Síntese das Atividades da Repórter Brasil em 2017

A Repórter Brasil foi fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre a violação aos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores no Brasil. Devido ao seu trabalho, tornou-se uma das mais importantes fontes de informação sobre trabalho escravo no país. Suas reportagens, investigações jornalísticas, pesquisas e metodologias educacionais têm sido usadas por lideranças do poder público, do setor empresarial e da sociedade civil como instrumentos para combater a escravidão contemporânea, um problema que afeta milhares de pessoas.

A organização possui duas áreas principais de atuação que reúnem todos os seus projetos: Jornalismo e Pesquisa, responsável pela produção de informação e análises que subsidiam lideranças sociais, políticas e econômicas; e Metodologia Educacional, voltada para difusão de informações sobre direitos e intercâmbio de conhecimento, envolvendo acadêmicos, educadores, trabalhadores e lideranças comunitárias. Apesar dessa divisão, o trabalho de todos os programas e projetos da organização atravessa uma mesma agenda temática, com diálogos e trocas constantes entre suas diversas atividades.

Duas outras áreas fortalecem o trabalho desenvolvido pelas equipes, uma de articulação e representação em diferentes âmbitos institucionais, e uma de estrutura financeira e administrativa. Além disso, a Repórter Brasil tem suas contas analisadas por auditoria independente anualmente, disponível na página de Transparência da organização.

Todas as informações sobre a organização, sua estrutura, atividades e contas estão disponíveis em www.reporterbrasil.org.br/quem-somos.

ÁREA I: METODOLOGIA EDUCACIONAL

O programa Escravo, nem pensar! é dedicado à prevenção ao trabalho escravo, por meio da Educação em locais do país com grande concentração de casos de trabalho escravo e aliciamento de trabalhadores.

O programa se dedica principalmente à realização de formações para servidores públicos, como   aqueles da Educação e da Assistência Social – a partir da elaboração e execução de metodologias específicas para a abordagem do tema do trabalho escravo e assuntos correlatos. Ademais, o programa produz conteúdo didático-pedagógico sobre essas temáticas em formatos diversificados, que são utilizados como referenciais por atores do poder público e da sociedade civil envolvidos com o combate ao trabalho escravo. O Escravo, nem pensar! também se dedica à produção acadêmica por meio da elaboração de artigos e participação em debates, dentre outros.

Para mais informações sobre o ENP! e seus projetos, acesse: www.escravonempensar.org.br. É importante ressaltar que as parcerias do programa com governos de estados e municípios não envolvem repasse de dinheiro para a organização por parte do poder Executivo ou do poder Legislativo.

1. Formações

1.1. Pará

Em parceria com a Secretaria de Educação Estadual do Pará, foram realizadas formações com educadores de oito Unidades Regionais de Educação (UREs): Abaetetuba, Belém, Castanhal, Conceição do Araguaia, Marabá, Mãe do Rio, Tucuruí, Santa Izabel do Pará. Essas unidades, responsáveis pela administração de escolas estaduais de 52 municípios, foram escolhidas tanto pela quantidade de matrículas que administram quanto pela incidência de trabalho escravo presente em suas regiões. O processo formativo com esses educadores teve 56 horas presenciais, divididas em três módulos distribuídos ao longo de 2017.  

A partir dessa formação, os educadores multiplicaram seu conhecimento sobre trabalho escravo aos professores das escolas que administram, os quais, por sua vez, abordaram a temática com seus alunos. Com o tema capilarizado nas unidades escolares, foram realizados projetos de prevenção, os quais alcançaram 254.455 pessoas direta e indiretamente no estado de maior ocorrência de trabalho escravo do Brasil.

A ação contou com o apoio das entidades presentes na Comissão Estadual de Erradicação ao Trabalho Escravo do Pará (Coetrae-PA).

1.2. Bahia

Em 2016, o Escravo, nem pensar! estabeleceu parceria com a Secretaria de Educação do Estado da Bahia para realizar um processo formativo com educadores de escolas públicas estaduais, com a mesma estrutura metodológica realizada no Pará (vide item 1.1). As atividades da parceria foram executadas  ao longo de 2017.

A formação foi realizada em três Núcleos Territoriais de Educação: Santa Maria da Vitória, Barreiras e Salvador. Embora a atuação no estado tenha sido regional, o projeto foi importante porque alcançou municípios (22, ao todo) onde tradicionalmente se concentram os casos de trabalho escravo no estado, principalmente em fazendas de pecuária e soja. Essa região (oeste baiano) também fornece grande número de trabalhadores para outros locais do estado e do país. Salvador, por sua vez, foi incluída pela intensa concentração populacional e de escolas, o que potencializa a disseminação do conteúdo oferecido nas formações. Ao todo, 32.004 pessoas foram atingidas direta e indiretamente pelo processo formativo.

1.3. São Paulo (capital)

a) Escola Municipal de Administração Pública de São Paulo (EMASP)

Entre abril e junho e entre outubro e dezembro, foram realizadas duas oficinas para servidores públicos municipais das áreas de Educação, Assistência Social, Segurança Urbana e Saúde, de São Paulo, em parceria com a EMASP. Cada oficina compreendeu três encontros de 20 horas de duração, atingindo diretamente 50 servidores. Foram trabalhados temas como trabalho escravo, migração e tráfico de pessoas, relacionando-os ao contexto encontrado na capital paulista.

No último ano, o Escravo, nem pensar! buscou expandir sua atuação e suas formações para além do âmbito das escolas. Os servidores públicos da Educação, mas também da Assistência Social, da Saúde e da Segurança Urbana, lidam no dia a dia com pessoas que podem ter sido vítimas de trabalho escravo e tráfico de pessoas ou que estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica e, portanto, suscetíveis a situações de exploração. Por fazerem parte do sistema de combate, é importante pensar em realizar formações focadas neste público, que permitam sensibilizar esses atores para identificar essas populações vulneráveis assim como atender de forma qualificada pessoas resgatadas. A formação municipal em parceira com a EMASP foi um dos primeiros passos dado pelo ENP! nesse sentido.

b) Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (SMADS)

Em agosto, tiveram início as formações para profissionais da Assistência Social do município de São Paulo, focando, principalmente, servidores que atuam em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de territórios com a maior concentração de comunidades migrantes. Contemplando 33 profissionais da Assistência Social diretamente, as formações deram continuidade à expansão da atuação do ENP! para além do âmbito das escolas. As atividades foram realizadas em quatro encontros que, ao todo, somaram 20 horas de formação presencial. Elas terão continuidade em 2018.

A formação dos profissionais da área é relevante, porque eles podem contribuir com a identificação de casos de trabalho escravo e, consequentemente, com a denúncia do problema a órgãos competente. Ademais, eles podem articular os seus serviços – como a inclusão de indivíduos vulneráveis em programas sociais e o acolhimento – para atender de forma qualificada e especializada trabalhadores resgatados e suas famílias.

1.4. Campinas

Conduzidas em parceria com a Diretoria de Educação do Estado de São Paulo – Campinas Oeste desde 2016, as formações para educadores de 56 escolas da rede pública estadual sobre trabalho escravo e questões correlatas se encerraram em junho de 2017. Ao todo foram realizados quatro encontros, que somaram 30 horas de formação presencial, alcançando 20.571 pessoas direta e indiretamente, dentre educadores, estudantes e membros da comunidade.

Segundo maior município paulista e forte polo industrial, Campinas atrai trabalhadores que migram sazonalmente de outras regiões do país em busca de emprego, principalmente na construção civil. O município ocupa o quinto lugar no ranking de municípios paulistas com registro de trabalho escravo entre 2003 e 2014, com dois casos e 47 trabalhadores libertados, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra.

2. Materiais

O Escravo, nem pensar! também desenvolveu materiais pedagógicos, sempre com foco no tema do trabalho escravo e assuntos correlatos. Além dos materiais impressos, o ENP! vem também produzindo materiais audiovisuais, que tiveram retornos positivos de educadores, especialmente no trabalho com estudantes, mas também dos profissionais da assistência social. Abaixo, apresentamos os dois tipos de materiais produzidos em 2017.

2.1. Publicações

As publicações impressas também ficam disponíveis em versão digital tanto na seção Pesquisa, do site da Repórter Brasil, quanto na Biblioteca do Escravo, nem pensar!. Em 2017, foram elas:

Além desses materiais, todos os projetos de formação contam com publicações específicas dedicadas aos educadores participantes. São os Cadernos do Educador, que servem como referência metodológica para replicação do conteúdo nas escolas.

2.2. Digitais: vídeos

a) Migração como direito humano: rompendo o vínculo com o trabalho escravo

Ao longo de 2016, o programa Escravo, nem pensar! realizou, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a formação continuada “Migração como direito humano: rompendo o vínculo com o trabalho escravo”. O mini-documentário homônimo apresenta resultados desse projeto, que alcançou 330 professores nas abordagens dos temas da migração internacional e do trabalho escravo com 5.108 alunos da rede pública de educação do município de São Paulo. A produção audiovisual dá voz a alunos filhos de imigrantes e brasileiros e educadores para relatarem os desafios de se promover um ambiente multiétnico de aprendizado voltado aos direitos humanos e à integração cultural.

b) Projeto Escravo, nem pensar! no Maranhão (2015-2016)

O vídeo apresenta as principais conquistas do projeto de prevenção ao trabalho escravo realizado pelo ENP! em parceria com a Secretaria de Estado da Educação, no Maranhão em 2015 e 2016. O projeto alcançou mais de 130 mil pessoas e envolveu 203 escolas de 62 municípios do estado. O Maranhão é um estado estratégico para o combate ao trabalho escravo no Brasil, porque ele é o que mais emite trabalhadores migrantes, que são explorados em outros lugares do país; além disso, o estado figura entre os cinco primeiros com maior número de trabalhadores libertados no seu próprio território. Por esses motivos, são estratégicas as ações de prevenção ao aliciamento e à exploração de trabalhadores.

c) Trabalho escravo no currículo escolar – Campinas (SP)

Neste vídeo, o ENP! apresenta a experiência da inserção do tema do trabalho escravo no conteúdo programático em escolas do município de Campinas. Os educadores problematizam o desafio de tratar temas relevantes com seus alunos, mas que não estão previamente previstos no currículo. Apontam, ainda, a urgência de lidar com essas questões e a pertinência de contextualizá-las em seus conteúdos, como forma de atualizar as suas aulas e atender a “missão” de formar cidadãos. Essas escolas participaram de um projeto formativo realizado pelo programa, em parceria com a Diretoria de Ensino Campinas Oeste, entre agosto de 2016 e junho de 2017.

3. Articulação e pesquisa acadêmica

Em 2017, o programa Escravo, nem pensar! participou de diversos eventos, dentre debates, palestras e discussões sobre trabalho escravo e temas correlatos. Por trás dessa atuação, vem a ideia de disseminar os conteúdos e metodologias do programa, bem como trocar ideias, experiências e desafios, e sensibilizar membros da sociedade civil organizada, do poder público, da academia, do setor privado, e a sociedade como um todo para a temática.

Dentre eles, a equipe do ENP! participou da X Reunião Científica Trabalho Escravo Contemporâneo e Questões Correlatas, organizada pelo Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre os dias 16 e 18 de outubro. Natália Suzuki, coordenadora do programa, participou do Bloco 7: Trabalho Escravo e Políticas Públicas no Brasil, debatendo intermediações nas políticas públicas de combate do trabalho escravo.

Também no âmbito do GPTEC, foi publicado o artigo “A mobilização dos atores políticos para a luta contra o trabalho escravo: um caso de ativismo jurídico transnacional”, parte do livro Trabalho Escravo Contemporâneo: Estudos sobre Ações e Atores (Editora Mauad, 2017), organizado por Ricardo Rezende Figueira. O artigo também está disponível na biblioteca digital do site do Escravo, nem pensar!.

Também em outubro no Rio de Janeiro, o ENP! participou do Encontro das Comissões Estaduais para Erradicação do Trabalho Escravo (Coetraes). Natália Suzuki mediou uma mesa de debates e fez uma apresentação sobre o programa de educação da Repórter Brasil na seção que debateria práticas de combate e prevenção ao trabalho escravo.
Além disso, a equipe participou de dois importantes eventos em dezembro de 2017: o II Seminário Dezembro Imigrante, em São Paulo (SP), e o Seminário Mais IDH, em São Luís (MA), quando foi lançada a segunda edição do projeto Escravo, nem pensar! no Maranhão.

ÁREA II: JORNALISMO E PESQUISA

Agência de notícias

Em 2017, a Agência de Notícias da Repórter Brasil lançou reportagens de impacto, ampliou sua rede de parcerias, aumentou sua cobertura audiovisual e manteve o ritmo de crescimento estabelecido no ano anterior. A expansão do alcance do nosso conteúdo – um dos objetivos mencionados já no relatório de 2015 – foi fortalecida, tornando-se uma meta estrutural da organização.

As 59 reportagens publicadas em 2017 (média de cinco por mês) mantiveram o enfoque trabalhista e socioambiental. Realizamos especiais temáticos sem deixar de olhar para acontecimentos importantes que tomaram 2017. Com a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2016, a Repórter Brasil realizou um extenso trabalho de investigação que resultou em um especial sobre o caso Brasil Verde, incluindo depoimentos dos trabalhadores resgatados.

As Reformas Trabalhista e da Previdência foram pautas constantes e um eixo  importante da nossa cobertura. Diante da proliferação de notícias e análises, em sua maioria favoráveis às reformas, a Repórter Brasil optou por olhá-las de maneira diferente. No caso da Previdência, abordamos desde o início e em diversas reportagens o problema das dívidas das empresas com o INSS, um fator importante para o cálculo do anunciado déficit da Previdência, mas pouco abordado no debate nacional. As matérias tiveram repercussão, com destaque nos republicadores, o que ajudou a pautar a cobertura da imprensa como um todo. Para a Reforma Trabalhista, que entrou em vigor no final de 2017, procuramos entender e antecipar os impactos da nova legislação na vida dos trabalhadores e no combate ao trabalho escravo.

Por fim, também fizemos a cobertura da cobertura, avaliando como as reformas foram abordadas pelos maiores veículos de imprensa. Em ambos os casos, a imprensa deu maior tempo e espaço a fontes ou especialistas favoráveis às reformas. Os resultados dessa análise estão disponíveis aqui e aqui.

Em abril, o assassinato de dez trabalhadores no Mato Grosso confirmou uma escalada de violência em conflitos por terra e recursos naturais. Para conseguir cobrir esses diversos acontecimentos, a Repórter Brasil publicou o especial Campo em Guerra, com alguns dos principais casos de conflitos no campo. Nossa proposta foi investigar as motivações dos ataques, o contexto em que as ilegalidades proliferam, as histórias por trás dos números e as ligações dessa violência com os setores produtivos que abastecem as grandes cidades do Brasil e do mundo.

O massacre de Pau D’Arco (PA), onde foram executados dez trabalhadores rurais sem-terra na maior chacina no campo nos últimos 20 anos, foi tema de duas reportagens no ano passado. Uma delas têm depoimento exclusivo de testemunha que fortalece a suspeita de que os policiais civis responsáveis pelos crimes atuavam em associação com os seguranças da fazenda.

1. Especiais multimídia

A Repórter Brasil sempre teve como prioridade elaborar reportagens com recursos multimídias com o objetivo de contar histórias de maneira clara, imersiva e instigante. Em 2017, esse objetivo foi reforçado com o lançamento 11 especiais multimídias, que podem ser vistos neste link.

Dentre eles, destacamos o especial 100 Anos de Servidão, em que o leitor “navega” pelo rio Negro, no Amazonas, enquanto descobre a chocante história de gerações de trabalhadores endividados e escravizados na extração da piaçaba. Em A lei é de Suape, usamos uma mapa 3D, além de fotos e vídeos, para contar a história de famílias ameaçadas pelo complexo portuário de Suape, em Pernambuco. E em Estrondo: a imposição da força do agronegócio na Bahia, revelamos com texto, vídeo e fotos a história de comunidades geraizeiras que tem seus direitos violados pelo Agronegócio Estrondo, empresa composta por 22 companhias que trabalham com monoculturas de milho, soja e algodão.

2. Audiovisual

A cada ano, a Repórter Brasil amplia sua cobertura audiovisual. Em 2017, foram publicadas 13 vídeo-reportagens sobre diversos temas dentro das nossas áreas de cobertura, como o flagrante de trabalho escravo em terceirizadas da Animale, o massacre de Pau D’Arco e os trabalhadores escravizados na extração ilegal da madeira. Algumas dessas vídeo-reportagens viralizaram nas redes sociais (leia mais abaixo). A produção audiovisual da Repórter Brasil está reunida no nosso canal do Youtube.

3. Parcerias investigativas com outros veículos

No início de 2017, a Repórter Brasil firmou parceria com o jornal inglês The Guardian para uma investigação conjunta que mostrou que a JBS comprou carnes de fazendas brasileiras flagradas com trabalho escravo e desmatamento ilegal. A investigação rastreou a carne internacionalmente e, com a ajuda do jornal inglês, encontrou o produto em alguns dos maiores mercados do Reino Unido, como o Waitrose, Sainsbury’s, Marks & Spencer, Co-Op, Lidl e Princes. Em resposta a essa investigação, o sétimo maior mercado da Inglaterra, o Waitrose, retirou das suas prateleiras a carne da JBS, gerando pressão sobre todo o mercado de exportação de carne do Brasil. A repercussão do caso chegou a veículos nacionais e estrangeiros, como a Reuters, o Estadão e o Jornal do Brasil. Antes da parceria com o The Guardian, a Repórter Brasil também fez uma investigação conjunta com a Al Jazeera UK sobre trabalho escravo na indústria têxtil.

4. Site: panorama

Nos últimos anos, a Repórter Brasil determinou, como estratégia, a ampliação do alcance de suas reportagens, procurando atingir públicos diversos. A realização dessa meta passa pela republicação das nossas reportagens por meio de parcerias com outros veículos de comunicação, como UOL e Folha de S.Paulo, e também através de republicadores nas redes sociais. Embora nosso conteúdo tenha seu alcance multiplicado devido a essas parcerias, esse acesso não é contabilizado nos dados de audiência do site da Repórter Brasil. Dessa forma, ainda que seja uma métrica importante, a audiência direta do site – que em 2017 foi de 2,28 milhões de pageviews (cerca de 190 mil por mês) –, não é a única métrica utilizada e nem a mais relevante, justamente por não contemplar a audiência desses parceiros. No entanto, será empregada aqui para fornecer a listagem das matérias mais acessadas no nosso site.

4.1. As matérias mais lidas em 2017

1) Trabalho escravo na Animale: R$ 698 na loja, R$5 para o costureiro (dezembro)

2) Reforma da Previdência ignora R$ 426 bilhões devidos por empresas ao INSS (fevereiro)

3) Domésticas das Filipinas são escravizadas em São Paulo (julho)

4) O que está por trás da ofensiva do dono da Riachuelo contra o MPT (setembro)

5) “Lista de Transparência” traz 250 nomes flagrados por trabalho escravo (março)

6) Por que a reforma trabalhista é inconstitucional? (julho)

7) Sobreviventes de massacre no Pará descrevem execução e tortura (maio)

8) Especial Brasil Verde (junho)

9) Medida do governo Temer coloca em risco combate ao trabalho escravo (outubro)

10) Mídia ignora críticas a reforma da Previdência (abril)

Podemos perceber a importância que a pauta das reformas propostas pelo governo teve em 2017: uma reportagem sobre a reforma trabalhista e duas sobre a reforma da previdência aparecem entre as 10 mais acessadas. No caso da Previdência, a matéria de fevereiro ajudou a trazer o tema das empresas com dívidas no INSS para a discussão nacional, sendo repercutido e retomado em outros veículos. Ainda dentro dessa temática, em abril, fizemos uma análise sobre como a reforma foi coberta pela imprensa brasileira.

Em 2017, os conflitos por terra e recursos naturais também tiveram destaque na audiência. O especial Campo em Guerra procurou abordar essa escalada de violência, reunindo situações e ocorrências diversas que têm a violência das disputas como marca comum. Uma das reportagens mais lidas no período analisado foi justamente aquela em que os sobreviventes do massacre no Pará deram seus relatos sobre a chacina.

A pauta do trabalho escravo seguiu forte entre as reportagens mais lidas. Um dos casos de maior repercussão veio à tona junto com a atualização do aplicativo Moda Livre: uma fiscalização do trabalho denunciou o uso de mão de obra análoga à de escravo na cadeia produtiva na marca Animale. O caso ganhou bastante repercussão, especialmente nas redes sociais, assim como a denúncia de imigrantes filipinas que viviam situação de trabalho escravo em condomínios de alta classe em São Paulo.

Merece destaque, ainda, o especial Brasil Verde, retomando o resgate de trabalhadores que gerou uma condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além do histórico, a reportagem traz depoimentos de algumas das pessoas resgatadas. Tivemos uma repercussão inesperada aqui. Um dos trabalhadores resgatados à época entrou em contato conosco: ele não sabia que tinha direito à indenização e só tomou ciência disso após ver o especial nas redes sociais. Para além da conscientização do público, foi importante para a organização ver um impacto tão direto do nosso trabalho.

Por fim, em 2017, a lista suja do trabalho escravo voltou a ser publicada pelo Ministério do Trabalho, alguns dias após a disseminação da lista de transparência. A Repórter Brasil continua acompanhando a divulgação e o conteúdo da lista e reportando sobre o tema.

5. Redes sociais

Também nos últimos anos temos visto o crescimento da Repórter Brasil nas redes sociais. No Twitter, passamos de 160.000 para mais de 200.000 seguidores enquanto nossa página no Facebook foi de 95 mil para 130 mil curtidas. Os conteúdos com maior alcance no Twitter se assemelham àqueles acessados no site, especialmente nossa cobertura sobre trabalho escravo. O destaque nessa rede vai para a cobertura do Guardian Cities em São Paulo, que contou com colaboração da Repórter Brasil. Dentre os resultados, está uma reportagem sobre a feirinha da madrugada (publicada em português e em inglês).

No Facebook, dos 10 posts com maior alcance em 2017, sete são vídeo-reportagens. Isso significa que o investimento em recursos audiovisuais segue tendo bons retornos em termos de acesso aos conteúdos produzidos pela organização. A audiência desses posts também cresceu em relação ao período anterior: para comparação, a publicação com maior alcance em 2016 chegou a 2.735.078 pessoas, enquanto em 2017 esse número praticamente quintuplicou (veja lista abaixo).


Publicações com maior alcance no Facebook:

  1. Proprietários da fazenda onde houve a chacina de 10 trabalhadores, no Pará, pagaram policiais civis para protegerem as suas terras, afirma testemunha (10.933.055 usuários alcançados)
  2. Roupas da Animale eram costuradas com trabalho análogo ao escravo (5.666.415 usuários alcançados)
  3. Faça como o Wagner Moura: diga não ao trabalho escravo (3.476.316 usuários alcançados)
  4. Reportagem revela maus tratos aos animais em fazendas fornecedoras da JBS (1.033.592 usuários alcançados)
  5. Campanha Somos Livres (677.828 usuários alcançados)

Vídeos com maior alcance:

  1. Massacre no Pará (3.887.979 visualizações)
  2. Trabalho escravo na Animale (1.586.849 visualizações)
  3. Diga não! Faça como o Wagner Moura…. (1.327.163 visualizações)
  4. Reportagem revela maus tratos aos animais em fazendas fornecedoras da JBS (321.834 visualizações)
  5. Estrondo: a imposição da força do agronegócio (218.278 visualizações)

Todo conteúdo audiovisual produzido pela Repórter Brasil está disponível na página de vídeos no Facebook bem como no canal da ONG no Youtube.

Núcleo de documentários

Em 2017, a equipe se concentrou especialmente na captação de recursos e de imagens para a realização de novos projetos para o ano seguinte.

Os esforços se concentraram principalmente na divulgação do longa “Não Respire – Contém Amianto”, lançado em junho de 2017. Banido em quase 70 países por causa de seu devastador poder cancerígeno, no período de produção e lançamento do filme, o amianto ainda não fora proibido em todo o Brasil. O documentário investiga como a indústria do amianto – através de doações para campanhas políticas, financiamentos a pesquisas acadêmicas e investimentos em marketing – tenta vender a imagem de que o tipo de minério usado no bilionário mercado de telhas, chamado de “crisotila”, não é tão mau assim.

“Não Respire” foi exibido em quatro sessões da Mostra EcoFalante de Cinema Ambiental, em São Paulo, em junho. O documentário ganhou o prêmio do público para Melhor Longa-Metragem da Competição Latino-Americana da Mostra. No mês de agosto, “Não Respire” teve três exibições em diferentes locais do país: no auditório do Ministério Público do Trabalho, em Curitiba; no Auditório Ibirapuera, em São Paulo; e no Senado Federal, em Brasília.

Além disso, o filme também foi lançado em Florianópolis, em outubro, seguido por um debate com um dos diretores do filme, André Campos, e representantes do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho.

O filme também foi exibido na televisão por assinatura, no canal GloboNews. A exibição coincidiu com a retomada do julgamento sobre a proibição do amianto no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse sentido, “Não Respire – Contém Amianto” cumpriu um importante papel de conscientização e esclarecimento sobre o tema. Foi relevante, ainda, para influenciar o debate na imprensa e como referência para a sociedade civil organizada. Teve, portanto, importante papel.

Centro de Monitoramento de Commodities e Agrocombustíveis

A Repórter Brasil desenvolveu uma metodologia para identificação e rastreamento de cadeias produtivas que permite revelar a conexão de empresas com problemas sociais, trabalhistas e ambientais. Essa metodologia permite que o Centro de Monitoramento de Commodities e Agrocombustíveis da Repórter Brasil conduza investigações sobre as mais diversas áreas econômicas.

Os resultados são publicados em reportagens e relatórios, ambos disponíveis no site da Repórter Brasil (www.reporterbrasil.org.br), e utilizados em atividades de advocacy junto a governos e empresas, a fim de pressionar por avanços nos padrões de sustentabilidade. Além disso, o Centro também realiza eventos temáticos para debater os problemas de cadeias produtivas, reunindo representantes de empresas, associações de classe e trabalhadores, sociedade civil e Estado.

Ao longo de 2017, o CMA realizou pesquisas de cadeias produtivas no setor cafeeiro, resultando na publicação do relatório Boletim Monitor #5. O setor de vestuário também foi averiguado, resultando em uma nova atualização do aplicativo Moda Livre e na publicação de reportagem sobre o tema. Além disso, foram analisados os setores produtores de laranja, frango e construção civil, cujos relatórios deverão ser publicados em 2018.

Foi iniciada uma investigação de cadeia produtiva envolvendo organizações e entidades parceiras em alguns países do Mercosul. A ideia é trabalhar em conjunto com esses parceiros para avaliar os impactos sociais, ambientais e trabalhistas das cadeias globais em determinados setores. Um primeiro relatório sobre a temática deve ser publicado em 2018.

Os resultados das investigações foram apresentados em diálogos e eventos realizados no Brasil e no exterior. O Centro de Monitoramento conta ainda com apoio, na divulgação dos resultados dessas pesquisas e em atividades de advocacy, de redes de entidades e organizações que atuam em prol de uma cadeia produtiva.

1. Publicações

1.1. Relatórios

a) Boletim Monitor #5 – Café certificado, trabalhador sem direitos

O quinto número do Monitor, boletim que divulga os estudos setoriais e de cadeia produtiva, revela que mesmo fazendas de café certificado ainda falham em garantir direitos do trabalhador. Essa edição do Boletim Monitor também está disponível em português e em inglês.

b) As promessas não cumpridas da Responsabilidade Social Corporativa no Agronegócio brasileiro

O artigo afirma que as políticas de responsabilidade social corporativa, por terem escopo amplo e heterogêneo, podem tratar tanto de ações assistenciais e comunitárias, quanto de estratégias de redução de consumo de água e energia. No Brasil, são as empresas de maior porte que possuem capacidade de adotar um maior número de práticas de sustentabilidade. Para as pequenas, o caminho é mais difícil. A análise completa pode ser conferida aqui.

c) Veias abertas da Volta Grande do Xingu

O estudo analisa os impactos da mineradora Belo Sun sobre a região afetada pela hidrelétrica Belo Monte. Destaca que, independente do grau de investimentos em medidas de mitigação, os efeitos negativos são inevitáveis e bastante graves. Leia a publicação completa aqui.

1.2. Outras produções: Moda Livre

Lançado em dezembro de 2013, o aplicativo Moda Livre ganhou sua quarta atualização no final de 2017. Ele mostra como 119 marcas e varejistas combatem (ou não) a exploração de trabalho escravo na produção da roupa que oferecem aos consumidores. De acordo com essa atualização, subiu para 37 o número de grifes e varejistas de roupa responsabilizadas pela exploração de trabalho escravo desde 2010.

A atualização teve boa repercussão nas redes sociais e na mídia como um todo, especialmente se consideramos o momento em que foi lançado – na época de compras para as festas de final de ano. O aplicativo se beneficiou, ainda, do momento gerado pela reportagem sobre os casos de trabalho escravo na cadeia produtiva de uma grande marca – e que foram contemplados pela base de dados do app.

2. Eventos

2.1. Transparência e Participação em Certificações

A partir dos resultados da pesquisa sobre cadeias produtivas do café e certificação agrícola, a Repórter Brasil, com apoio da Christliche Initiative Romero (CIR) e do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), realizou um evento para debater transparência nos sistemas de certificação agrícola. Reunindo representantes de certificadoras, sindicatos e entidades que atuam na temática de empresas e direitos humanos em São Paulo, no dia 24 de outubro, foram discutidos problemas da certificação bem como possíveis soluções e alternativas. Veja o relato completo aqui.

2.2. Seminário de Balanço de dois anos do rompimento da Barragem do Fundão

O Centro de Monitoramento de Commodities e Agrocombustíveis também participou de duas atividades do seminário realizado entre 6 e 8 de novembro na Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória (ES).

Junto com outras entidades, compôs a mesa de debate sobre responsabilidade social e ambiental de grandes empresas do agronegócio, focando, especialmente, nos limites, impactos e novas demandas da sociedade civil frente aos desafios e problemas apresentados. No dia 8, a Repórter Brasil participou de audiência pública sobre o tema “Direitos Humanos e Empresas: Qual é a política pública que o Brasil precisa?”.

2.3. Conferência sobre formação de trabalhadores

A Repórter Brasil participou da conferência realizada pela DGB Bildungswerk Bund, na Alemanha, entre os dias 2 e 6 de outubro. Junto com outras entidades que atuam no combate a violações trabalhistas, realizou debates focando particularmente a troca de experiências, desafios e boas práticas. O objetivo do evento foi discutir os valores e conceitos que influenciam o trabalho educacional, métodos inovadores e projetos educacionais de sucesso no Brasil e na Alemanha.

2.4. Conferência final do DemandAT

DemandAT é um projeto de pesquisa internacional interdisciplinar que investiga abordagens e estratégias para lidar com e combater o tráfico de pessoas. Seus resultados buscam informar e fundamentar ações e políticas para combater essa violação de direitos humanos.

A Repórter Brasil colaborou com o projeto por meio de uma parceria com a Universidade de Durham (Inglaterra), que, junto com outras entidades de diferentes pontos do globo, analisou o papel e os impactos do mapeamento da cadeia produtiva no combate ao tráfico de pessoas, particularmente aquele relacionado a trabalho forçado.

A conferência final do projeto, realizada no dia 10 de maio em Bruxelas, reuniu cerca de 80 participantes, incluindo acadêmicos, representantes de organizações internacionais e da sociedade civil organizada, e membros de governos e do Parlamento Europeu. As mesas procuraram apontar estratégias e maneiras de combater o tráfico de pessoas, e o Centro de Monitoramento apresentou as políticas e estratégias desenvolvidas no contexto brasileiro, bem como o papel e a atuação da sociedade civil nesse contexto.

Área III: Articulação institucional

A Repórter Brasil possui um conjunto de atividades com o objetivo de ampliar e aprofundar o combate ao trabalho escravo contemporâneo e ao tráfico de pessoas, juntamente com violações de direitos humanos correlatas. Para tanto, a organização desenvolve uma estratégia de articulação com os mais variados atores envolvidos nessas temáticas nos âmbitos municipal, estadual, nacional e internacional. Dessa forma, buscamos garantir a defesa dos direitos humanos e, consequentemente, além de garantir a dignidade a diversas populações, evitar a utilização de justificativas sociais no erguimento de barreiras comerciais não tarifárias em mercadorias brasileiras vendidas no exterior. Nesse sentido, a organização tem contribuído com o desenvolvimento de políticas para a erradicação dessas violações.


A organização atua ainda junto ao setor empresarial para combater esse crime, através de diálogos com empresas e associações empresariais dentro e fora do país visando sua mobilização e engajamento.

Por fim, apoiamos as ações para a formação de atores públicos (como magistrados, auditores e procuradores), econômicos e sociais para o fortalecimento do combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas.

1. Ataques ao sistema brasileiro de combate ao trabalho escravo

Ao longo dos últimos anos, foram realizadas várias tentativas de desmonte do sistema para combater o trabalho escravo existente no país. A suspensão do cadastro de empregadores, conhecido como “lista suja”, foi uma das ações mais repercutidas pela mídia – embora não a única. Desde 2013, recursos humanos e financeiros para condução de inspeções do trabalho foram reduzidos – uma situação que se agravou após cortes de orçamento do Ministério do Trabalho em março de 2017. A Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), responsável por investigar denúncias de trabalho escravo e infantil, teve seus recursos reduzidos. O risco de fiscalizações não serem realizadas por falta de combustível gerou forte pressão da sociedade civil, da mídia e de atores envolvidos no combate ao trabalho escravo. A Repórter Brasil teve papel importante nesse processo.

A isso, somaram-se o atraso na publicação da atualização da lista suja no segundo semestre de 2017 e a publicação, em outubro, de uma portaria do Ministério do Trabalho que, na prática, alterava o conceito de trabalho escravo e impunha limites à atuação de fiscais do trabalho, dentre outras medidas. Considerando esse contexto, a Repórter Brasil dedicou seus esforços de articulação para a manutenção do conceito brasileiro de trabalho escravo, a atualização da lista suja como instrumento de transparência e o não aparelhamento político de instâncias técnicas da fiscalização do trabalho.

Além disso, a Repórter Brasil seguiu com seu compromisso de comparecer a eventos e debates sobre trabalho escravo e questões correlatas a fim de promover a conscientização sobre esses temas. Por isso, como membro da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), a Repórter Brasil compareceu a todas as reuniões ordinárias convocadas pelo coletivo.

1.1. Demissão do chefe de inspeção do trabalho

Em outubro, o chefe da Divisão de Fiscalização do trabalho Escravo (Detrae), parte da SIT,  André Roston, foi exonerado de seu cargo. Como chefe da Detrae, Roston era o responsável por avaliar denúncias de trabalho escravo, organizar fiscalizações de trabalho e elaborar a “lista suja”. Sua demissão veio alguns dias após demonstrar descontentamento com a situação financeira do Ministério do Trabalho em uma audiência pública realizada no Congresso.

Diversas organizações denunciaram a demissão de André Roston como uma maneira de acalmar os aliados de Temer no Congresso. A possível troca de favores políticos viria no contexto da votação, na Câmara, da denúncia contra o presidente. Na Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), a Repórter Brasil abordou a questão juntamente com outros atores, levantando sua preocupação com o fato. Juntamente com outras organizações da sociedade civil, assinou uma nota de repúdio à exoneração do chefe da Detrae.

1.2. Portaria Ministerial nº 1.129, de outubro de 2017

Após a demissão do chefe da Detrae, o Ministério do Trabalho publicou uma portaria abordando o conceito de trabalho escravo, as condições para realizar fiscalizações do trabalho e a própria lista suja. Esse documento enfrentou forte oposição de diferentes setores por razões diversas.

A portaria procurou estabelecer um novo conceito de trabalho escravo diante do qual inspetores do trabalho deveriam realizar seu trabalho. Também sujeitava a concessão de seguro-desemprego aos trabalhadores resgatados, que vem sendo pago desde 2003, e mesmo a validade da fiscalização a um novo conceito de trabalho escravo. O documento estabelecia a necessidade de impedimento do direito de ir e vir para a caracterização do crime, tornando, assim, irrelevante as condições de trabalho a que a pessoa está submetida. Com isso, dignidade humana deixaria de ser um fator essencial para caracterização de trabalho escravo – um dos grandes avanços do conceito brasileiro, que o fez tão elogiado internacionalmente.

Servidão por dívida – um elemento comum nos casos de trabalho escravo contemporâneo – também seria excluída da caracterização. A portaria incorporava, ainda, o consentimento da trabalhadora ou do trabalhador como elemento para definir a situação como trabalho escravo, um debate antigo no âmbito internacional e que já foi resolvido no contexto das Nações Unidas. Ambas novidades restringiriam as possibilidades de caracterização de trabalho escravo.

A portaria também versava sobre a “lista suja” do trabalho escravo. Ao invés de sua publicação ser feita diretamente pela Detrae, ela passaria a depender do ministro do Trabalho, que poderia aprová-la ou não. Tal decisão impactaria a capacidade da lista enquanto instrumento de transparência pública, tirando seu caráter técnico e comprometendo sua credibilidade, uma vez que o ministro poderia retirar um nome por motivos políticos. Além disso, a própria composição da lista seria bastante diferente se as fiscalizações seguissem as regras da portaria.

Não houve nenhuma consulta antes da publicação do documento. A própria Secretaria de Inspeção do Trabalho não foi consultada sobre um conteúdo que afetaria diretamente seu trabalho. Tampouco foi realizada uma ampla discussão com a sociedade brasileira sobre instrumentos que afetam diretamente as políticas públicas de combate a violações de direitos humanos. O Ministério alegou, em nota, que buscava aumentar a segurança jurídica para o Estado brasileiro com a portaria.

A Repórter Brasil fez uma longa matéria sobre o caso, analisando a portaria por meio da apresentação de pontos de vistas de diversos atores que atuam no combate ao trabalho escravo, que pautou a imprensa sobre o tema. O conteúdo foi republicado no UOL e nas redes sociais. Além disso, a organização analisou a polêmica entrevista dada pelo Presidente Michel Temer na defesa da portaria, em que ele criticou alguns autos de infração de uma fiscalização, afirmando que simples problemas teriam resultado em caracterização de trabalho escravo. O presidente, no entanto, deixou de mencionar que foram emitidos outros 40 autos para a mesma fiscalização e que a caracterização de trabalho escravo decorreu do conjunto deles – e não apenas dos autos mencionados. O tema também foi abordado em matéria do The Guardian, que conta com depoimento do diretor da Repórter Brasil.

Durante esse período, a campanha Somos Livres realizou diversas ações para combater a mudança no conceito de trabalho escravo imposto pela portaria. Importante lembrar que a campanha, desenvolvida pela Ideal H+K Strategies, é uma realização da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT). A Repórter Brasil busca auxiliar em seu desenvolvimento. Um dos posts da Somos Livres compartilhado em nossa página no Facebook alcançou mais de 600 mil pessoas. Nossa organização também atuou esclarecendo dúvidas de jornalistas que estavam cobrindo o tema, procurando oferecer informações claras para que o assunto fosse devidamente abordado na mídia.

Ademais, a portaria foi discutida no âmbito da Conatrae. Esse debate resultou em uma série de encontros e reuniões para endereçar os problemas advindos do texto da portaria com membros da Comissão. Raquel Dodge, que havia sido recentemente empossada como Procuradora-Geral da República, se manifestou contrária à portaria, considerando-a um retrocesso e solicitando ao ministro que a revisasse.

Algumas semanas após sua publicação, a ministra Rosa Weber suspendeu os efeitos da portaria por meio de uma liminar. Dessa forma, a portaria ficaria suspensa até que o Supremo Tribunal Federal tomasse uma decisão a seu respeito. A pressão da sociedade civil, da mídia e dos atores envolvidos no combate ao trabalho escravo foi essencial nesse sentido.

A intensa pressão da sociedade civil e a atenção recebida pelo assunto na mídia nacional e internacional surtiram efeito. No final de dezembro, o então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, publicou a Portaria Ministerial nº 1.293, retirando muitas das restrições para a condução de fiscalizações, para a publicação da lista suja e para o conceito de trabalho escravo.

1.3. “Lista suja” do trabalho escravo

A Repórter Brasil publicou a última versão da Lista de Transparência – solicitada via Lei de Acesso à Informação – em março de 2017. O documento traz os dados de empregadores autuados em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que tiveram decisão administrativa final. A solicitação visou garantir transparência à política de combate a essa violação aos direitos fundamentais enquanto o governo federal não retomasse a publicação da chamada “lista suja”. Alguns dias depois da publicação da Lista de Transparência, o Ministério do Trabalho (MTb) voltou a divulgar a chamada “lista suja” do trabalho escravo após decisão judicial.

1.4. Somos Livres

Como mencionado no item anterior, a campanha Somos Livres é uma realização da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT). A Somos Livres foi criada em 2015 para conscientizar o público a respeito do que é trabalho escravo e defender a manutenção do conceito brasileiro com seus quatro elementos.

Enquanto a portaria ministerial nº 1.129 estava no centro do debate nacional sobre trabalho escravo, a Somos Livres focou nesse temática com materiais nas redes sociais e em jornais e revistas de todo o país. Em dezembro, a campanha recebeu o troféu Gold Stevie Winner no “The Stevies” International Business Awards (IBA), na categoria Communications or PR Campaign of the Year – Public Service (All Other Nations).

2. Outras atividades

2.1. Reforma Trabalhista e Reforma da Previdência

A Repórter Brasil trabalhou com a temática da Reforma Trabalhista e da Reforma da Previdência no âmbito do nosso programa de Jornalismo, abordando particularmente suas consequências para o combate ao trabalho escravo e a cobertura da imprensa em relação às propostas no Congresso. Em decorrência disso, recebemos diversos contatos e pedidos de entrevista de veículos internacionais sobre as reformas.

A organização também participou de eventos e debates sobre o tema. Em junho, estivemos presentes no seminário “O combate ao Trabalho Escravo e as Reformas Trabalhistas”,  realizado pela Conatrae. Além de acompanhar toda a programação, integramos a mesa sobre Terceirização, a fim de discutir negociado sobre o legislado, trabalho intermitente e imposto sindical.

No mês seguinte, a Repórter Brasil também participou do congresso “O novo cenário trabalhista e seus impactos no enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo”, organizado pelo Comitê Estadual de Atenção ao Migrante, Refugiado e Apátrida, Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Erradicação do Trabalho Escravo (Comitrate), de Minas Gerais.

Mesmo após a aprovação da Reforma Trabalhista, nossa organização ouviu uma série de especialistas que levantaram 21 pontos que ainda poderiam ser revertidos para reduzir as perdas de direitos dos trabalhadores. A partir daí, a organização realizou um levantamento de pessoas membros do Senado e da Câmara dos Deputados que haviam se posicionado contra a reforma e/ou indecisas. O documento foi enviado, então, a título de informação e transparência para deputados federais e senadores.

2.2. Cadeias produtivas

Nos últimos anos, a Repórter Brasil integrou o projeto interdisciplinar DemandAT, coordenado por pesquisadores da Universidade de Durham, que realizou uma investigação compreensiva sobre cadeias de produção globais, olhando para a questão da exploração do trabalho e do trabalho forçado. A pesquisa procurou entender como esforços e políticas públicas poderiam auxiliar a combater essas violações.

Em janeiro, a Repórter Brasil participou do encontro do International Advisory Board, em Londres, para discutir os documentos que seriam apresentados posteriormente para membros do Parlamento Europeu, em Bruxelas. Foram propostas iniciativas e ações de políticas públicas, que poderiam auxiliar no combate ao tráfico de pessoas e à exploração do trabalho, dentre outras questões. Em maio, na conferência final do projeto, seus principais resultados e descobertas foram apresentados. Nessa ocasião, a Repórter Brasil participou do painel III: “Repressing or ‘discouraging’ demand?”, que analisou estratégias e sanções visando mudar comportamentos e suas consequências. Mais informações sobre a conferência estão disponíveis neste mesmo relatório, no item 2.4 do Centro de Monitoramento de Commodities e Agrocombustíveis (Área II).

Em maio, participamos do lançamento da 50 for Freedom no Brasil. Realizada pela Organização Internacional do Trabalho, a campanha global procura mobilizar pessoas para pressionar governos a ratificar o Protocolo da Organização Internacional do Trabalho sobre trabalho forçado. O diretor da Repórter Brasil participa do esforço global para adesões de países ao protocolo.

A questão do trabalho escravo nas cadeias produtivas também foi abordada na conferência “Partnerships to End Forced Labour in Supply Chains”, realizada em junho, em Berlim, pelo The Consumer Goods Forum, em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Departamento de Trabalho dos Estados Unidos. Nesse evento, a Repórter Brasil foi uma das debatedoras do painel “What Does the Data and Research Tell us? Gaps, Risks and Impact”.

Em dezembro, a Repórter Brasil participou da conferência “Suco de laranja sustentável”, realizada em Berlim, pela Christliche Initiative Romero. O evento buscou discutir a situação da cadeia produtiva da laranja no Brasil com diversos atores interessados, dentre representantes da sociedade civil organizada, de empresas e sindicatos.

Como nossa atuação com cadeias produtivas é bastante conhecida, a Repórter Brasil frequentemente recebe convites para falar da temática em diferentes esferas. Em 2017, por exemplo, unidades do SESC solicitaram a presença de representantes da organização para participar de debates sobre moda e consumo consciente. Além disso, em setembro, a organização participou da sétima edição do “Diálogos Transformadores”, organizado pela Folha de São Paulo e pela Ashoka, que reuniu especialistas para debater “Trabalho e Imigração na Indústria da Moda”.

No mesmo mês, a Repórter Brasil palestrou em um evento paralelo à Assembleia Geral da ONU sobre escravidão contemporânea e seu combate por parte das empresas. Na mesma ocasião, o diretor da organização também deu uma conferência sobre trabalho escravo na New School, em Nova York. Já em novembro, integramos o evento IV Global Conference on the Sustained Eradication of Child labour, realizado na Argentina. O diretor da organização fez parte da composição do painel “Empowerment through knowledge: Getting knowledge in everyone’s hands”, abordando a experiência da Repórter Brasil com acesso à informação como ferramenta no combate ao trabalho escravo contemporâneo.

2.3. Formações a agentes públicos

A Repórter Brasil, pelo reconhecimento que tem dos atores envolvidos no combate ao trabalho escravo, é frequentemente convidada para participar de seminários e workshops de atualização e treinamento de agentes públicos. Consideramos essas ocasiões como oportunidades importantes para compartilhar os conhecimentos gerados por e acumulados em sua atuação – seja nos programas de pesquisa, jornalismo e educação, seja nos debates que acompanha na área de articulação. Essas formações são essenciais, ainda, para conscientização e sensibilização de agentes públicos sobre trabalho escravo e questões correlatas.

Por exemplo, em agosto, a Repórter Brasil realizou uma palestra sobre o papel do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, considerando especialmente os ataques ao sistema de combate ao trabalho escravo, no contexto das reformas em debate no Congresso. O público era composto por magistrados do estado da Bahia.

A organização também participou, em janeiro, dos eventos da Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Na ocasião, o diretor-presidente da ONG realizou uma palestra sobre o tema, organizada pela Conatrae, em Brasília.

Em outubro, participamos do seminário “Impactos da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Fazenda Brasil Verde”, organizada pela Escola Superior do Ministério Público da União. A Repórter Brasil abordou quais são os aspectos da escravidão contemporânea e quem são as pessoas escravizadas.

2.4. Demais eventos

Nossa atuação lida diretamente com a proteção aos direitos socioambientais, passando por diferentes questões em sua abordagem dessa temática. Por isso, não é incomum recebermos solicitações e convites para falar das experiências de sucesso e boas práticas dentre nossas estratégias nesses âmbitos. Assim, devido à sua experiência com a Lei de Acesso à Informação no caso da suspensão da chamada “lista suja” do trabalho escravo, a Repórter Brasil foi convidada para participar de um debate sobre acesso à informação na Faculdade de Direito da FGV, em São Paulo, em abril.

Em junho de 2017, o  diretor da organização foi agraciado com o Hero Acting to End Modern Slavery Award, por sua atuação contra o trabalho escravo. O prêmio é dado todos anos pelo Departamento de Estado dos EUA a pessoas que se destacam no combate à escravidão moderna ao redor do globo. Desde 2014, o diretor da Repórter  Brasil tem assento no conselho do Fundo Voluntário das Nações Unidas para Combate a Formas Contemporâneas de Escravidão, parte do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. Em 2017, a Repórter Brasil participou da sessão ordinária anual, na qual o Fundo aloca recursos para projetos que atuem com vítimas de escravidão contemporânea. Para mais informações sobre as atividades do Fundo, clique aqui.

Por fim, em dezembro, a Repórter Brasil participou do debate “Combatendo trabalho escravo na cidade de São Paulo”, realizado na Câmara dos Vereadores, a fim de analisar e discutir as ações e políticas realizadas até então, e estruturar objetivos e estratégias para combater essa violação na cidade.

Para ver outros relatórios de atividades da Repórter Brasil, clique aqui

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