae-SP). No âmbito da Coetrae e do NETP, a Repórter Brasil vinha acompanhando as discussões sobre os planos estaduais para erradicação do trabalho escravo e para o combate ao tráfico de pessoas. Além disso, também participou dos debates referentes a casos específicos levado às comissões.

Em 2016, no âmbito da Coetrae, vale a pena destacar a participação da Repórter Brasil na organização da audiência pública em São Paulo para debater o PLS 432/2013, de relatoria do Senador Paulo Paim.

No âmbito da Comtrae-SP, a Repórter Brasil acompanhou e auxiliou na implementação do plano municipal para combate ao trabalho escravo. O programa Escravo, nem pensar! realizou uma formação sobre a temática junto a servidores públicos municipais, contemplando, desta forma, duas metas previstas. Além disso, ambas comissões estiveram presentes e apoiaram o lançamento da campanha Somos Livres em São Paulo, no começo do ano.

Em setembro, a Repórter Brasil solicitou seu desligamento dessas três comissões. A organização vem participando dos três fóruns desde sua criação, acompanhando de perto as atividades e discussões realizadas. No entanto, a organização optou por, a partir de 2016, concentrar seus esforços e sua atuação no nível federal, nomeadamente junto à Conatrae e na articulação com o Congresso Nacional e tribunais superiores, devido aos desafios colocados pela conjuntura política, econômica e social.

A Repórter Brasil continuará acompanhando o combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, bem como ações e debates sobre questões correlatas, no estado e no município de São Paulo, como tem feito nos últimos anos. E seguirá atendendo às solicitações de informações úteis para o desenvolvimento das atividades das comissões, dando continuidade à parceria entre instituições do poder público, do setor privado e da sociedade civil organizada.

4) Atuação internacional

A Repórter Brasil é considerada um importante ator internacional no combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas, participando de ações globais coletivas, contribuindo com a elaboração de acordos e convenções internacionais e ministrando conferências sobre o desenvolvimento de políticas de combate a esse crime. A organização tem se articulado com parceiros dos Estados Unidos, da América Latina, da Europa e da Ásia para o desenvolvimento da arena internacional de combate ao trabalho escravo e tráfico de pessoas e de monitoramento de cadeias globais de produção. Além disso, buscamos compartilhar o modelo desenvolvido de pesquisa de cadeias produtivas.

O diretor da ONG, Leonardo Sakamoto, é membro do conselho do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão. Representando a organização neste fórum, participa de atividades e reuniões neste âmbito para discutir maneiras de combater as diferentes formas de escravidão moderna encontradas pelo mundo. Em fevereiro, participou do evento TEDx Place des Nations: “Transforming Lives”, em Genebra, visando abordar a experiência da organização no combate ao trabalho escravo utilizando ferramentas do século XXI. Uma versão legendada da apresentação está disponível no canal da ONU Brasil. Em sua fala, destacou o trabalho de jornalismo investigativo, rastreamento de cadeias produtivas e educação para prevenção de trabalho escravo e tráfico de pessoas, enfatizando as conexões que toda pessoa possui com algum tipo de trabalho escravo.

Também procuramos divulgar e debater o tema e as estratégias empenhadas pela Repórter Brasil nos últimos anos com veículos jornalísticos e pesquisadores internacionais de diversas instituições. Em 2016, a Repórter Brasil falou com a Open Democracy sobre a importância da lista suja no combate ao trabalho escravo no país. A atuação da ONG pela manutenção dessa ferramenta e a defesa do direito à informação por meio da Lista de Transparência ganhou destaque na Reuters e no The Guardian.

O desenvolvimento de redes internacionais e o fortalecimento da rede nacional são essenciais para combater o trabalho escravo. Daí a importância das atividades de articulação conduzidas pela ONG. Dessa forma, é possível fortalecer o diálogo entre sociedade civil, empresariado e administradores públicos e o monitoramento de suas ações nessa luta.

Nesse sentido, a Repórter Brasil, representada por Leonardo Sakamoto, fez seu depoimento como testemunha na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre o caso Brasil Verde. A audiência foi realizada em 18 e 19 de fevereiro, em San José, na Costa Rica, para julgar ação movida contra o Estado brasileiro por omissão no combate ao trabalho escravo no caso da fazenda Brasil Verde, no Pará. A sentença saiu em dezembro do mesmo ano, condenando o Brasil por escravidão contemporânea.

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