COMÉRCIO ILEGAL

Documentos ligam Amazon e Embraer a investigados por garimpo em áreas indígenas

Refinadora Sovereign Metals, da Índia, é listada em relatórios que indicam origem do ouro usado na fabricação de componentes de multinacionais; companhia indiana adquire o minério de grupo brasileiro apontado pela Polícia Federal como comprador de ouro de garimpos ilegais no Pará
Por Igor Ojeda | Edição Poliana Dallabrida
 16/12/2024

AMAZON, EMBRAER E GOOGLE são algumas das multinacionais que podem estar usando, em sua cadeia de produção, ouro fornecido por um grupo brasileiro investigado pela compra e exportação do minério de garimpos ilegais no Pará. A Polícia Federal também suspeita que, desde 2021, parte desse ouro foi extraído ilegalmente de territórios indígenas e unidades de conservação.

Dados alfandegários acessados pela Repórter Brasil indicam que, nos últimos quatro anos, a refinadora indiana Sovereign Metals realizou diversas aquisições de ouro da Fenix Metais do Brasil, com escritório em Cuiabá (MT). A Fenix Metais do Brasil e a Fenix Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, empresas do mesmo grupo econômico, são apontadas como integrantes de esquemas de exploração e “esquentamento” de ouro, de acordo com investigações da PF acessadas pela reportagem.

Em 2023, uma decisão judicial chegou a determinar o bloqueio de dez cargas de ouro compradas da Fenix Metais pela Sovereign (mais detalhes abaixo).

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Em esquemas de “esquentamento de ouro”, títulos minerários de áreas regularizadas são apontados falsamente em notas fiscais como a origem do minério comercializado. O objetivo é dar um ar de legalidade ao produto extraído de garimpos ilegais.

Além da Amazon, do Google (por meio da Alphabet Inc., sua controladora) e da brasileira Embraer, a refinadora indiana consta na lista de potenciais fornecedores de ouro de empresas como Philips, Sony, Canon (fabricante de equipamentos fotográficos), Dolby (laboratório de tecnologias de áudio), 3M (fabricante de produtos para área de saúde, segurança e materiais de escritório) e até da rede Starbucks, que comercializa máquinas de café com filamentos de ouro em sua composição. 

A informação dessa relação comercial é indicada pelas próprias companhias em seus Relatórios de Minerais de Conflito referentes ao ano de 2023. A lista de fornecedores desses minérios – que podem ser adquiridos indiretamente, via fornecedores externos – é de divulgação obrigatória para empresas listadas nas bolsas de valores dos Estados Unidos que adquirem estanho, tungstênio, tântalo e ouro

A Repórter Brasil procurou todas as multinacionais citadas. 

A Amazon respondeu que está comprometida em “oferecer produtos e serviços produzidos ou fornecidos de uma forma que respeite os direitos humanos e o meio ambiente” e em “evitar o uso de minerais que alimentam conflitos”. 

A Philips afirmou que não compra diretamente da Sovereign. “Ela está listada em nosso Relatório de Minerais de Conflito 2023 porque aparece como uma fornecedora de uma de nossas fornecedoras, mas não temos confirmação que esteja ligada a algum de nossos produtos”, diz a nota.

A Embraer negou ter relações comerciais com a Sovereign Metals e afirmou que o ouro não é um item relevante na cadeia produtiva de seus fornecedores. “Iniciamos uma diligência mais aprofundada quanto ao tema para compreender se existe qualquer relação entre fornecedores da empresa e a extração de ouro no Brasil, incluindo questionamento quanto a potenciais ações mitigadoras de riscos”. 

A Starbucks afirmou ser comprometida com o fornecimento ético em sua cadeia e não possuir contratos vigentes com a Sovereign ou a Fenix.

A 3M respondeu que a refinadora indiana não é sua fornecedora.

Sony, Canon, Dolby e Google não responderam aos questionamentos enviados pela Repórter Brasil até o fechamento desta reportagem.

O Grupo Fênix respondeu que suas atividades “são pautadas na legalidade, transparência e em conformidade” com padrões internacionais. “Quanto às investigações mencionadas na matéria, que tramitam em segredo de justiça, as empresas estão à disposição das autoridades competentes para prestar quaisquer informações”.

A Sovereign Metals não respondeu às tentativas de contato de reportagem. Em documento que detalha sua política de aquisição de metais preciosos, a refinadora garante que os produtos adquiridos pela empresa vêm de “fontes legais e éticas” e que “se recusa a adquirir metais de garimpos ilegais ou de fornecedores que não cumprem as legislações locais e internacionais”.

Leia aqui as respostas completas das empresas citadas.

Monitoramente falho

“As empresas vão dizer que não estão consumindo desse ator [Sovereign Metals], que está claramente envolvido com o ouro de garimpo, porque simplesmente não estão pesquisando e investindo no rastreamento de suas cadeias”, avalia Christian Pointer, diretor da organização Amazon Watch. “É uma preocupação enorme que empresas que consomem grandes quantidades de ouro não saibam de onde vem esse minério”, complementa. 

Para a Amazon Watch, as compradoras de minério devem identificar e divulgar a origem de todo o ouro brasileiro usado em sua cadeia de suprimentos, idealmente até a mina de origem. 

Os negócios entre Fenix e Sovereign

Registros alfandegários acessados pela Repórter Brasil mostram que, entre novembro de 2021 e setembro de 2024, a Sovereign realizou 256 compras da Fenix Metais e duas aquisições da Grama Metais do Brasil, empresa do mesmo grupo e registrada no mesmo endereço da Fenix em Cuiabá (MT). Além de barras de ouro, a refinadora indiana também adquiriu prata das duas empresas. Essas transações somaram 565,6 milhões de dólares (cerca de R$ 3,3 bilhões). 

A Polícia Federal acredita que o ouro adquirido ilegalmente pela Fenix DTVM é efetivamente comercializado para o exterior pela Fenix Metais. 

Em setembro de 2023, no âmbito da Operação Ouropel, da PF, uma decisão judicial determinou o bloqueio de dez cargas de ouro compradas da Fenix Metais pela Sovereign que tinham como destino o aeroporto de Nova Delhi, na Índia. Foram apreendidos um total de 137,3 kg de metal, cujos valores somavam R$ 38,8 milhões. As autoridades suspeitam que parte desse minério pode ter sido extraído ilegalmente de garimpos na Amazônia.

O que dizem as investigações sobre o grupo Fenix

Segundo investigações da Polícia Federal, um dos esquemas de esquentamento de ouro envolvendo as empresas do grupo Fenix utilizava, desde abril de 2021, Permissões de Lavra Garimpeira (PLGs) em nome de José Barbosa de Lima em Itaituba, no Sudoeste do Pará. 

Embora um desses títulos minerários estivesse sendo declarado como local de grande movimentação de ouro, imagens de satélite indicaram não haver exploração mineral na área. 

De acordo com levantamento da PF, as PLGs vinculadas a Lima teriam esquentado, entre 2021 e 2022, um total de 988,2 kg de ouro, com vendas que alcançaram R$ 257,4 milhões. A Fênix DTVM foi a principal compradora, responsável por R$ 126,5 milhões desse total.

Procurado pela reportagem, José Barbosa de Lima não respondeu aos questionamentos até o fechamento deste texto.

Outro esquema apontado pela Polícia Federal teria como local de esquentamento um título minerário fruto de uma parceria entre a Cooperativa dos Garimpeiros do Sudoeste do Pará (Coopersupa) e o proprietário de uma área em Itaituba. Ele receberia 10% do valor da produção.

À PF, o dono das terras afirmou ter sido surpreendido com a emissão de notas fiscais entre 2022 e 2023 referentes a quantias de ouro extraídas no local e vendidas pela cooperativa para a Fenix DTVM sem que a área tivesse sido explorada. Segundo o proprietário, ao denunciar o fato para a empresa, a Fenix teria alegado que seu departamento de compliance não havia detectado nenhuma irregularidade referente a esse título minerário.

A PF apurou que 130,7 kg de ouro – correspondentes a R$ 32,7 milhões – foram esquentados nessa PLG, que tinha a Fenix DTVM como única compradora. Novamente, a suspeita é que há “grande chance” de que a real origem do minério seja áreas protegidas, “dada a proximidade dessa cidade [Itaituba] com unidades de conservação e terras indígenas”, de acordo com os investigadores. 

Terra Indígena Kayapó é a mais invadida pelo garimpo ilgal de ouro no país, com mais de 13 mil hectares ocupados (Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace)
Terra Indígena Kayapó, no Pará, é a mais invadida pelo garimpo ilegal de ouro no país, com mais de 13 mil hectares ocupados (Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace)

As terras indígenas Kayapó, Munduruku e Yanomami são as mais afetadas pelo garimpo ilegal no país, segundo dados da plataforma Mapbiomas.

Procurada, a Coopersupa não enviou resposta até o fechamento desta reportagem.

Suspensão de atividades e sócio preso

No âmbito da investigação sobre os dois esquemas, a Polícia Federal realizou, em setembro de 2023, uma operação de busca e apreensão na Fenix DTVM, que incluiu o bloqueio de bens e a retenção, no aeroporto de Guarulhos, das dez cargas que seriam exportadas pela Fenix Metais para a Sovereign. Outras empresas e indivíduos também foram alvo da operação. Em novembro do mesmo ano, a Justiça do Pará determinou a suspensão das atividades da DTVM no estado

Em setembro de 2024, Pedro Eugênio Gomes Procópio da Silva, um dos sócios da Fenix DTVM e da Fenix Metais, foi um dos 13 presos em outra operação da PF

Dessa vez, os investigadores apontaram que a Mineradora Dente Di Leone, com sede em Redenção, no Sul do Pará, comprava ouro extraído ilegalmente da Terra Indígena Kayapó e de outras lavras irregulares no Pará, Amazonas, Mato Grosso e Roraima. A empresa, segundo a PF, vendeu 3,1 toneladas de ouro ilegal entre 2021 e 2023 para apenas duas companhias, entre elas a Fênix DTMV. 

Pedro da Silva foi solto no final do mês de outubro após obter um habeas corpus. A Repórter Brasil tentou contato com o empresário por meio do seu telefone pessoal e dos seus advogados, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

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Em setembro de 2023, uma operação da Polícia Federal determinou o bloqueio de dez cargas que seriam exportadas pela Fenix Metais para a refinadora indiana Sovereign Metals (Foto: Ascom/PF)