AO LONGO de seus 23 anos de trajetória, a Repórter Brasil revelou dezenas de casos de frigoríficos brasileiros abastecidos por pecuaristas acusados de crimes ambientais e infrações trabalhistas.
Em 2024, os elos destes produtores com supermercados europeus e norte-americanos levou a um reconhecimento histórico para nossa equipe: o secretário-executivo da RB, Marcel Gomes, foi um dos vencedores do Prêmio Goldman, conhecido como o “Nobel do ambientalismo”. Foi apenas a quinta vez em que um brasileiro levou a distinção.
O reconhecimento ao trabalho da Repórter Brasil veio após uma investigação de impacto significativo: seis grandes grupos varejistas de Bélgica, França, Holanda e Reino Unido suspenderam a venda de produtos de frigoríficos brasileiros, em razão de os animais terem sido criados em área desmatada ilegalmente. Em setembro, Gomes também foi escolhido pela Forbes um dos 50 líderes mundiais na área de sustentabilidade.
O monitoramento da cadeia da pecuária pela Repórter Brasil levou a outras descobertas em 2024 que renderam transformações concretas. Nossas pesquisas mostraram, por exemplo, como fazendeiros da Amazônia alteraram o perímetro de suas propriedades em registros públicos para “apagar” áreas embargadas por desmatamento ilegal.
Um dos casos foi o da Fazenda Pai Herói. Mesmo com os embargos ativos, a propriedade forneceu gado para a JBS em 2024, segundo dados oficiais acessados pela Repórter Brasil. Após questionamento da reportagem, a JBS informou que “preventivamente bloqueou a propriedade”. A Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso, por sua vez, prometeu investigar o caso.
Os impactos gerados pelo nosso trabalho são o principal combustível do nosso jornalismo. Veja a seguir as reportagens da Repórter Brasil que mudaram 2024.
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Como ogronegócio avançou na Amazônia com Bolsonaro
O especial “Ogronegócio: milícia e golpismo na Amazônia” detalhou a atuação da “banda podre” do agro – aquela que não é pop, nem tech, nem tudo. Nossa reportagem analisou pilhas de documentos e fez dezenas de entrevistas, durante uma viagem de mais de 6 mil quilômetros pelos estados de Pará e Mato Grosso, para explicar como foi selada a aliança entre o bolsonarismo e a ala truculenta do agronegócio.
Para tanto, seguimos os passos de Luiz Antônio Nabhan Garcia, ex-secretário de Assuntos Fundiários do governo de Jair Bolsonaro.
Horas depois da publicação da primeira matéria, policiais militares e civis foram a campo para recolher porretes à venda em um posto de combustível no Pará. Os artefatos estavam grafados com as palavras “Respeito”, “Diálogo” e “Direitos Humanos”, uma clara ode à violência. A comercialização dos “porretes do ódio” é crime de incitação a violência, segundo a investigação policial.
A ação truculenta da polícia do Pará e a queda de um delegado
Ainda no Pará, acompanhamos os desdobramentos de uma ação policial que deixou dois sem-terra mortos, em outubro. Agindo supostamente para desmantelar uma organização criminosa que estaria cobrando taxas dos sem-terra e cometendo outros crimes, agentes da Delegacia Especializada de Conflitos Agrários de Marabá (PA) entraram em uma fazenda ocupada por trabalhadores e, segundo relatos, dispararam enquanto eles ainda dormiam.
No fim de outubro, o Ministério Público do Pará passou a investigar a ação da polícia. Em novembro, o delegado responsável pela ação foi removido do cargo.
Passado, presente e futuro do povo Kayapó
O ano será lembrado também como o da passagem de Tuíre Kayapó Mẽbêngôkre, a guerreira que se tornou um símbolo da resistência indígena. No final da década de 1980, Tuíre tocou a lâmina do facão no rosto de um engenheiro da Eletronorte, durante audiência para discutir a construção de um complexo de hidrelétricas no rio Xingu. A foto do momento converteu-se em um símbolo, mostrando que os indígenas não aceitariam a destruição da floresta.
Mais de 30 anos depois, a destruição da floresta amazônica continua em progresso, sob protesto de comunidades tradicionais. O documentário “A floresta Kayapó em pé: Bá Kájmã Ãm” aborda a divisão interna entre as aldeias Kayapó que aceitam e as que expulsam os garimpeiros de ouro.
Em setembro, a Polícia Federal fechou o cerco contra suspeitos envolvidos na pilhagem da terra Kayapó. Um esquema bilionário de garimpos irregulares começou a ser desmantelado com a prisão de 13 suspeitos, incluindo um político e quatro policiais, que formavam uma “milícia garimpeira”.
Listas encontradas pelos investigadores sugerem ainda que candidatos a prefeito e a vereador da região foram financiados com o dinheiro do esquema, como mostrou a nossa cobertura especial das eleições municipais de 2024.
Novo sistema para barrar irregularidades
O especial “Dossiê Seguros Agrícolas” revelou como multinacionais desse segmento garantiram cobertura para lavouras ilegais. As áreas ficam dentro de terras indígenas ou de fazendas embargadas por desmatamento, onde a produção agrícola de larga escala é proibida. As seguradoras também forneceram apólices para produtores incluídos na Lista Suja do trabalho escravo.
Todos os contratos foram pagos com o auxílio de um programa de subvenção do governo federal. Após a publicação do especial, o Ministério da Agricultura comprometeu-se a implementar um sistema de verificação de irregularidades socioambientais entre os produtores beneficiários. Segundo a pasta, o sistema entrará em vigor no primeiro trimestre de 2025.
Esta cobertura da Repórter Brasil foi reconhecida com o Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados 2024, na categoria “Investigação”.
Outra reportagem nossa sobre seguros agrícolas também levou a organização sem fins lucrativos Eko a lançar uma campanha para pressionar a seguradora suíça Swiss Re a parar de oferecer cobertura de seguros a fazendas com irregularidades ambientais.
Cobrança ao poder público fez prefeitura se movimentar
O especial ”Encurralados: os impactos do agronegócio sobre a fauna brasileira” identificou casos em que a morte de animais silvestres teve relação com as atividades agropecuárias no país. No Pantanal, a devastação do fogo deixa os animais sem garantia de comida e sem refúgio.
Já no Cerrado, três lobos-guará da mesma família se afogaram em canais de irrigação de uma fazenda de grãos no oeste da Bahia. Os canais são revestidos com uma lona escorregadia e não tinham, segundo o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, proteção adequada para evitar a entrada dos animais.
Após a publicação da reportagem, o órgão ambiental do município realizou vistorias nas fazendas do entorno do parque para averiguar a segurança dos canais para a fauna.
Usuários de drogas foram pagos com cachaça por trabalho de reciclagem
Maior recicladora de alumínio do mundo, a multinacional Novelis comprou matéria-prima de uma empresa acusada de pagar com garrafas de cachaça o trabalho de dependentes químicos que atuam como catadores na Cracolândia, no centro da capital paulista.
Após a publicação da reportagem, a Novelis anunciou o rompimento das relações comerciais com o fornecedor e o Ministério dos Direitos Humanos abriu um procedimento sobre o caso.
Venda ilegal de agrotóxicos na internet
Investigação da Repórter Brasil encontrou agrotóxicos comercializados irregularmente em dois dos maiores marketplaces do país: Mercado Livre e no Magazine Luiza. Os anúncios são de responsabilidade de terceiros, mas especialistas criticam os sites por falta de monitoramento. Após o contato da reportagem, apenas o Magalu tirou os anúncios do ar.
Entre os produtos ofertados estava o Regent, da Basf, destinado exclusivamente ao uso em lavouras. Nas plataformas, contudo, ele era oferecido para combater pulgas, carrapatos, insetos e formigas. Seu ingrediente principal, o fipronil, é classificado como possivelmente cancerígeno, motivo pelo qual foi banido da União Europeia.
Starbucks processada nos EUA
Uma investigação da Repórter Brasil foi citada em um processo judicial movido contra a Starbucks Corporation pela organização National Consumers League, com sede em Washington, nos Estados Unidos.
A reportagem mostrou que fazendas envolvidas em casos de trabalho escravo e infantil integravam o C.A.F.E. Practices, o programa de aquisição ética de café da multinacional americana Starbucks.
O processo foi iniciado dois meses depois das revelações. A ação afirma que a multinacional lesa os consumidores americanos ao promover uma propaganda enganosa sobre “aquisição 100% ética” do café e dos chás vendidos em suas lojas. Além da investigação da Repórter Brasil, foram citados nos casos de abusos trabalhistas no Quênia e na Guatemala.
Denúncias de trabalho infantil e pressão por regulamentação da indústria tech
Em 2024, a Repórter Brasil deu início a uma cobertura sobre o trabalho infantil na indústria da tecnologia.
Com uma fronteira não delimitada entre diversão e trabalho, plataformas como a Roblox vêm despertando a preocupação de pais, especialistas e autoridades. Crianças e adolescentes passam horas do dia programando jogos que geram rendimentos para a empresa – mas pouco, ou mesmo nada, para eles.
A investigação mostrou ainda que comunidades do aplicativo de mensagens Discord são usadas para que os jovens ofereçam e encontrem trabalho na criação de games para a Roblox.
A investigação sem precedentes no Brasil vem sendo usada por organizações da sociedade civil para avaliar ações de litigância. Fundos de investimento de dentro e fora do país também afirmaram que o material está influenciando suas decisões a respeito de investimentos nas big techs.
Outra investigação da Repórter Brasil mostrou como plataformas como Kwai e TikTok também contam com a força de trabalho de crianças e adolescentes para treinamento de sistemas de inteligência artificial. As descobertas estão municiando debates sobre regulamentação de plataformas digitais, principalmente no que diz respeito à participação dos jovens.
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