Lobby não é legalizado no Brasil

“A soberania nacional é influenciada pela capacidade de o Estado resistir a lobbies internacionais. O que parece é que a questão do pré-sal envolveu articulações planejadas e articuladas de organizações e países”, diz Lucas Cunha, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e estudioso sobre o tema.
Por Roberto Rockmann
 22/05/2018

Desde 1986, há tentativas de se institucionalizar a prática do lobby no país, e muitos especialistas acreditam que uma regulação seria muito bem-vinda porque hoje ele existe a torto e direito no Estado brasileiro. Mas isso ainda não ocorreu.

“É uma atividade legítima que existe em sistemas democráticos, mas é preciso transparência. O Chile é o único país da América Latina com legislação sobre o assunto, criada em 2015”, afirma Lucas Cunha, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, estudioso sobre o tema e coautor de um estudo sobre lobby do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento.

“O lobby do óleo e gás é amplo, é de uma rede internacional de interesses estratégicos em uma atividade de pouca transparência. A soberania nacional é influenciada pela capacidade de o Estado resistir a lobbies internacionais. O que parece é que a questão do pré-sal envolveu articulações planejadas e articuladas de organizações e países”, observa Cunha.

O Brasil tem algumas peculiaridades em relação ao trâmite de projetos de lei e sua votação no Congresso. Desde os anos 90, o Executivo tem legislado a partir de Medidas Provisórias (MPs), que não precisam de aprovação do Congresso quando são editadas pelo presidente, mas sem o aval de deputados e senadores a MP expira em sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período.

A Medida Provisória (MP) é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência, mas se tornou bastante implementado. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei. Segundo estudo de Cunha, os presidentes do Brasil editaram e reeditaram, entre outubro de 1988 e junho de 2010, 6515 decretos com força imediata de lei. Desses decretos, 81,34% foram aprovadas pelo Congresso Nacional.

Em 2001, foi decidido pelo Congresso que não se pode mais reeditar MPs indefinidamente como o governo fazia, ou seja, elas, para não expirarem, precisam ser votadas pelo Congresso e pelo Senado. “A EC n°32 (Emenda Constitucional) de 2001 alterou o rito de tramitação das medidas provisórias, além de proibir a reedição, que quando utilizada repetidamente fazia com que, na prática, Congresso Nacional não apreciasse a maior parte das MPs, que após essa Emenda Constitucional passaram a trancar a pauta de votações do Congresso Nacional quando vencido prazo de votação de cento e vinte dias a partir da publicação da MP”, destaca Cunha.

“O lobby então passa a ter de ter anuência do Congresso, e assim começam as emendas às MPs. São criadas então essas janelas de lobby para discussão das emendas e para discutir como a MP vai ser votada. O telegrama mostrado pelo The Guardian explicita um caso de lobby sem regulação, com redes de influência sem transparência, em que só se soube da ação quando ela foi divulgada, se não, não teria vindo a público”, explica Cunha.

Lobby não é exclusividade de petróleo

Os bilhões de dólares que são movimentados no setor de óleo e gás agitam diversos interesses de países e empresas. Diretor da ANP durante quatro anos, Helder Queiroz, participou da elaboração do primeiro leilão na camada pré-sal, em 2013, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Em uma visita a potenciais investidores na China, o hoje professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro se lembra de que os chineses estavam interessados também em investir na área de refino. Naquele momento, a Petrobras já indicava interesse em atrair outras empresas para associação em refinarias. “A queixa era com a política de preços da Petrobras. Para que eles ingressassem, queriam que fosse transparente”, afirmou.

Os chineses participaram do leilão de 2013 do megacampo de Libra, com duas empresas, a CNPC e a Cnooc, ingressando no consórcio vencedor, mas nunca investiram até hoje na área de refino. Desde o ingresso do presidente Michel Temer e de Pedro Parente como presidente da estatal, a Petrobras alterou, em outubro de 2016, sua política de preços e passou a incorporar mecanismos que permitem ajustes diários nos preços da gasolina e do diesel. A nova política de preços da Petrobrás é uma arma de mercado, que ganhou a adesão de novos importadores, de todos os portes, reduzindo as vendas da Petrobras e o uso do produto refinado pela estatal.

Leia mais:
O avanço do lobby internacional no pré-sal brasileiro
Temer acelerou mudanças pró-mercado na exploração do pré-sal
Petrobras perde espaço para multinacionais no pré-sal
Decreto de Temer beneficiou empresas privadas em 2017
Extensão do Repetro opôs Câmara e Fazenda
Governo diz que novo marco gerará mais empregos
Descoberta do pré-sal fez Brasil enfrentar interesse de petroleiras

O lobby não é apenas visto na área de energia. O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), um dos líderes da oposição, se recorda de que a Embaixada dos Estados Unidos tentou em vários encontros dissuadir a bancada petista, que impedia a votação da legislação conhecida como “céu aberto”, acordo que prevê que a abertura ou encerramento de novas rotas entre Brasil e Estados Unidos passam a ser livres, sem os limites de 301 voos semanais, como existe atualmente.

As companhias aéreas norte-americanas continuam proibidas de fazer voos domésticos entre aeroportos brasileiros e vice-versa. O Brasil já tem esse tipo de acerto com 15 países europeus. “A reforma trabalhista foi feita com a CNI participando da redação de diversos pontos”, acrescentou.

Um dos acionistas do grupo JBS, Joesley Batista foi flagrado em grampos dizendo que teria pagado R$ 20 milhões para um deputado para alterar uma legislação que beneficiaria a empresa do setor de agronegócios. Em depoimentos ao Ministério Público, ex-executivos da Odebrecht afirmaram que, de 2005 a 2015, a empresa pagou propina, fez contribuições oficiais ou doou por meio de caixa dois para tentar influenciar o destino de pelo menos 20 atos do Legislativo e do Executivo, em sua maioria a edição e a aprovação de medidas provisórias.

Empresas norte-americanas, como a ExxonMobil e Chevron, fizeram pressão ano passado sobre o governo norte-americano para que o presidente Donald Trump não endurecesse sanções contra a Rússia. A preocupação era que a medida traria impactos à indústria norte-americana e ganhos à Rússia, um dos maiores produtores e exportadores de óleo e gás do mundo.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM